segunda-feira, 5 de novembro de 2007

Memórias de três guerras

Por estes dias, e por motivos diferentes, estamos a ser confrontados com as memórias de três guerras.

Neste mês de Novembro passam exactamente duzentos anos sobre a primeira invasão francesa comandada pelo general Junot. As consequências para Portugal da chamada “guerra peninsular” foram imensas. A saída da Família Real para o Brasil iria dar origem à independência daquele país e às guerras fratricidas que se seguiram entre D. Pedro e D. Miguel, cujas sequelas ainda hoje são perceptíveis na sociedade portuguesa.

As lutas com os franceses no território nacional caracterizaram-se por um grau de violência e de destruição e pilhagem do nosso património absolutamente indescritível. Em pequeno, lembro-me de ouvir descrições destas lutas aos velhos da beira baixa que as tinham ouvido aos seus avós, que eram de tal forma arrepiantes que seria difícil acreditar que pessoas normalmente pacíficas fossem capazes de cometer tais actos.

As recordações da guerra civil espanhola vieram ao de cima com uma iniciativa de Zapatero chamada “Lei da Memória Histórica”. Mais valia que essa memória fosse deixada a dormir por muitos e bons anos. De facto, ao abrir mais um conflito com a Igreja Católica pela sua ligação ao regime Franquista, Zapatero não podia ignorar que nas guerras civis nunca se sabe muito bem quem começa o quê, sendo certo que, ainda antes da guerra civil, a República levou a que muitos padres e freiras fossem assassinados e muitas igrejas destruídas. A violência daquela guerra civil, de parte a parte, deveria levar a que o bom senso que presidiu à transição espanhola para a democracia fosse mantido.

Já a série de documentários que a RTP está a apresentar sobre as guerras de independência em Angola, Moçambique e Guiné parece-me vir em boa altura.

Os intervenientes directos que prestam depoimentos usam ainda muito de auto-justificação dos seus actos. Mas é vantajoso tomar-se conhecimento daquilo que se passou na realidade de uma forma que até agora me parece feita de uma forma abrangente e não parcelar ou sectária o que, convenhamos, não é tarefa fácil.

Também esta guerra se revestiu de uma particular violência de parte a parte, como temos visto na série, de uma forma por vezes altamente perturbante, pelos actos praticados por pessoas de quem tal não seria de esperar.

As consequências do fim desta guerra, particularmente a vinda de centenas de milhares de pessoas de África com a sua absorção quase instantânea estão ainda por analisar e conhecer em profundidade. Desconfio que muitas das características actuais da sociedade portuguesa, totalmente diferente da que era há trinta anos, radicam nas alterações de hábitos de vida produzidas pelo contacto com a gente vinda de África em 1975.

Publicado no DC em 5 Novembro 2007

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