segunda-feira, 25 de agosto de 2008

GEÓRGIA, RÚSSIA E EUROPA




No início deste Agosto que, ao contrário do que alguns ambientalistas nos avisaram, tem sido entre nós dos mais frios dos últimos anos, na outra extremidade desta Europa que teima em não ultrapassar a História eclodiu uma guerra, para espanto de muitos.
Aquela Geórgia que os antigos Gregos, por estarem aproximadamente equidistantes de uma e outra, chamavam de Ibéria oriental foi invadida pela Rússia, originando uma guerra que se saldou em milhares de mortos e no habitual cortejo de sofrimento das populações civis.
Recordo alguns factos:
- Quando em 1989 a União Soviética implodiu, e em consequência vários países que a integravam se tornaram independentes, a Geórgia foi um deles, tendo a região chamada Ossétia ficado dividida, entre a Ossétia do Norte, russa, e a Ossétia do Sul, georgiana.
- Nessa altura a Ossétia do Sul, com apenas 3.900 km2 e 70 mil habitantes, também se proclamou independente, mas os separatistas acabaram por assinar um cessar-fogo com a Geórgia em 1992.
- Quando a Ossétia do Sul proclamou a sua independência, nenhum país membro da Organização das Nações Unidas, incluindo a Federação Russa, a reconheceu como tal, continuando a ser considerada como parte integrante da Geórgia.
- A Geórgia é atravessada pelo único “pipeline” da região que não é controlado pela Rússia; este oleoduto vindo do Azerbeijão passa a sul da capital Tbilisi, entrando de seguida na Turquia, evitando o território da Arménia.
- A Geórgia pediu a sua adesão à NATO, estando o pedido pendente, após uma primeira recusa em Março deste ano pelos votos contra da Alemanha e da França.
Foi neste contexto que, após meses de extrema pressão militar por parte da Rússia, o presidente da Geórgia mandou avançar as forças armadas do país para controlar o território da Ossétia do Sul, que faz parte integrante da Geórgia. De imediato a Rússia invadiu não só a Ossétia do Sul mas grande parte do território da Geórgia, bombardeando alvos civis, incluindo a cidade de Gori.
Com muita lentidão, a União Europeia lá acabou por reagir, tendo havido conversações que se espera que venham a conduzir à retirada total das forças russas do território georgiano.
Curiosamente, esta agressividade russa que significa o ressurgimento do velho urso russo após o fim do período comunista, foi entre nós saudada com alguma satisfação e manifestações de apoio por parte de antigos “compagnons de route” da ex-URSS. Desenganem-se: não são os velhos camaradas a regressar, apesar do passado KGB de Putin, mas o velho imperialismo russo que se pretende afirmar, bem anterior ao período soviético, fundamentalmente através da reconquista territorial do que entende ser a sua “área de influência” e da dominação energética da União Europeia.
A maneira como a União Europeia resolver esta questão virá a influenciar de forma decisiva o seu futuro, talvez muito mais do que o futuro do Tratado de Lisboa. Os europeístas deverão estar unidos e perceber a estratégia energética da Rússia que compra muitos aliados dentro da UE, designadamente através da Gazprom, como o triste caso do ex-Chanceler alemão Gerhard Schröder exemplifica.

Publicado no Diário de Coimbra em 25 de Agosto de 2008

3 comentários:

João Paulo Craveiro disse...

Comentário recebido de um leitor do Diário de Coimbra:

"O seu anticomunismo primário e até de algum irracional não tem razão nos tempos em que vivemos.
O tempo da URSS acabou, por isso não se percebe os últimos parágrafos do seu artigo.
Recomendo-lhe o artigo do seu colega de opinião do Diário de Coimbra, Sérgio F. Borges de domingo passado, “Manipuladores de Consciências”.
Como é sabido a Rússia de agora não tem nada haver com a URSS, no poder está a “democracia”, grassam as máfias aliás como no Ocidente de democracia impoluta, não existem violências, nem corrupção, somos um mundo de virtudes (aliás foi isso que prometeram quando entrássemos na Europa, seriamos um paraíso à beira-mar plantado).
Sakaashvili, distinto advogado de uma sociedade americana de advogados, impoluto, que avançou para a presidência da Geórgia prometendo mundos e fundos e que até não fez além da criação de pequenas clicks de poder e nepotismo.
Já agora que mal pergunte, Moscovo não pode intervir em países da sua vizinhança, que podem pôr em causa a sua integridade territorial, mas os americanos, podem intervir onde lhes apetece matando milhões de pessoas(caso do Iraque, o mais recente, Somália, Sudão(Bomba sobre uma fábrica de produtos farmacêuticos, fazendo crer ao mundo ser uma fábrica de produtos nucleares), no Afeganistão através do Bin Laden/Paquistão"

Fernando disse...

Obviamenteque existe algum anti-comunismo latente naquilo que tu escreves, meu caro João Paulo. E está latente há muitos anos, já que não é mais que a aplicação directa duma das principais leis da Física e fundamento principal do nosso curso de Engenharia Civil, traduzida na tão conhecida "TODA A ACÇÃO DESENCADEIA UMA REACÇÃO". Quem, como nós, sofreu na carne os efeitos das clicks (para pegar no termo) comunistas da época pós-revolucionária do 25 de Abril, terá de ter, com toda a certeza, entranhado um anti-comunismo primário, não pelo sentido que querem dar ao termo, antes porque é primeiro e se sobrepõe, ainda hoje, a muitos outros sentimentos. Nada mais é que a confirmação doutro termo que essas clicks usavam para nos designarem, REACÇÃO. Ainda bem que a desenvolvemos e levámos, com custos próprios, até ao fim. Foi essa meia dúzia de "RESISTENTES" com a sua "REACÇÃO", que permitiu que hoje, com todos os malefícios do nosso sistema político, este permita que haja gente que ainda invoque o anticomunismo primário de alguém com que não se concorda e sabe não partilhar das mesmas ideias de Marx. Pelo menos isso, tem a liberdade de escolher, de criticar, em fim de opinar como lhe dê na gana. Até permite o exagero de que alguns cheguem a, com as (pseudo) doutas opiniões, agredir impunemente a liberdade dos outros.
Apesar de tudo, o distinto comentador leitor do DC (como eles gostam de siglas ...) não deixa de ter alguma razão. Na Rússia desenvolveram-se máfias em vez de Democracia, no Ocidente um Capitalismo desenfreado sem preocupações sociais que vai, inevitavelmente,conduzir a enormes convulsões.
É por estas e por outras que às vezes me surpreendo a achar que afinal sou o que sempre fui, um não alinhado. Garanto que, no entanto, não mudei assim tanto que esta auto-classificação me possa confundir, de alguma maneira, com o defunto (graças a Deus) Marechal Tito. Não alinhado mas não tanto.

João Paulo Craveiro disse...

Enviei a seguinte resposta ao autor do comentário anterior:
"Caro leitor
O comentário que me enviou e que agradeço, tem tudo aquilo a que me referia no artigo.
Por um lado, ataca o meu anticomunismo primário (onde é que eu já ouvi isto?).
Refere-se por outro lado à promessa de democracia impoluta da Europa Ocidental, que teria sido apresentada aos portugueses como um modelo de virtudes sem violência nem corrupção.
Nada de mais falso.
A Europa foi apresentada como um caminho para a prosperidade económica e garantia de não retorno do sistema democrático, não mais. O que já não é pouca coisa.
Olhando para trás, apesar das nossas incapacidades, o Portugal de hoje não tem nada a ver com o de 1986.
Quanto às democracias, elas não são nem precisam de ser impolutas. Não há regimes perfeitos, como não há pessoas perfeitas. A Democracia é, apesar de tudo, o menos imperfeito dos regimes (e o único que se reforma por dentro).
A União Europeia, apesar do burocratismo que atravessa neste momento, não tem nada a ver com os regimes corruptos e nepotismos que grassam pelos países da ex URSS, com a Rússia à cabeça. O que se vê nesses países é o resultado do "congelamento" artificial da História durante 70 anos, com algumas semelhanças aliás com o que se passou entre nós com a libertação das energias sustidas a ferro durante o salazarismo/caetanismo de quase 50 anos.
O antiamericanismo (primário ?) que revela é a marca de água da nostalgia dos regimes do "Sol na terra" e dos "amanhãs que cantam" que sobrevivem nalgumas abencerragens como a Coreia do Norte e Cuba.
Lamento por si, mas é a minha opinião, que espero respeite, como eu respeito a sua, defendendo o seu direito a tê-la e a expressá-la.
Apesar de todos os eus defeitos, e são muitos, a democracia americana consegue dar exemplos ao mundo inteiro. Em que outro país é possível assistir desta maneira a uma escolha de candidatos, primeiro dentro dos próprios partidos, depois entre Republicanos e Democratas com debate a sério de todos os assuntos que importam, sem arcas encoiradas?
Nós por exemplo, ainda temos muito que percorrer até vermos os nossos políticos assumirem publicamente e sem subterfúgios as suas opções.
Mais uma vez agradeço o seu comentário.
Cumprimentos,"