segunda-feira, 16 de março de 2009

CAIS (de partida)



A turbulência do dia-a-dia leva-nos frequentemente a ser cegos para o sofrimento que nos rodeia.

Participamos de vez em quando nesta ou naquela acção caritativa ou apenas de solidariedade, ficando a nossa consciência tranquila, porque supomos que já fizemos a nossa parte. Deixamos de lado o contacto humano, a palavra amiga, porque temos até medo de ouvir as histórias pessoais, preferindo apenas pagar para cumprir a obrigação social. Gostamos muito da Humanidade, mas temos mais problemas em lidar com os homens e mulheres.

Com certeza que todos já passámos por algum vendedor da revista CAIS. Com alguma probabilidade, até já temos o nosso “fornecedor” fixo da revista, como sucede comigo. Desde que trabalho na Baixa, todos os dias encontro o vendedor Giuseppe Cianciola, um italiano que tem sempre uma palavra simpática para todos , nem que seja a comentar o tempo.

Como todas as pessoas que vendem a revista Cais, Giuseppe tem uma história de vida triste que não interessa aqui contar; o que importa é que a vida se encarregou de o trazer de Itália até Coimbra. Por cada revista que vender, 70% do preço de capa - 2€ - ficam para ele, entregando o resto à Associação Cais.

Esta Associação de Solidariedade Social sem fins lucrativos, reconhecida como pessoa de utilidade pública, existe desde 1994. A sua missão é contribuir para o melhoramento global das condições de vida de pessoas sem casa/lar, social e economicamente vulneráveis, em situação de privação, exclusão e risco, designadamente aqueles que são conhecidos como Sem-Abrigo.

Ao aceitarem participar no programa da Cais, aquelas pessoas assumem compromissos de comportamento social, difíceis de cumprir para boa parte dos vendedores. A venda da revista Cais torna-se para eles e elas um ponto de partida, uma resposta de transição para a vida activa. Hoje em dia, podem até ser considerados heróis, pela renúncia a um passado e escolha de uma vida com mais dignidade.

Não se pense que, com todo este contexto, a revista Cais é apenas para comprar e deitar fora. Habitualmente, inclui artigos de grande interesse sobre temáticas sociais, culturais e científicas. Todos os anos promove um concurso nacional de fotografia, que tem desde 2006 o BES como mecenas; em 2008, 870 pessoas concorreram, com trabalhos subordinados ao tema “Sons, Odores e sabores”.

Estimado leitor: da próxima vez que encontrar um vendedor ou vendedora da CAIS, tire-se das suas tamanquinhas, e, além de comprar a revista, aproveite a oportunidade para tentar conhecer melhor o ser humano que lha estende. Será ainda mais compensador.


Publicado no Diário de Coimbra em 16 de Março de 2009

1 comentário:

Fernando disse...

Caro Amigo,

A oportunidade de sempre espelhada neste artigo. Agora, com toda esta crise, mais do que nunca, o apelo à consciênciade cada um como chamada de atenção pelo que pode fazer pelos outros, impõe-se. A caridadezinha, traduzida na moedinha encontrada esquecida no fundo do bolso,já não absolve ninguém dos pecados da vida. Exige-se mais, é dever de todos passar a olhar os menos favorecidos, os atingidos por esta crise, tão verdadeira quanto aproveitada por demasiados oportunistas que dela fazem panaceia para remediar as más gestões dos anos de "vacas gordas" em que a preocupação de aforrar, para tempos de crise, foi simplesmente esquecida, assim como todos os outros desprotegidos da fortuna como exemplos daquilo a que todos estamos sujeitos e que, por terem caído, não deixam de ser seres humanos dignos, com direito a serem auxiliados a levantar-se, trata-se, não de uma obrigação, antes de um dever moral e ético.
A fronteira entre o bem estar material, maior ou menor, de que habitualmente desfrutamos e a "Queda na Rua", como sem-abrigo, é muito mais ténue do que todos pensamos. Se aprendermos a dar a mão a quem agora necessita, se o ensinarmos a fazer, podemos estar a contribuir para algo que, um dia, viremos agradecer a nós próprios como a decisão mais acertada das nossas vidas. Oxalá não seja nunca assim, tomara eu ter a absoluta certeza disso. Até lá vou lembrar-me desta tua lição, Caro João Paulo e tentar mudar a minha atitude, não só com os vendedores da Cais mas com todos os necessitados a quem possa estender a mão.