segunda-feira, 23 de março de 2009

PÚBLICO E PRIVADO


Na apresentação das contas da GALP, o CEO da empresa voltou a afirmar que nunca esquece que o principal dever de um gestor é “criar valor ao accionista”.

Uma determinada interpretação desta afirmação foi uma das razões que levou ao desastre financeiro e económico a que assistimos hoje no mundo inteiro.

Penso ser inquestionável que as empresas são a base do actual desenvolvimento do nosso mundo. Ao seu funcionamento se deve a qualidade de vida e conforto a que um número cada vez maior de pessoas se foi habituando nas últimas décadas.

Mas a criação de valor pelas empresas vai muito mais longe do que a distribuição anual de dividendos pelos respectivos accionistas e prémios aos gestores. As empresas não existem só por si, como entidades abstractas e autónomas. Para além dos detentores do capital, existem os seus trabalhadores com as respectivas famílias, os seus fornecedores a montante e os seus clientes a jusante.

Para outras, existe ainda o bem público que lhes é autorizado utilizar, como sucede com as concessionárias de serviço público.

Numerosas empresas utilizam o subsolo das nossas ruas para lá instalarem as suas infra-estruturas. É isso que lhes permite funcionar e levar os seus produtos ou serviços aos lares de todos nós, e pelos quais todos pagamos.

Estão nesta situação as distribuidoras de gás natural (caso da GALP), de electricidade, de comunicações, de água, etc.

Sucede que, como qualquer pessoa pode observar directamente, muitas concessionárias procedem às suas obras na via pública sem qualquer consideração por esse bem que todos pagamos com os nossos impostos. Provavelmente aquele princípio de “criar valor ao accionista” acima de tudo leva a poupar o mais possível, inclusivamente onde a sua responsabilidade devia ser maior. Nem se compreende que na execução dessas empreitadas sejam abertas valas que não são tapadas de imediato, ficando com dezenas ou centenas de metros por pavimentar durante os fins-de-semana, libertando pó e sujidade até para dentro das casas. Não se imagina, aliás, que isto possa acontecer nalgumas cidades como Madrid, Londres ou Nova Iorque, por exemplo.

Algum processo tem de haver que impeça estas situações e obrigue na prática as empresas concessionárias a garantir a devida e imediata reposição dos pavimentos das ruas que foram pagos por todos nós. Não deverão ser as Autarquias a arcar com despesas que afinal significam melhores resultados das concessionárias obtidos artificialmente por apropriação indevida do que é de todos.


Publicado no Diário de Coimbra em 23 de Março de 2009

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