segunda-feira, 8 de fevereiro de 2010

O TEMPO DOS CONSUMIDORES

Os tempos de crise pronunciada tendem a colocar em questão os princípios “universalmente aceites” anteriores à eclosão da própria crise. Isso só pode ser tido como uma vantagem inerente às próprias crises, que não deve ser desaproveitada.

Foi assim em 1932 após a “grande depressão”, quando se descobriu que as empresas não deveriam ser geridas apenas pelos seus donos, isto é, pelos detentores do seu capital, mas preferencialmente por gestores profissionalizados. Tudo correu muito bem até ao choque petrolífero da década de 70. Nessa década de grandes tormentos financeiros e económicos ao nível mundial, tornou-se comum dizer que o único objectivo das empresas seria a formação de valor para os seus accionistas (shareholders). Era o tempo em que o então presidente da GE Jack Welch declarava que a sua obrigação como CEO consistia apenas em proporcionar o maior lucro possível aos seus accionistas. Bem mais tarde, Welch veio a arrepender-se dessa afirmação, retractando-se publicamente corria já o ano de 2009. Cabe aqui referir que, a partir da década de 80, um novo conceito de “stakeholders” fez o seu caminho (curiosamente muito coincidente com a Doutrina Social da Igreja), visando ligar as empresas ao resto da sociedade, através da consideração da sua envolvente externa tanto a montante como a jusante (fornecedores e clientes), para além do seu interior (trabalhadores e accionistas). São assim acrescentadas dimensões sociais e ambientais à componente estritamente económica das empresas. Esta ideia é, de certo modo, independente da definição crucial do objectivo final do funcionamento das empresas, acompanhando qualquer uma das opções.

Estudos recentes decorrentes da actual crise vêm reorientar as empresas, afirmando que o objectivo essencial das empresas deverá ser a satisfação dos consumidores, para aí devendo ser virados os esforços dos seus gestores. Será essa satisfação que no fim garantirá a qualidade da gestão e a valorização do capital investido pelos seus accionistas. Lembremo-nos que já o guru da Gestão Peter Drucker, recentemente falecido, costumava dizer que o fim principal de qualquer negócio é encontrar clientes e fidelizá-los.

Poderá o leitor perguntar-se por que razão não será possível conciliar a maximização da rentabilidade do capital investido com a satisfação dos clientes. Um trabalho recentemente publicado pelo Prof. Roger Martin na Harvard Business Review demonstra que tal é impossível: ou se procura maximizar uma coisa, ou outra. Infelizmente não há maneira de maximizar duas variáveis em simultâneo. Pode-se, isso sim, maximizar o valor dos accionistas para um determinado patamar de satisfação de clientes, ou então obter a maior satisfação destes, para uma determinada rentabilidade das acções. Aquilo com que não se deve contar é com rentabilidades futuras em função do presente, já que o valor futuro das suas acções não tem nada a ver com as condições do presente.

Posto isto, desenganem-se aqueles que, de cada vez que surge uma das crises cíclicas, se convencem que o socialismo passará a ser alternativa ao capitalismo, isto é, que mais e mais Estado resolverá os problemas do mundo. Isso nunca aconteceu, e por boas razões. Aquilo de que estivemos a falar é de alternativas dentro do capitalismo, pese embora haja envergonhados da palavra, que lhe chamam “economia de mercado”, o que é a mesma coisa. Ainda que essa ideia custe muito a muita gente, a empresa é talvez a maior invenção do homem, sendo a instituição que, com capital e trabalho, proporciona a criação de produtos cujo valor é superior ao da soma das partes que contribuíram para a sua produção, dar trabalho aos colaboradores da empresa sustentando assim as suas famílias e contribuir para o crescimento económico dos países e desenvolvimento humano. Isto para além de ainda dar lucro aos seus accionistas, permitindo-lhes ganhar dinheiro e gerar capitais para investigação, inovação e investimento em novos negócios enquanto ainda gera impostos que permitem ao Estado, melhor ou pior, garantir a subsidiariedade social e o exercício das suas funções próprias.

Publicado no diário de Coimbra em 8 de Fevereiro de 2010

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