segunda-feira, 5 de julho de 2010

MORREU O SR. SWATCH


Uma das frases mais escritas nestes tempos de dificuldades que parecem nunca mais ter fim é que “as crises representam também oportunidades”.
Na realidade é mesmo verdade que as crises trazem oportunidades dentro de si. O que é preciso é génio para detectar essas oportunidades, agarrá-las como deve ser e transformar em ouro brilhante o que parecia chumbo. A grande questão é que os mesmos dirigentes políticos que cometeram tantos disparates por essa Europa fora nos últimos anos, dificilmente serão capazes de detectar as tais oportunidades por estarem demasiado dentro dos problemas, quando não são eles próprios o problema.
Na semana passada morreu um desses génios: Nicolas Hayek. A indústria relojoeira suíça foi sempre um dos símbolos de realização técnica e de organização daquele país. Recorda-se que, apesar de não dispor de recursos naturais, a Suíça esteve sempre na vanguarda da qualidade dos seus produtos. Todos os materiais componentes dos relógios são importados pela Suíça. O mesmo sucede aliás, com o cacau com que os suíços produzem algum do melhor chocolate do mundo.
A evolução tecnológica dos anos sessenta e setenta do século passado parecia ter ditado o fim anunciado de toda a indústria relojoeira suíça. De facto, os novos relógios movidos a quartzo, bem mais baratos que os mecânicos suíços e proporcionando uma maior precisão, constituíam uma ameaça mortal para toda uma indústria histórica que parecia ultrapassada pela evolução tecnológica e comercial.

A situação da indústria relojoeira tornou-se nessa altura verdadeiramente aflitiva, com dívidas gigantescas, o que em 1980 levou um grupo de bancos suíços a contratar um consultor financeiro com formação científica profunda nas áreas da física e da matemática, com o objectivo de tentar salvar o que fosse possível daquela indústria. Em boa hora o fizeram. Nicolas Hayek pegou nas armas da ameaça e usou-as para salvar a indústria tradicional. Inventou o SWATCH, cujo nome aponta logo para relógio suíço, um relógio de quartzo tecnologicamente evoluído, com uma construção optimizada com menos cinquenta peças que os outros o que permite um preço mais favorável e, acima de tudo, com uma caixa de plástico colorido que permite todas as variações de design. Com uma campanha de marketing extremamente bem montada, colocou o mundo inteiro a comprar colecções sucessivas desses relógios baratos e bonitos, que se transformaram em objectos de culto, ultrapassando a simples funcionalidade de dar as horas. Os relógios vindos do Japão transformaram-se de repente nuns objectos feios, nada apelativos e, ainda por cima, mais caros que os Swatch.
Até hoje venderam-se mais de 500 milhões de relógios Swatch. Este gigantesco sucesso comercial serviu de locomotiva a toda a indústria relojoeira suíça, que recuperou da agonia em que se encontrava. O grupo Swatch possui hoje marcas como a Omega, a Blancpain, a Breguet, a a Glashütte e a Jacket Droz, mas também a Longines, a Tissot e a Hamilton entre outras.
Todo o resto da indústria relojoeira suíça beneficiou, fabricando e vendendo peças de enorme valor acrescentado por todo o mundo. Como entretanto já muita gente percebeu que a precisão dos relógios de quartzo é absolutamente irrelevante para o nosso dia-a-dia e que quando a pilha acaba são objectos sem qualquer utilidade, abriu-se todo um mundo de novas oportunidades para a tradicional indústria relojoeira suiça.
Nestes tempos conturbados em que vivemos, este é um sucesso a ter em conta, porque mostra que com imaginação, trabalho e profundo conhecimento da área, se podem transformar as armas do “inimigo” em vantagens próprias, permitindo sair por cima de situações que antes pareciam becos sem saída.


Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 5 de Julho de 2010

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