segunda-feira, 11 de outubro de 2010

PREFERIR ORIGINAIS


Nos últimos tempos surgiram em Portugal notícias sobre a descoberta de fraudes de pinturas de pintores conhecidos cujas obras atingem elevados valores no mercado. Embora seja relativamente frequente, a falsificação de quadros não deixa de ser surpreendente. Os compradores são normalmente pessoas com grande poder económico e supostamente com suficientes conhecimentos técnicos que lhes deveriam permitir evitar serem enganados de forma por vezes grosseira. Mas o desejo de possuir originais valiosos é tão grande que cega muitas vezes.
Já noutra forma de arte, a música, os originais são as obras tocadas ao vivo. De facto, as gravações, ainda que ouvidas com os melhores aparelhos reprodutores de som não passam disso mesmo: reproduções de originais. As obras musicais tocadas ao vivo nunca se repetem em absoluto, pelo que esses espectáculos são sempre uma experiência nova. Isto é válido para diversos tipos de música. Há poucos dias tivemos o exemplo da vinda dos U2 a Coimbra. Todas aquelas dezenas de milhares de pessoas que se deslocaram a Coimbra para os ouvir e ver ao vivo têm as gravações das suas músicas em casa, nos carros e nos aparelhos de MP3. Mas o entusiasmo pelo original é tão grande que motivou aquela festa gigantesca. Acresce que a música dos U2, sendo em si mesma algo limitada em termos harmónicos e melodiosos como toda a música rock e pop, é acompanhada nos concertos por toda uma parafernália tecnológica que entusiasma vivamente os assistentes, o que é impossível de suceder na audição da música gravada.
Os apreciadores de Jazz, cuja característica principal é o improviso, sabem bem que ouvir um CD nunca substituirá uma sessão ao vivo. Os festivais de Jazz atraem sempre milhares de fans em todo o mundo que não perdem a oportunidade de ir ouvir presencialmente os seus músicos preferidos e sentir toda a emoção da música a ser construída à sua frente.
Na chamada música clássica passa-se algo semelhante. Não há dois maestros que interpretem a mesma obra de maneira rigorosamente igual. Para além das partituras permitirem sempre alguma margem de interpretação, a sensibilidade pessoal dos maestros, a sonoridade própria das diferentes orquestras e as diferentes combinações de programas permitem obter sensações diferentes de cada vez que se vai a um concerto, que se torna assim uma experiência irrepetível. O hábito de ouvir gravações, possibilidade tecnológica que tem evoluído de forma impressionante, veio alterar os comportamentos dos públicos dos concertos de música clássica, nem sempre para melhor. À audição dos diferentes andamentos segue-se agora um silêncio quase litúrgico, mesmo em peças que literalmente pedem aplausos nessas alturas. Mas hoje em dia batem-se palmas de maneira muito circunspecta apenas no final das peças, olhando-se mesmo de lado para os assistentes que, entusiasmados pela música que ouviram nos diversos andamentos, são automaticamente levados a aplaudir os músicos que, esses sim, ficam bem satisfeitos quando percebem que o público gostou mesmo do que ouviu.
Outra originalidade bem curiosa, mas na realidade sem graça nenhuma, passou-se no último “dia mundial da música”, entre nós. Segundo uma notícia deste mesmo jornal de 2 de Outubro último, “nas principais comemorações do dia Mundial da Música no distrito de Coimbra que decorreram ontem, no mosteiro de Lorvão, não houve música”. Pelo resto da notícia, percebe-se que houve mais uma promessa de reabilitação futura do órgão de tubos daquele Mosteiro. Não está mal. Bem podem esforçar-se os elementos da Orquestra Clássica do Centro a fazer chegar a música de qualidade a todo o lado e a toda a gente, que as comemorações oficiais do Dia Mundial da Música se fazem “a dar música”, como se costuma dizer: mais uma originalidade dos nossos tempos e da nossa região.

Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 11 de Outubro de 2010

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