segunda-feira, 7 de fevereiro de 2011

Dois metros em frente, um metro atrás

As cidades são hoje muito mais que meros territórios onde muitas pessoas vivem de um modo gregário. Proporcionam o acesso a serviços especializados públicos e privados dentro de uma proximidade aceitável, permitem uma vivência cultural variada e de qualidade e, pela sua natureza, conseguem muitas vezes uma complementaridade única de trabalho e lazer que se traduz em conforto e de nível de vida elevados. Por estas, e outras razões menos positivas ligadas a uma deficiente estratégia de desenvolvimento territorial, as cidades têm-se constituído em pólos de atracção populacional com tanto mais força, quanto maior é a sua atractividade. Por outro lado, a partir de certo ponto do seu crescimento, as cidades desenvolvem laços íntimos com os outros centros populacionais existentes na sua proximidade, isto é, inicia-se um processo de metropolização.

Surgem nessa altura novos problemas que só de uma forma coordenada se conseguem resolver de forma minimamente eficiente, o que na maior parte das vezes se vai desenvolvendo de forma natural. É assim que os sistemas de abastecimento de água deixam de ser fechados, abastecendo municípios vizinhos, que as escolas vão absorvendo populações escolares de concelhos vizinhos, etc.

Uma das consequências mais dramáticas da metropolização é o surgimento de elevado número de deslocações pendulares no interior da mancha territorial cujo centro é a Cidade. Em Coimbra, por exemplo, o número de pessoas que diariamente saem para outros concelhos ou entram vindos dessas mesmas origens é superior a 40.000. Daí resulta a utilização de transportes públicos urbanos por milhares de pessoas não residentes na Cidade, mas que todos os dias a ela se deslocam por motivos laborais, de ensino, de acesso a serviços de saúde, administrativos, judiciais, etc. Esses serviços são normalmente deficitários, pelo que são as autarquias dessas cidades que suportam os prejuízos à custa, portanto, dos seus munícipes. Surge ainda a necessidade de coordenar as diversas formas de transporte público, criando eficiências que permitam aos cidadãos optar pelo transporte público em vez do seu automóvel.

É por isso mesmo que a coordenação dos transportes a um nível superior se torna necessária, surgindo as Autoridades Metropolitanas de Transportes com as funções de organizar, financiar e fiscalizar os diversos transportes públicos.

Os últimos desenvolvimentos da “questão” Metro Mondego trouxeram à baila a hipótese de transformação da Metro Mondego SA em entidade coordenadora dos transportes públicos.

A necessidade da Autoridade Metropolitana de Transportes é hoje evidente. Mas o futuro Metro ligeiro de superfície, tão importante para Coimbra como para os concelhos vizinhos, será um dos vectores do sistema metropolitano de transportes, ao lado da CP, dos SMTUC e empresas rodoviárias privadas que aqui exercem a sua actividade. Vê-se mal que um dos actores de transportes públicos da área metropolitana venha a ser o gestor do sistema.

Mantenhamos a esperança de que toda esta questão do Metro Mondego se venha a revelar como um retomar do fôlego do projecto e que não se lhe aplique a velha máxima de Lenine de “um passo em frente, dois passos atrás”. Mas algo tenho como certo: podemos partir do princípio de que a CP nunca explorará um sistema urbano de transporte ferroviário em Coimbra, ainda que a infra-estrutura seja construída pela REFER.

Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 7 de Fevereiro de 2011

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