segunda-feira, 14 de fevereiro de 2011

Uma Catedral, dois templos

Coimbra deverá ser a única cidade do mundo com duas Sés: Sé Velha e Sé Nova. Com a nota curiosa de que a Sé Nova é assim conhecida desde 1772, o que diz bem da riqueza da História da nossa Cidade.
Na sequência da expulsão dos Jesuítas pelo Marquês de Pombal em 1759, o antigo Colégio da Companhia de Jesus foi integrado na Universidade e a sua Igreja do Santo Nome de Jesus, cuja construção tinha sido iniciada em 1598, foi abandonada. Obedecendo a ordens do Marquês, foi decidido que a antiga igreja jesuíta passaria a ser a Sé de Coimbra, dadas as suas excepcionais condições para o culto. E foi assim que no dia 21 de Outubro de 1772 se procedeu à trasladação solene do Santíssimo Sacramento da Sé Velha para a Sé Nova.

Foi a vez de a Catedral de Santa Maria de Coimbra (Sé Velha) sofrer de abandono durante muito tempo.

A construção da Sé Velha terá tido início por volta de 1146, por decisão do nosso primeiro Rei D. Afonso Henriques, após a batalha de Ourique. Os trabalhos de construção terão ficado concluídos com as obras do claustro já no reinado de D. Afonso II no início do séc. XIII, mas D. Sancho I foi lá coroado em 1185. No mesmo local terão existido outros templos ao longo dos séculos, nomeadamente um visigótico.

Apesar da retirada do seu mobiliário e restantes alfaias que foram transferidas para a Sé Nova, a Sé Velha manteve alguns tesouros, nomeadamente os de pedra que não podiam ser transferidos e o seu magnífico retábulo-mor de Olivier de Gand que se mantém no seu local original sem ter sido removido há quinhentos anos, facto único em toda a Península Ibérica. Lá estão ainda os túmulos de D. Sesnando, de D. Vataça Lascaris que acompanhou D. Isabel de Aragão quando veio para Portugal a fim de se casar com D. Dinis e do bispo Bernudos, sucessor de Miguel Salomão, entre outros.

Lá está a “Porta Especiosa” de João de Ruão, bem como a capela do Santíssimo Sacramento, espantosa e única narrativa em pedra do Concílio de Trento cuja autoria, depois de alguma polémica, é hoje também atribuída a João de Ruão.

Desde 1772 que se mantém esta estranha situação de desconsideração pela antiga Sé de Coimbra, um dos templos românicos mais bem preservados entre nós e verdadeira jóia arquitectónica, artística e cultural de Coimbra. Nas últimas dezenas de anos, o seu Pároco, Monsenhor João Evangelista desenvolveu um esforço abnegado e esforçadíssimo contra muitos, entre os quais se encontram infelizmente antigos dignitários da Igreja, no sentido de se reconhecer a importância cultural e religiosa da Catedral de Santa Maria de Coimbra.

É com a maior satisfação que se constata que, finalmente, esse esforço é coroado de algum êxito. Por um lado, a Sé Velha foi incluída no projecto “Rota das Catedrais” portuguesas, o que permite o acesso a verbas que permitirão a recuperação de partes degradadas do monumento e que significa o reconhecimento da sua importância cultural pelo Estado Português. Por outro lado, o clero de Coimbra vai realizar em breve um encontro na Sé Velha, celebrando uma união oficial entre a Sé Nova e a Sé Velha como uma unidade cristã, o que nunca antes foi possível. Saúda-se este facto e cumprimenta-se o Monsenhor João Evangelista por nunca ter desistido de lutar pela “sua” Catedral, jóia maior de Coimbra que, sem a sua persistência, jazeria certamente como mais um conjunto de pedras mortas abandonado à simples passagem de turistas.

Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 14 de Fevereiro de 2011

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