segunda-feira, 14 de março de 2011

O MAR (JÁ) NÃO É PORTUGUÊS


“Ó mar salgado, quanto do teu sal
São lágrimas de Portugal!”

Fernando Pessoa perpetuou na sua “Mensagem” o mito do mar português de forma magnífica. Mas, se muito do mar já foi português, isso pertence a um passado cada vez mais longínquo. Nas últimas dezenas de anos esfumou-se a nossa marinha mercante e com ela as escolas de marinhagem. Quase se eliminou a frota de pescas e, embora continuemos a ser o povo que mais peixe come na Europa, isso deve-se a um bom hábito alimentar que resiste, já que a maior parte do peixe fresco que consumimos hoje em dia é importado. Os nossos estaleiros navais vegetam com poucas encomendas, embora os estaleiros de reparação comecem agora a recuperar, mas bem longe da relevância mundial que tiveram até aos anos setenta do século passado. Para um país que tem uma relação comprimento de costa sobre a sua área tão esmagadora e com o historial náutico que tem, é apenas ridícula a fraca actividade ligada aos desportos náuticos.

No dia da tomada de posse para o seu segundo mandato, o Presidente da República entendeu por bem reafirmar o seu compromisso com o Mar, destacando a importância da chamada Agenda do Mar.

Claro que o teor do discurso de tomada de posse e as reacções que originou atraíram a atenção dos media e a Agenda do Mar passou mais uma vez relativamente despercebida. Mas não devia. A recuperação económica do país é a única verdadeira saída para os nossos problemas, incluindo o desemprego. O resto são paliativos para uma situação grave de dívida externa e de défice de contas públicas.

E, de facto, a economia do mar tem uma potencialidade gigantesca para ajudar o país a recuperar da letargia económica. O saudoso Ernâni Lopes lutou durante anos para que os responsáveis políticos acordassem para o riquíssimo conjunto de actividades económicas relacionadas com o mar, a que sugestivamente chamava “hipercluster do mar”. Portugal continental tem uma extensão de costa com mais de 900 km. A zona económica exclusiva portuguesa tem mais de 1.700.000 km2, sendo a terceira maior da União Europeia. Podemos mesmo considerar que o abandono a que os nossos sucessivos responsáveis têm votado este sector é apenas criminoso. As áreas da Defesa e Segurança – Marinha de Guerra, Transportes Marítimos Europeus, Portos e Investigação e Desenvolvimento constituem, no seu conjunto, um sector gigantesco que deve ser tratado de forma integrada numa perspectiva de crescimento económico sustentado e de grande futuro. Não podemos é continuar a comprar submarinos em vez de patrulhas oceânicos em quantidade, nem ter costa marítima vigiada com radares móveis e binóculos. Nem gastar fortunas em brincadeiras grotescas como a cobra produtora de electricidade das ondas. Nem fechar linhas férreas, cruciais para a circulação de mercadorias trasfegadas nos portos.

O crescimento económico do país não pode passar pelo esquecimento de todo este potencial, que ainda por cima entronca no passado mais brilhante que tivemos. A visão política estratégica é crucial para que a nossa economia recupere e venha a proporcionar aos portugueses níveis de vida comparáveis aos da Europa do Norte como todos desejamos.

Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 14 de Março de 2011

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