segunda-feira, 2 de maio de 2011

O PANO DE FUNDO


Enquanto assistimos a todas as danças e contradanças da vida política pré-eleitoral e às idas e vindas da troika que vai definir a nossa vida dos próximos anos, há condicionantes sociais que passam ao lado da atenção de quase todos nós, quando são cruciais para o nosso futuro colectivo.

A Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE) divulgou na semana passada o relatório “Doing Better for Families”, que é ainda mais demolidor para Portugal que todos os relatórios e análises económicas que nos últimos tempos nos têm assolado.

Por aquele relatório, ficámos a saber que Portugal é hoje o segundo país da OCDE com a taxa de natalidade mais baixa, apenas acima da Coreia. A taxa média de fertilidade dos países da OCDE é de 1,74, nos países europeus é de 1,6 e em Portugal o valor é de 1,32. Para se ter uma ideia do significado destes valores, a taxa da natalidade em Portugal era de 2,2 em 1980, em linha com a média da OCDE, nessa altura. Note-se, para termo de comparação, que a Holanda, a Bélgica, a Dinamarca, a Finlândia, a Suécia, o Reino Unido e a França têm todos valores superiores a 1,8, enquanto a Irlanda está bem acima dos 2,1.

Em consequência desta evolução, assiste-se hoje à situação de, em cada 100 lares portugueses, existirem apenas 5 com três ou mais crianças, 10 com dois filhos, 25 com um filho e, pior que tudo, 60 com nenhum filho.

Deve-se recordar que, entre nós, para se assegurar a substituição das gerações, o valor da taxa de fertilidade deve ser de 2,1 filhos por mulher em idade adulta.

Perante estes valores não são necessárias grandes análises para se perceber que este é certamente o maior problema de Portugal, a médio e longo prazo.

Como se vê pelos números indicados, este problema não é exclusivo de Portugal. No entanto, na última década metade dos países da OCDE conseguiu travar a queda das taxas de natalidade, enquanto entre nós elas continuaram em queda livre.

Com este pano de fundo, todas as políticas do chamado “estado social” caem pela base. Se não há uma renovação geracional, o nosso futuro é sermos um país de velhos, sem jovens para pagar os custos sociais que isso acarreta. Basta lembrar o aumento dos custos em reformas e em cuidados de saúde que isso implica para se perceber que o nosso actual caminho é pura e simplesmente insustentável.

Aqueles países que conseguiram inverter o caminho para o deserto geracional adoptaram políticas agressivas e consistentes de apoio à maternidade e às crianças. Entre nós, parece que toda a gente se atropela para conseguir o contrário, desde a dificuldade de entrada de jovens no mercado de trabalho, ao castigo às mulheres trabalhadoras que engravidam, à falta de apoio às jovens mães e crianças, ao sinal contrário do apoio efectivo ao aborto etc. etc. Quem anda sempre com o “estado social” na boca que vá aos países nórdicos e veja a enorme quantidade de jovens mães sorridentes com crianças nas ruas e parques públicos, ao contrário de cá.

Este é de facto maior problema de Portugal, que só se resolverá a médio longo prazo, mas que tem de ser encarado de frente já, ou será tarde.

Publicado originalmente no Diário de Coimbra de 2 de Maio de 2011

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