segunda-feira, 20 de junho de 2011

CULTURA (do desperdício)

Imagine o leitor que o presidente da câmara de uma cidade qualquer sem clube de futebol na primeira divisão decidia que, por um ano, iria constituir um clube de primeira categoria capaz de ganhar todos os jogos. Para tal, iria ao mercado contratar jogadores para jogarem e ganharem tudo durante esse ano e apenas esse, escolhendo para isso os melhores. Imagine ainda que esse presidente não era extravagante por lhe ter saído o euromilhões. Muito simplesmente tinha convencido as autoridades nacionais de que era um desígnio da sua terra assim conseguindo dinheiros nacionais e dos fundos comunitários para pagar o seu sonho. Disparate, dirá o leitor. E com toda a razão, concordo eu. Ninguém se lembraria de tal coisa. Pois é, mas o que até no futebol é não é imaginável, já o é na cultura.
No fim-de-semana passado, a imprensa trouxe um anúncio gigantesco a publicitar a abertura de um concurso de escolha de músicos para a constituição de uma orquestra sinfónica em Guimarães, por um ano. Espero que o leitor esteja sentado. O anúncio pedia mesmo candidaturas para 72 músicos dos diversos instrumentos para constituírem uma orquestra sinfónica com a duração de um ano, entre Dezembro de 2011 e Dezembro de 2012, que assegurará a execução da programação de música clássica de Guimarães Capital Europeia da Cultura. Bem à portuguesa, capital da cultura, do disparate e do desperdício, claro está.
A despesa associada à constituição desta orquestra por um ano será sempre acima de um milhão e meio de euros. A questão nem está em gastar esta verba em música clássica numa capital europeia da cultura. A questão está em deitar o dinheiro fora, ao constituir uma orquestra sinfónica que se desmobilizará um ano depois. Para não ir mais longe, no Norte do país há duas orquestras sinfónicas apoiadas pelo Ministério da Cultura, a Orquestra do Norte em Amarante e a Orquestra Sinfónica do Porto Casa da Música com capacidade mais que suficiente para assegurar qualquer programa. Aqui em Coimbra há uma orquestra clássica profissional, tal como em Aveiro existe uma orquestra de câmara permanente, que poderiam sós ou em conjunto responder a parte do Programa da Capital Europeia da Cultura 2012. Todas estas formações vivem, pagam aos seus músicos e maestros e têm necessidade e vontade de fazer concertos, durante todo o ano. A contratação dos serviços dessas formações sairia incomensuravelmente mais barata do que aquela verba que a capital europeia da cultura de Guimarães vai gastar e que só servirá para alimentar o ego dos programadores deixados à solta. Parece mesmo um vício nacional, que até cá em Coimbra já foi tentado: constituir orquestras para eventos pontuais, (como festivais de música ou capitais nacionais ou europeias) que não deixam rasto da sua efémera existência. É assim tão difícil investir na continuidade e na estabilidade das instituições já existentes e firmadas, em vez de fazer festas?
Nem parece que Portugal tem que cumprir um delicado e penoso programa de redução de despesas públicas negociado com a EU e o FMI. Para além dos elevadíssimos vencimentos e benefícios dos gestores da Capital Europeia, ainda temos que arcar com os custos das suas extravagâncias. Vício de país rico: vamos fazer uns concertos espectaculares, logo constituímos uma orquestra sinfónica para isso; Nada de contratar orquestras que fazem isso mesmo todo o ano, há anos, não senhor. Há quem pague, vamos em frente. E quem paga, caro leitor? O leitor com os seus impostos. E não aceite quando lhe disserem que são dinheiros do QREN; se esses dinheiros vão para aí, não vão para outro lado onde seriam necessários, por exemplo apoiar instituições culturais permanentes e não foguetório .
Um novo Governo está aí. Que haja coragem e capacidade para pegar também nestas questões é o que se espera. Basta de dinheiro mal gasto.

Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 20 de Junho de 2011

1 comentário:

LUIS FERNANDES disse...

Meu caro, concordo inteiramente com o seu ponto de vista. Este novo Governo, a bem do bem gerir a coisa pública, terá que pôr cobro a este e muitos outros desperdícios, que só acontecem, na maioria de vezes, para gratificar clientelas oportunistas. Os exemplos são demasiados para apontar. Nem um lençol chega.
Abraço.