segunda-feira, 15 de agosto de 2011

ESTA NÃO É UMA "SILLY SEASON"

 

A barbárie à solta pelas ruas de Londres e outras cidades inglesas não foi o único acontecimento digno de nota dos últimos dias. Infelizmente, acrescento eu.

Na realidade, algo está a mudar neste nosso mundo ocidental, com uma rapidez e uma profundidade ainda impossível de conhecer.

A economia ocidental continua num autêntico caos, sendo evidente o desnorte dos mercados financeiros e dos responsáveis políticos aos diversos níveis. As bolsas europeias e americanas mostraram durante toda a semana passada uma volatilidade e uma falta de consistência verdadeiramente assustadoras. Apesar das garantias do tipo bushiano apresentadas por Obama, segundo o qual a economia americana foi, é e sempre será "triplo A", a verdade é que, pela primeira vez na História, uma das agências de notação baixou a cotação da dívida americana.

O risco de incumprimento das dívidas italiana e espanhola agravou-se, havendo um medo generalizado de que o Euro, tal como está, poderá não resistir muitos mais meses; sente-se no ar que esse medo está no limiar de se tornar em pânico colectivo. A banca francesa está sob vigilância com uma grande queda das suas acções, temendo-se pela situação financeira de um dos maiores bancos franceses. Soube-se que a economia francesa estagnou também no primeiro semestre.

Enquanto tudo isto acontece, os líderes da Alemanha e da França vão telefonando entre si e aos restantes líderes europeus e combinam almoços para tentar resolver os problemas da Europa e, sei lá, do mundo. Da União, poucas notícias, a não ser que o BCE lá comprou mais dívida portuguesa e irlandesa para acalmar os mercados, como se fosse esse o papel de um Banco Central. Da Comissão apenas se ouve, sempre e eternamente, que as restrições orçamentais são para cumprir a qualquer custo, sendo evidente o estiolamento das economias reais; haja alguém que conte a Barroso e afins a história que por cá se conhece como do burro espanhol, sem ofensa para os nossos irmãos ibéricos: o coitado do animal acabou por morrer quando estava quase a aprender a viver sem comer.

Entretanto, a Espanha, a França, a Itália e a Bélgica decidiram proibir temporariamente a venda de acções a descoberto, tentando cortar o caminho aos especuladores que lucram com as desvalorizações; tentativas inglórias, porque desgarradas, de fazer frente a problemas de desregulação financeira da globalização.

É. De facto os acontecimentos ocorridos em Inglaterra são outro sinal de uma doença global. Mal vai quem despreza as suas causas e apenas vê a necessidade de reprimir com força aqueles comportamentos quase inacreditáveis, pela selvajaria colectiva que demonstram. Assim como não tem lugar aqui a análise sociológica habitual que acaba por ser desculpabilizante, ao considerar aqueles indivíduos como vítimas de uma sociedade que os oprime, supostamente "jovens de classes desfavorecidas residentes em bairros sociais" provavelmente até pertencentes a minorias étnicas. Nada de mais errado, porque já é possível caracterizar demograficamente, com alguma precisão, quem participou naquele vandalismo desenfreado, à medida que vão sendo identificados e levados perante a justiça. E a verdade é que fogem a todos os estereótipos adoptados, sendo na sua maioria gente vulgar que aproveita o anonimato da multidão para ir buscar os objectos que o consumismo os levou a desejar. Anthony Burgess, na sua "Laranja Mecânica" levada brilhantemente ao cinema por Kubrick, previu bem até onde poderia chegar a violência dos gangues urbanos, falhando apenas na sua dimensão.

Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 15 de  Agosto de 2011

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