segunda-feira, 29 de agosto de 2011

REFÉNS DA FINANÇA

A crise que se abateu no mundo ocidental e que começou como financeira alastrando rapidamente para a o resto de economia está aí para durar e para trazer ainda mais sacrifícios. Quando caiu o Lehman Brothers, os apoios à restante banca foram gigantescos, com os Estados a assumir os chamados "activos tóxicos". Os responsáveis directos pelos problemas foram assim salvos, tendo passado os anos seguintes a ver se escapavam à chuva, estando hoje novamente a tratar livremente dos investimentos globalizados. Lembro-me bem de, no pico da crise em 2008, todos os responsáveis assinalarem que deviam ser desenvolvidos novos meios de controlo dos fluxos financeiros internacionais, de regulação da actividade bancária de investimento, etc para evitar futuras crises semelhantes. Dizia-se que se deveriam encontrar novos mecanismos internacionais para prevenir, à semelhança do sucedido na sequência da Grande Depressão e da tragédia da II Grande Guerra, quando em Bretton Woods se constituiram o Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional. O que é facto é que não se viu nada, a não ser os apoios estatais à banca que assim se livrou de problemas e reequilibrou os seus balanços com o dinheiro de impostos. Entretanto, a crise transferiu-se para o resto da economia, até porque esta se viu sem o dinheiro que foi para os bancos e lá ficou. Os líderes dos grandes países, que não querem perder o seu estilo de vida nem os mercados que lhes garantem o consumo do que produzem andam numa aflição, impondo regras austeras aos países que não foram capazes de conter despesas, endividando-se brutalmente e deixando crescer os seus défices orçamentais a níveis insustentáveis (no que têm grandes culpas no cartório).
A Europa parece actualmente uma barata tonta. Os responsáveis políticos europeus conseguiram inventar o pior dos mundos. Por um lado, instituíram uma moeda única e um Banco Central Europeu. Por outro lado, deixaram os países com as suas próprias execuções orçamentais e acesso próprio aos mercados para financiamento das suas dívidas, sem disporem de instrumentos de política monetária própria. Tudo isto sem montar uma única instituição comunitária de controlo político das finanças públicas. Puseram-nos completamente à mercê dos especuladores internacionais. Claro que as famosas agências de notação internacionais ajudam a dar cabo disto tudo, já que trabalham com procedimentos automáticos que os sistemas informáticos hoje permitem e não estão imunes, longe disso, à tentação de elas próprias se meterem em negócios escuros de contratos que permitem grandes ganhos ilícitos. As instituições europeias a tudo isto dizem quase nada; até porque o próprio e celebrado "Tratado de Lisboa" proíbe a utilização de meios que possam fazer frente aos ataques especulativos, em nome da tão celebrada livre concorrência.

Com tudo isto, o Euro está pelas ruas da amargura como seria de esperar? Nada disso, continua forte e sereno perante o dólar, como se nada se passasse. De facto, o problema é mesmo político. O almoço recente entre Angela Merkel e Sarkozy, a que se seguiram declarações pífias sobre um celebrado "governo económico europeu" a ser presidido por Van Rompuy (o leitor conhece de algum lado?) e que reuniria duas vezes por ano, foi bem a imagem do desnorte dos líderes europeus.

Os líderes políticos têm que por na ordem a indústria financeira sem complexos, porque há coisas mais importantes que os mercados e a livre concorrência; caso contrário não se augura nada de bom para o nosso futuro, até porque hoje em dia o dinheiro é a base do funcionamento da economia mundial, tal como o ar é essencial para respirarmos.




Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 29 de Agosto de 2011

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