segunda-feira, 10 de outubro de 2011

CAVALOS DE TRÓIA



1. A cultura clássica é abundante em histórias e mitos que explicam a acção dos homens. Mostram-nos claramente que, apesar dos progressos tecnológicos dos últimos anos e da evolução das regras sociais, há uma permanência espantosa nos sentimentos e até nos procedimentos de cada um de nós.
Amores desencontrados, raptos, ciúmes e defesas de honra violentas levaram à guerra de Tróia que durou dez anos por volta de 1.200 anos antes de Cristo. Homero descreveu os anos finais da Guerra de Tróia na sua Ilíada e aí ficamos a saber das extremas dificuldades sentidas pelos Gregos em tomar Tróia por eles cercada durante dez anos. Já depois do seu chefe Aquiles ter morrido, os Gregos resolveram adoptar um plano traiçoeiro imaginado por Odisseu para finalmente ocuparem Tróia.
Assim, como Virgílio descreve detalhadamente na sua Eneida, desmontaram os acampamentos do cerco, fingindo desistência dos intentos de tomada de Tróia e deixando junto das muralhas da cidade um enorme cavalo de madeira que haviam construído. Ignorando os avisos de Laocoonte, sacerdote de Apolo, os Troianos levaram o cavalo de madeira para dentro das muralhas, tendo passado toda a noite a celebrar a retirada dos gregos. Foi então que de dentro do cavalo oco de madeira saíram alguns soldados Gregos que abriram as portas das muralhas, permitindo a entrada dos seus exércitos que assim finalmente ocuparam Tróia, permitindo o regresso da rainha Helena a Esparta.
Mito ou realidade, o "Cavalo de Tróia" ficou para sempre como o símbolo da esperteza sobre a força e da derrota da ingenuidade e da crença nas aparências.
2. No dia 1 de Outubro celebrou-se novamente o Dia Mundial da Música em Coimbra. Claro que a Orquestra Clássica do Centro residente em Coimbra, não podia deixar de celebrar esse dia, tendo realizado um concerto que incluiu a difícil Sinfonia do Novo Mundo de Dvorak, em que os jovens músicos da Orquestra Juvenil do Centro também participaram, tendo oportunidade de mostrar as suas capacidades. Casa cheia e público a aplaudir entusiasmadíssimo. Mas, no mesmo dia e à mesma hora, houve outro concerto comemorativo do Dia Mundial da Música no Teatro Académico de Gil Vicente. Neste concerto actuou a Osquestra Filarmonia das Beiras, que tem sede em Aveiro e veio à nossa cidade comemorar esse dia. Foi assim que, nessa noite, Coimbra teve o privilégio de ter dois grandes concertos, o que é coisa rara, mas mostra que Coimbra tem público para toda essa oferta. Deve-se certamente agradecer a quem, mesmo retirando a Aveiro a hipótese de celebrar a Música no dia próprio estabelecido pela UNESCO em 1975, transformou nessa noite Coimbra na capital da música em Portugal
3. O leitor que pacientemente me leu até este ponto deverá estar a perguntar a si próprio se o autor destes "vistos de dentro" mudou de estilo e aderiu às mais ligeiras crónicas de diversos pontos, em vez da abordagem de uma única matéria. Devo dizer que, embora possa parecer o contrário, tal não é verdade tendo esta crónica apenas um assunto. Como conimbricense e em liberdade, faço votos que na nossa Cidade Laocoonte não se sentisse só e recordo que a partir de Coimbra Adriano cantou para todo o país as palavras de Alegre: "há sempre alguém que resiste, há sempre alguém que diz não".

Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 10 Outubro 2011

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