segunda-feira, 28 de novembro de 2011

E.U.

Agora que o furacão das dificuldades de colocação de dívida pública se aproxima do centro da Europa, chegou a altura de se discutir a E.U. (Europa Unida) em vez da U.E. (União Europeia).
A desunião da União Europeia teve o seu epílogo na última reunião do G20 que decorreu entre dez e doze deste mês e que na realidade foi do G19 (20-1). Na verdade, ao contrário do que deveria suceder, a UE não esteve representada ao lado da Alemanha, da França, do Reino Unido, da Itália e dos restantes países que constituem aquele fórum. Foi com grande espanto que o resto do mundo assistiu ao triste espectáculo dos representantes da Alemanha e da França a anularem a representação da EU e mostrarem ali à frente de todos que a Europa está completamente desunida e à mercê de Merkel e Sarkozy na definição das respostas à crise da dívida pública dos países europeus e do futuro da economia.
Depois daquele G19, não passou nem uma semana até que na Grécia e em Itália os governos tivessem sido substituídos por tecnocratas, sem realização de eleições. Claro que a democracia foi formalmente respeitada, dado que aqueles países se viram de tal forma encostados à parede pela dupla que governa a U.E., que os parlamentos respectivos trataram de rapidamente encontrar soluções constitucionalmente aceites mas adequadas aos objectivos. Ajudou que o ex-primeiro Ministro Grego Papandreou tenha feito aquela rábula grotesca da ameaça do referendo sobre a ajuda à Grécia. E o facto de em Itália estar um Berlusconi à frente do Governo também terá facilitado as coisas. Não se pode dizer em verdade que a Democracia tenha sido suspensa em Itália e na Grécia. Mas foi claramente torpedeada e abriu-se um precedente grave: não há dúvidas de que a soberania daqueles dois países, curiosamente berço das duas civilizações que estão na base da Europa, ficou claramente afectada, face às imposições de quem manda na EU.
Os problemas da colocação de dívida pública começaram por países com graves deficiências internas, embora diferentes entre si: Irlanda, Grécia, Portugal e agora Espanha e Itália. Para qualquer um deles as taxas de colocação de dívida pública subiram a valores que tornaram a situação insustentável; alguns foram já obrigados a pedir ajuda externa para se financiarem temporariamente fora dos mercados, o que tem a contrapartida de facturas pesadíssimas para as economias dos países e, essencialmente, para os respectivos cidadãos. Mas todos estes países fazem parte de uma união económica e monetária, tendo o Euro como moeda comum. Têm moeda comum, mas não têm políticas económicas comuns, nem fiscalidades comuns, nem dívida comum. Tudo foi andando na santa paz da inconsciência enquanto a economia mundial funcionou bem, anulando as ineficiências económicas nacionais. Após o furacão financeiro de 2008, as finanças dos países ficaram destapadas e à mercê dos mercados que, com a globalização e falta de controlo e regulação de fluxos financeiros, permitiram grandes lucros instantâneos à custa da exploração das fragilidades nas dívidas públicas nacionais.
O problema, que era até há pouco apenas dos países incumpridores, foi entretanto crescendo e evoluindo para o centro da EU, chegando agora a França e à própria Alemanha, como o atestam as dificuldades actuais de colocação de dívida pública alemã e as previsões de descida de rating da França. Não alinho com aqueles que dizem ser Merkel a continuadora de Hitler nos seus propósitos de conquistar a Europa, agora por via da economia e já não pelas armas. Mas que a Alemanha e a França têm que abandonar as posições de suposta auto-protecção que têm tido e devem urgentemente conciliar os seus interesses com os da restante União Europeia para a construção da Europa Unida, isso também me parece evidente. Aliás, agora são os próprios mercados que já o dizem alto e bom som a Merkel e Sarkozy, o que significa que resta muito pouco tempo para defender o Euro.

Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 28 de Novembro de 2011

segunda-feira, 21 de novembro de 2011

MULHER, hoje

Infelizmente acontece com raridade, mas por vezes temos a oportunidade feliz de observar a prestação pública de mulheres, na política e não só, que demonstram a capacidade de se assumir como pessoas por inteiro, não apenas como mulheres, mas não deixando de ser inteiramente mulheres. Ao longo das últimas décadas poucas mulheres se afirmaram politicamente ao mais alto nível entre nós, sendo de realçar Maria de Lurdes Pintasilgo, Leonor Beleza, Helena Roseta e Natália Correia. Num mundo claramente masculino, qualquer uma delas teve que manifestar uma capacidade e personalidade muito acima da média para vingar, ao contrário da esmagadora maioria dos homens que surgiam a seu lado.
A alteração do papel das mulheres é, claramente, uma das mais marcantes e substanciais mudanças sociais surgidas na segunda metade do século XX. É hoje óbvio que o surgimento e disseminação de métodos anti-concepcionais, principalmente a pílula, libertou a mulher ocidental, dando-lhe acesso generalizado a um mundo antes exclusivo dos homens. A possibilidade de determinar a sua maternidade, escolhendo quando e como ser mãe, abriu toda uma nova forma de encarar o mundo, com mais liberdade e responsabilidade, também.
Com o objectivo de, mais cedo ou mais tarde, se conseguir uma paridade que dê às mulheres um papel político mais equilibrado e consentâneo com a sua representatividade numérica na sociedade, temos desde 2006 uma lei que obriga a que as listas partidárias nas diversas eleições incluam pelo menos um terço de mulheres. Se, por um lado, a existência das quotas abre uma janela de oportunidade a mulheres que de outra forma teriam dificuldade em aceder a uma actividade relevante e de gestão do bem comum como é a política, por outro lado trouxe aos partidos mais uma dificuldade acrescida de gestão dos seus quadros. A verdade é que o nº de mulheres que participam nas actividades do dia-a-dia dos partidos é claramente inferior à quota definida por lei. Significa isto que, aquando da elaboração das listas os partidos vão procurar mulheres para preencher as quotas, tendo uns convites certamente razões válidas e positivas e outros menos; as quotas são muitas vezes preenchidas com mulheres de valia pessoal e capazes na sua vida profissional, mas não tendo frequentemente qualquer ideia nem projecto político para os cargos que vão exercer, nem experiência política ou de gestão. Assiste-se depois, frequentemente, a um penoso exercício de funções públicas sem qualquer estratégia política, às mãos de burocratas, que desbarata completamente a possibilidade de construção de um futuro melhor. Nos últimos anos assistimos a demasiados casos destes, aos mais diversos níveis, mesmo ministeriais onde as quotas nem têm que ser cumpridas. Pelo contrário, fora da política, muitas mulheres se destacam pela sua valia pessoal e pelos sucessos que obtêm através de um esforço, tantas vezes titânico, porque aliam profissão e família. Tanto nas áreas empresariais, como na cultura, ensino e muitas outras, vemos mulheres a ultrapassar dificuldades, a mostrar como de pouco se faz muito, tantas vezes com um sorriso no rosto, mal se adivinhando as dificuldades que por lá vão. E, para estas mulheres não há quotas, que os políticos legislam muitas vezes a pensar só no seu pequeno e reservado mundo.
A Lei da Paridade, inteiramente justa nos seus propósitos, já tem uma duração suficiente para que seja sujeita a uma avaliação. De facto, só por ingenuidade ou boa-vontade perversa se pode dizer que está a conseguir os seus objectivos. As mulheres que se afirmam por si sem necessidade de apoios artificiais, merecem-no e a sociedade deve exigir que o bem comum seja tratado por quem é mais capaz, não interessando se é homem ou mulher. Há muitas mulheres verdadeiramente excepcionais que mostram a todos como se trabalha, quer profissionalmente, quer para o bem comum. Só que a essas os partidos não fazem normalmente convites, certamente com medo da sua capacidade.

Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 21 de Novembro de 2011

segunda-feira, 7 de novembro de 2011

As Beiras: a nossa Região


Sem que eu mesmo tenha contribuído em nada para isso, a vida fez de mim um beirão. Ainda mais que um conimbricense que também sou assumidamente, embora não tenha nada de "coimbrinha", como se costuma dizer. Sou, portanto, um beirão assumido.

Nascido em Poiares, crescido em Oliveira do Hospital, com raízes na Sertã e na Covilhã, terras magníficas onde cimentei amizades até hoje, aportei um dia em Coimbra para acabar o Liceu no D. João III e nunca mais daqui saí, embora tenha navegado pelos actuais mares portugueses da Madeira e dos Açores e trabalhado em outras terras como o Porto e a Figueira da Foz.

Por tudo isto considero ter da nossa região uma visão algo particular, mesmo privilegiada. Conhecendo e tendo grande afectividade pelo interior de boa parte da região Centro, tenho dela também uma visão de fora com uma característica: não é uma visão lisboeta, tão comum a quem vai daqui para Lisboa. Porque é assim, a Região Centro, em conjunto ou pelas diversas visões sectoriais tem sido um dos assuntos mais constantes destas minhas crónicas.

Como é evidente em muitas áreas e a diversos níveis, começando pela própria União Europeia, também na região Centro se verifica hoje uma notória falta de liderança. Aliás, corrijo: há falta de liderança, desde há muito tempo, infelizmente.

Os últimos governos foram retirando poderes e competências às Comissões de Coordenação e Desenvolvimento Regional que se foram transformando em simples estruturas descentralizadas do poder central, isto é, de Lisboa. Por outro lado, foi cristalizando uma ideia peregrina segundo a qual a Região Centro, ao contrário das outras que têm uma capitalidade bem definida, deverá ser polinucleada. Isto significa apenas uma coisa: Lisboa determina que Coimbra não pode ser capital de nada, e sim apenas mais uma das cidades da Região sem nada que a distinga particularmente, embora isto seja um absurdo óbvio. Mas a ideia vingou de tal forma, que serviu para se irem retirando serviços regionais de cá, distribuindo-os pelas outras cidades da região, deslocalizações essas com custos bem elevados, sem que nunca fossem demonstrados os benefícios.

Sublinho novamente: isto acontece porque a região Centro não tem liderança. Não a tendo, a responsabilidade é de Coimbra e dos seus dirigentes políticos. Coimbra deverá tirar-se das suas tamanquinhas como costuma dizer-se, e assumir o seu papel na Região, com naturalidade e sem se impor às outras cidades; antes pelo contrário, chamando-as e acertando estratégias regionais comuns, sejam quais forem os critérios regionalistas impostos por Lisboa. Na verdade, com as raras e honrosas excepções que confirmam a regra, os nossos líderes políticos não têm tido a vontade, o engenho ou a simples força anímica para colocar Coimbra na situação que lhe deveria competir na Região Centro, para bem de toda a região. A Região Centro ou se afirma de uma forma clara e capaz, ou desaparecerá no meio das duas áreas metropolitanas que a esmagam cada vez mais.

Estamos num tempo de charneira, que poderá colocar o próprio Regime em causa. Quem tem responsabilidades políticas que abandone decisivamente os maus hábitos ancestrais da cidade e se liberte das peias dos grupos e grupinhos de interesses que apenas lutam por arranjar colocação para os seus apaniguados, independentemente de qualidades e capacidades. O tempo actual deverá servir para cerrar fileiras e definir estratégias a longo prazo, o que só se fará com quem for capaz para tal.

Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 7 de Novembro de 2011