segunda-feira, 23 de janeiro de 2012

NAUFRÁGIO

O “Princess of the Stars” afundou-se nas Filipinas durante uma forte tempestade. Mais de 800 pessoas morreram, das quais mais de quinhentas nunca foram encontradas. Uma tragédia gigantesca. Também nas Filipinas, afundou-se o “Dona Paz”, após uma colisão com outro navio: as consequências foram dantescas, tendo morrido mais de 4.300 pessoas.
Para mais informação ao leitor, adianto que o naufrágio do “Princess of the Stars” ocorreu em 21 de junho de 2008 e que o do “Dona Paz” foi em 20 de dezembro de 1987. Nenhum deles foi assim há tanto tempo, pois não? Pois devo estar muito perto da verdade, se disser que nenhum dos leitores se lembra destes naufrágios.
Mas tenho a certeza que o leitor conhece muitos pormenores do naufrágio do Titanic que aconteceu há bem mais tempo, em abril de 1912. Mesmo antes do filme que há alguns anos foi dedicado a este naufrágio, já este acidente fazia parte do nosso imaginário. Seja porque era uma viagem inaugural em que o navio ia cheio de milionários e porque antes da viagem foi dito que nem Deus seria capaz de afundar o navio, seja ainda pelo desprezo arrogante das condições meteorológicas locais, o afundamento do Titanic origina memórias vivas em todos nós, como se o tivéssemos testemunhado de verdade.
E o leitor sabe de tudo acerca do naufrágio do “Costa Concordia” que aconteceu há uma semana perto da costa da Toscânia em Itália, em que o número de mortos e desaparecidos é inferior a trinta. Sabe o nome do Comandante que parece ter sido um dos primeiros a abandonar o navio. Até já viu em detalhe a derrota do navio e a rota que lhe tinha sido traçada e que deveria ter seguido, o que não aconteceu porque o comandante terá resolvido fazer um desvio até junto de terra para saudar uns locais. Também não terá perdido as declarações de uma rapariga moldava de 25 anos que jantou nessa com o comandante e até se diz que seria convidada pessoal dele. O leitor teve ainda oportunidade de ver imagens terríveis dos passageiros a abandonar o navio adornado e mesmo já deitado de lado sobre o fundo do mar, numa posição a que os “marujos” como eu designam por “fez da quilha, portaló”. Quer o Titanic, quer este “Costa Concordia” levavam principalmente passageiros oriundos de países europeus. A Europa gosta muito de olhar para o seu umbigo, o que nos leva a ignorar desastres gigantescos que se passam lá longe e em que não há vítimas europeias, enquanto qualquer desastre dentro de portas levanta ondas de indignação e ataques ridículos a pessoas e instituições que infelizmente quase transformam esses desastres em cenas de revistas cor-de-rosa. Apenas mais um sintoma da mentalidade superficial e arrogante dos europeus que, lenta mas inexoravelmente, está a tornar a afundar Europa numa irrelevância a nível mundial, e não apenas economicamente, bem à maneira dos passageiros que dançam enquanto o navio vai ao fundo.

Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 23 de Janeiro de 2012

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