segunda-feira, 12 de março de 2012

Autarcas em mudança



As próximas eleições autárquicas verão ser aplicada, pela primeira vez, a chamada Lei da limitação de mandatos dos presidentes de câmara municipal e de junta de freguesia, que entrou em vigor em 1 de Janeiro de 2006.
Não é novidade para ninguém que o Direito, ao estabelecer normas de sociedade, limita frequentemente as liberdades individuais em nome da própria sociedade, incluindo a organização democrática do Estado.
Esta Lei n.º 46/2005 de 29 de Agosto veio limitar pelo menos duas liberdades: a individual do autarca que se vê impedido de concorrer de novo e a colectiva dos eleitores que não poderão voltar a escolher o presidente que já elegeram tantas vezes. A justificação da existência da lei tem, portanto, a ver com um bem que se considera superior àquelas liberdades. Aquela lei previne a possibilidade, tida muito real e com grande possibilidade de acontecer, de a manutenção de um autarca nas suas funções durante muito tempo poder dar origem a fenómenos considerados perniciosos para a sociedade e mesmo para a própria Democracia, como sejam ligações económicas indevidas, caciquismo, etc.
É evidente que nem todos os autarcas que se mantêm muito tempo nas suas funções são permeáveis ao surgimento daquele tipo de problemas, muito longe disso. Nem sequer se fala em corrupção, que tem muito mais a ver com a ética pessoal de cada um do que com o exercício de determinadas funções e muito menos com o intervalo de tempo em que são exercidas. Mas que os há, há, ou não teria surgido a necessidade daquela lei.
Parece assim pacífico que o que está em causa é o exercício de determinadas funções por determinada pessoa, durante um período determinado de tempo considerado excessivo, como acontece aliás como o cargo de presidente da República, desde sempre com limitação de mandatos.
Entretanto, dado que o texto da Lei tem ambiguidades e fragilidades óbvias, o sistema político prepara-se para encontrar “soluções” para os presidentes de câmara e presidentes de junta de freguesia abrangidos e que não querem dedicar-se a outras tarefas. Encontrou-se um argumentário legal inatacável, embora a lei nunca se refira a autarquias em concreto, antes falando em funções e mandatos. Assim, nada impede que um presidente de câmara que tenha terminado o limite legal de mandatos venha a concorrer às mesmas funções noutro município, por exemplo, vizinho. Alguém de bom senso e um mínimo conhecimento da realidade pode pensar que um autarca que abusou das suas competências ou se habituou a determinadas práticas continuadas consideradas “inconvenientes” não vai fazer exactamente o mesmo noutro município?
Esta lei nem nunca deveria ser necessária, pela limitação às liberdades que referi acima. Teoricamente, todos os actos criticáveis ou mesmo condenáveis criminalmente devem ser tratados como tal individualmente, sem fazer cair suspeições sobre todos os que exercem determinadas funções. Mas já que o Estado assume assim a sua incapacidade de aplicar a lei onde ela deve ser aplicada em concreto, então que o faça de forma aberta e legítima, sem criar ainda mais problemas. Claro que, desde a entrada em vigor da lei há mais de cinco anos, se sabia que esta situação iria acontecer. Mas ninguém aproveitou para corrigir o erro legislativo durante todo este tempo. “Et pour cause…”
Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 12 de Março de 2012

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