segunda-feira, 23 de abril de 2012

TRÊS DÊS ou apenas LIBERDADE


 Para grande parte dos portugueses, que já nasceram ou cresceram depois de 1974, a data de 25 de Abril pouco mais será do que um feriado que sabe bem e que até nem está incluído na lista dos feriados a abater.
É hoje possível ter uma ideia mais verdadeira sobre tudo o que se passou nessa época, através dos livros da autoria de pessoas das mais diversas opções ideológicas. É certo que foi a duração da Guerra Colonial que já durava há 13 anos que esteve na origem do derrube do Regime pelo Movimento dos Capitães. Saber se o motivo imediato foi ou não uma questão corporativa dos militares de carreira será hoje uma questão supérflua. O que é evidente é que o regime caiu sem que tivesse quem o defendesse.
O programa apresentado pelos militares do 25 de Abril assentava nos famosos “3 dês”: democratização, descolonização e desenvolvimento, não necessariamente por esta ordem.
A descolonização foi feita de imediato, mal feita, atabalhoada, confundindo-se com uma fuga descontrolada, sem cuidar quer dos portugueses que lá estavam, quer de organizar um período de transição para reorganização dos novos países com um mínimo de preocupações de futuro, o que teve consequências trágicas que perduraram durante décadas.
O desenvolvimento era olhado como o aproximar das condições de vida da “Europa”, como se dizia, porque de facto não nos sentíamos verdadeiramente como fazendo parte desse mundo. Foi assim que surgiram os planos de erradicação de barracas, a construção de infra-estruturas básicas por todo o país, o ensino generalizado e a garantia de prestação de cuidados de saúde para todos. Os nossos índices foram-se paulatinamente aproximando dos níveis europeus e o nível de vida cresceu. Claro que houve asneiras e disparates, com deslumbramentos provocados quer a nível particular, quer a nível dos decisores políticos, o que foi particularmente evidente nos últimos quinze anos estando todos agora a pagar por isso. Mas, mesmo atendendo à actual crise, Portugal não tem hoje nada a ver com o que era em 1974.
A democratização do país foi conseguida de forma lenta, após as revisões constitucionais que eliminaram a tutela militar sobre o regime. As eleições dos primeiros anos foram uma festa, tendo surgido partidos para todos os gostos, sendo evidente o agrado e mesmo entusiasmo com que os portugueses se entregaram de forma generalizada às actividades políticas, através da participação em comícios, sessões de esclarecimento e actos eleitorais. Desde o início os portugueses desmentiram quem dizia que não estavam preparados para a Democracia: basta lembrar os resultados anedóticos de campanhas oportunistas como a dos militares esquerdistas que a certa altura apelaram ao voto em branco, como sendo um voto no MFA.
Há instabilidade? Claro que sim, já que democracia é mesmo isso; estáveis são as ditaduras, enquanto duram. Democracia imperfeita? Certamente que sim, mas é o único regime que se pode reformar por dentro e constrói-se todos os dias. Vemos hoje que ao longo dos anos muitas áreas de decisão foram sendo paulatinamente ocupadas por grupos de interesses; o nosso Estado é frágil e não se defende, com prejuízo evidente dos mais desfavorecidos. Os próprios partidos foram-se fechando e distanciando dos cidadãos; propondo pessoas com critérios muitas vezes obscuros e mesmo nepotismo, sucedendo isto em todos os partidos, sem excepção.
É precisamente em momentos de maiores dificuldades como aquele dos dias de hoje que se torna necessária uma Cidadania activa que lute por aquilo que é essencial, não pondo de lado as necessárias e naturais clivagens ideológicas. Alguém que muito prezo e admiro costuma dizer que “em vez de conflituosos como tantas vezes somos, precisamos de ser conflituantes”. Numa altura em que a economia, que é tudo menos uma ciência mas em que muitos acreditam piamente parece ter substituído as opções políticas, é cada vez mais necessário sermos exigentes com quem nos governa aos mais diversos níveis, não aceitando verdades absolutas, porque a História não acabou. É o futuro dos nossos filhos e dos seus filhos que o exige.
Termino lembrando que apesar de todos os maus tratos que foi sofrendo, há no entanto um valor associado ao 25 de Abril que mantém toda a importância e mesmo urgência, que se sobrepõe a todos os dês: a Liberdade.
Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 23 de Abril de 2012

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