segunda-feira, 25 de junho de 2012

PODER E AUTORIDADE


Portugal encontra-se hoje numa daquelas situações atípicas que nunca deveriam suceder, mas a que somos periodicamente sujeitos, normalmente devido a disparates financeiros cometidos por governantes que não pesam os seus desejos com as capacidades do país. E, como a História o demonstra, estas situações trazem normalmente grandes perigos no seu interior.
Em tempos de crise grave como a que atravessamos, só se encontram verdadeiras saídas em democracia, se o poder constituído aos diversos níveis da governação do país detiver autoridade que seja reconhecida pela maioria dos cidadãos.
Há cem anos, Max Weber definiu poder como a possibilidade de alguém obrigar outro a cumprir a sua própria vontade, mesmo que com resistência, enquanto a autoridade será a habilidade de levar as pessoas a fazerem de livre vontade a sua própria vontade, apenas pela sua influência pessoal.
O conceito de autoridade vem dos tempos da República Romana, a chamada “auctoritas” que de certa forma media o prestígio e a influência dos senadores romanos, junto dos seus concidadãos. Essa autoridade era conquistada de diversas formas, incluindo os feitos militares ou a maneira como essas pessoas tinham servido a República em posições proeminentes. Para existir, essa autoridade tinha que ser reconhecida pelos outros.
Entre nós é comum queixarmo-nos de “falta de autoridade”, ao mesmo tempo que se nota um profundo desrespeito pelos responsáveis políticos em geral que, na minha opinião, tem razões muito mais profundas do que a crise que atravessamos:
Quando antigos responsáveis políticos de grande projecção são encontrados em situações ilegais e a Justiça demora eternidades a aplicar o devido castigo; quando os partidos mantêm em cargos de responsabilidade pessoas que perderam o respeito dos cidadãos ficando em consequência sem autoridade; quando os partidos escolhem para listas pessoas por critérios obscuros, deixando de lado outras com provas mais que dadas; quando para cargos de gestão de responsabilidade o critério é o amiguismo em vez do currículo pessoal; quando numa altura em que toda a gente é chamada a sacrifícios pesadíssimos, entidades do Estado mantêm todas as prerrogativas e mesmo privilégios e benefícios financeiros insuportáveis; quando entre as funções de Estado e as grandes empresas há um corredor aberto em permanência entre aquele e estas, é a autoridade de todo um Estado que se esboroa, sem apelo nem agravo.
Todos conhecemos exemplos de pessoas que, sem deterem qualquer poder político ou material demonstraram uma grande capacidade de mudar as circunstâncias em que surgiram. A sua capacidade de liderança e exemplo atribuíram-lhes uma autoridade reconhecida pelos outros, a tal “auctoritas” dos romanos.
Estas são pessoas raras. Infelizmente, muito mais frequentes são aquelas que de uma forma ou doutra, muitas vezes sem saber bem como, adquiriram algum poder sem possuírem qualquer autoridade. E usam esse poder para impor as suas vontades ou os seus gostos e mesmo para se vingarem de quem não gostam, por esta ou aquela razão, mas normalmente por simples inveja, aquela última palavra que Camões usou para fechar os Lusíadas.
Na realidade, abuso de poder pode ser cometido por acção, tal como está fixado na Lei, mas também por inacção ou mesmo impedimento de acção. Mas demonstra sempre falta de autoridade, quando não falta de princípios. E destruir o que os outros fazem ou fizeram é sempre muito fácil quando se tem algum poder público e não se percebe que esse poder vem do povo, pelo que se está ministro ou seja o que for e não se é esse mesmo cargo.
Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 25 de Junho de 2012

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