segunda-feira, 30 de abril de 2012

Amanhecer


Uma cidade não pode ser bipolar


Coimbra tem a grande sorte de ter a Universidade com o seu nome. Mas não podemos deixar que esse seja também o seu azar.
Durante séculos, Coimbra confundiu-se com a sua escola de ensino universitário. A sua própria organização urbanística reflectia a extraordinária importância da Universidade. A construção da Rua da Sofia a partir de 1535 por ordem de D. João III teve como objectivo albergar os Colégios que deveriam constituir a Universidade finalmente devolvida a Coimbra. Ainda hoje a Rua da Sofia (ou da Sabedoria) impressiona pelas suas dimensões e grandiosidade dos edifícios, apesar do generalizado estado de abandono a que tem sido sujeita.
Mas em 1537 o Rei decidiu que a Universidade iria para a Alta, ficando a Rua da Sofia destinada a fins habitacionais e religiosos. Coimbra ficou assim estratificada: a Alta para os Doutores e a Baixa para os “Futricas”. Desde tempos muito anteriores que a Alta estava protegida no interior do castelo, enquanto a Baixa se foi construindo a partir dos edifícios encostados ao exterior das muralhas e à volta de Santa Cruz, com problemas de inundações e instabilidade crónica de terrenos acompanhando a subida das águas do rio devida ao assoreamento. Desde a Idade Média que a Baixa foi crescendo de forma orgânica, através do emaranhado de ruas estreitas de comércio que ainda hoje lhe dão um encanto especial.
Cidade de Doutores e Futricas, de facto. Esse carácter bipolar está hoje mitigado, mas tem ainda grande importância na sociedade conimbricense. De facto, mais facilmente os Doutores descem ao resto da Cidade, do que os Futricas sobem a colina da Universidade. A estátua da Varina (lindíssima) colocada recentemente no Quebra-Costas não perdeu ainda um certo aspecto invasor simbólico da necessária mudança dos tempos.
Nas últimas décadas a relação entre a Cidade e a Universidade alterou-se profundamente. A explosão escolar, também a nível de ensino superior, levou Universidades e Institutos Superiores a quase todas as cidades do país. Coimbra deixou de ser o destino dos filhos das elites nacionais para fazerem os seus estudos. A Universidade de Coimbra tremeu durante anos perante as novas ofertas, adaptando-se com muita dificuldade à modernidade, mas acabou por fazer por si como devia.
Hoje, é da Universidade que emanam as actividades económicas mais notórias de Coimbra, projectando o nome da Cidade pelo mundo inteiro, através da exportação de produtos e serviços ao mais alto nível tecnológico. São várias as áreas de investigação universitária que marcam o melhor de Portugal, desde a Saúde à Informática, à Biologia, à Química, à Telemática, etc. que promovem da melhor forma a economia regional e nacional.
Mas a Universidade ainda projecta uma sombra sobre a Cidade que urge limpar para que se possa enfim considerar que há uma perfeita integração da escola da velha Torre na Cidade que a acolhe, certamente com proveitos mútuos. A famosa “doutorice” que de forma tão negativa caracterizava a velha (e não só de idade) Universidade tarda em desaparecer. Ainda é possível ver a Cátedra ser usada como cartão-de-visita social. Historicamente, a “doutorice” tinha o seu reverso que era a subserviência “futrica” que levava o resto da Cidade a tratar por sr. dr. toda e qualquer pessoa que aparecesse vestida de um modo menos popular, o que felizmente, está quase desaparecido.
Claro que aquela arrogância já não é hoje em dia a regra na nossa Universidade, sendo provavelmente um resquício de outros tempos que, espera-se, virá a desaparecer. Mas que existe, existe e tem consequências na própria Cidade. As paredes da antiga muralha que separava a Alta da Baixa foram demolidas pelo Marquês de Pombal, aquando da sua Reforma da Universidade. Que os muros interiores, que se sabe serem por vezes bem mais difíceis de deitar abaixo, desapareçam também um dia destes, a bem do respeito pela Igualdade e da modernidade de Coimbra e da sua Universidade.

Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 30 de Abril de 2012

segunda-feira, 23 de abril de 2012

TRÊS DÊS ou apenas LIBERDADE


 Para grande parte dos portugueses, que já nasceram ou cresceram depois de 1974, a data de 25 de Abril pouco mais será do que um feriado que sabe bem e que até nem está incluído na lista dos feriados a abater.
É hoje possível ter uma ideia mais verdadeira sobre tudo o que se passou nessa época, através dos livros da autoria de pessoas das mais diversas opções ideológicas. É certo que foi a duração da Guerra Colonial que já durava há 13 anos que esteve na origem do derrube do Regime pelo Movimento dos Capitães. Saber se o motivo imediato foi ou não uma questão corporativa dos militares de carreira será hoje uma questão supérflua. O que é evidente é que o regime caiu sem que tivesse quem o defendesse.
O programa apresentado pelos militares do 25 de Abril assentava nos famosos “3 dês”: democratização, descolonização e desenvolvimento, não necessariamente por esta ordem.
A descolonização foi feita de imediato, mal feita, atabalhoada, confundindo-se com uma fuga descontrolada, sem cuidar quer dos portugueses que lá estavam, quer de organizar um período de transição para reorganização dos novos países com um mínimo de preocupações de futuro, o que teve consequências trágicas que perduraram durante décadas.
O desenvolvimento era olhado como o aproximar das condições de vida da “Europa”, como se dizia, porque de facto não nos sentíamos verdadeiramente como fazendo parte desse mundo. Foi assim que surgiram os planos de erradicação de barracas, a construção de infra-estruturas básicas por todo o país, o ensino generalizado e a garantia de prestação de cuidados de saúde para todos. Os nossos índices foram-se paulatinamente aproximando dos níveis europeus e o nível de vida cresceu. Claro que houve asneiras e disparates, com deslumbramentos provocados quer a nível particular, quer a nível dos decisores políticos, o que foi particularmente evidente nos últimos quinze anos estando todos agora a pagar por isso. Mas, mesmo atendendo à actual crise, Portugal não tem hoje nada a ver com o que era em 1974.
A democratização do país foi conseguida de forma lenta, após as revisões constitucionais que eliminaram a tutela militar sobre o regime. As eleições dos primeiros anos foram uma festa, tendo surgido partidos para todos os gostos, sendo evidente o agrado e mesmo entusiasmo com que os portugueses se entregaram de forma generalizada às actividades políticas, através da participação em comícios, sessões de esclarecimento e actos eleitorais. Desde o início os portugueses desmentiram quem dizia que não estavam preparados para a Democracia: basta lembrar os resultados anedóticos de campanhas oportunistas como a dos militares esquerdistas que a certa altura apelaram ao voto em branco, como sendo um voto no MFA.
Há instabilidade? Claro que sim, já que democracia é mesmo isso; estáveis são as ditaduras, enquanto duram. Democracia imperfeita? Certamente que sim, mas é o único regime que se pode reformar por dentro e constrói-se todos os dias. Vemos hoje que ao longo dos anos muitas áreas de decisão foram sendo paulatinamente ocupadas por grupos de interesses; o nosso Estado é frágil e não se defende, com prejuízo evidente dos mais desfavorecidos. Os próprios partidos foram-se fechando e distanciando dos cidadãos; propondo pessoas com critérios muitas vezes obscuros e mesmo nepotismo, sucedendo isto em todos os partidos, sem excepção.
É precisamente em momentos de maiores dificuldades como aquele dos dias de hoje que se torna necessária uma Cidadania activa que lute por aquilo que é essencial, não pondo de lado as necessárias e naturais clivagens ideológicas. Alguém que muito prezo e admiro costuma dizer que “em vez de conflituosos como tantas vezes somos, precisamos de ser conflituantes”. Numa altura em que a economia, que é tudo menos uma ciência mas em que muitos acreditam piamente parece ter substituído as opções políticas, é cada vez mais necessário sermos exigentes com quem nos governa aos mais diversos níveis, não aceitando verdades absolutas, porque a História não acabou. É o futuro dos nossos filhos e dos seus filhos que o exige.
Termino lembrando que apesar de todos os maus tratos que foi sofrendo, há no entanto um valor associado ao 25 de Abril que mantém toda a importância e mesmo urgência, que se sobrepõe a todos os dês: a Liberdade.
Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 23 de Abril de 2012

quinta-feira, 19 de abril de 2012

HOLOCAUSTO

Ontem foi o dia de memória do Holocausto. Aqui fica um expressivo cartaz sobre a barbárie e vergonha de toda a Humanidade.



segunda-feira, 16 de abril de 2012

Saint-Saëns Cello Concerto No.1 Rostropovich.avi

POLÍTICA E TÉCNICA



As decisões políticas, designadamente sobre investimentos públicos, devem ter uma base de informação técnica que garanta, não só uma boa escolha entre opções possíveis, mas também a adequação da resposta ao problema que se pretende solucionar, de uma forma que seja sustentável.
Claro que, quando os decisores políticos mandam fazer obras, boa parte da decisão teve como base promessas eleitorais ou mesmo a vontade voluntária dos próprios políticos. Dessa forma, quem quer que levante dúvidas ou coloque questões é muitas vezes rotulado de “velho do restelo”, “bota-abaixista” ou outros mimos do género. Os decisores têm genericamente uma grande dificuldade em lidar com pareceres técnicos não favoráveis aos investimentos, razão que explica a extinção de muitos organismos da Administração Pública, no que constitui um dos erros crassos da nossa Democracia, particularmente nos últimos vinte anos. O exemplo mais acabado (entre muitos outros) foi a extinção da antiga Junta Autónoma de Estradas, que foi substituída por vários institutos, deitando-se ao lixo num ápice um precioso conhecimento técnico acumulado durante muitos anos. Em vez de engenheiros conhecedores de construção de estradas nos seus diversos aspectos, passou-se a ter quase só juristas e economistas, todos jovens sem experiência. Os políticos conseguiram o seu objectivo de decidir sem escolhos de pareceres dos engenheiros, com consequências graves que estamos todos a pagar. É público e notório o descalabro em que consistiu a extinção da Direcção Geral de Viação substituída por uma qualquer Autoridade toda modernaça e incompetente, sem os técnicos antigos, mas com muitos jovens licenciados noutras áreas incapazes de assegurar o que antes lá se fazia. Conseguiu-se mesmo extinguir o Conselho Superior de Obras Públicas e a Direcção Geral de Edifícios e Monumentos Nacionais, que tantos e tão relevantes serviços prestaram ao país enquanto existiram e que tanta falta fazem. Criou-se uma legislação tão complicada e abstrusa nas áreas do Urbanismo e da Contratação de Empreitadas, sempre com a desculpa de combater a corrupção que, quer os organismos públicos, quer as próprias empresas se veem obrigados a investir de forma absurda em pareceres jurídicos para satisfação das grandes empresas de advogados, sendo os próprios gabinetes jurídicos muito maiores e mais importantes que os gabinetes de engenheiros.
É assim que as principais decisões sobre obras como escolas, pavilhões, museus, centros culturais, etc. ficam nas mãos de decisores com notória falta de preparação para tal e que frequentemente nem experiência de vida têm, sem disporem de apoio técnico capaz e seguro. Como defesa, tomam quase sempre a mesma opção ao encomendar os projectos dessas obras, principalmente as que são importantes pela sua dimensão e, portanto, emblemáticas do período em que estão no poder. Escolhem um dos arquitectos de renome do regime e entregam-lhes os projectos, muitas vezes sem terem sequer um programa bem definido. Convencem-se que o nome do arquitecto garantirá por si a qualidade do projecto, com a vantagem acrescida de calar os críticos que se vergam à fama do projectista. Supõem ainda esses decisores que parte da aura do projectista se transferirá assim para eles próprios, por associação. Pela posição reverencial do Dono de Obra perante o projectista perde-se assim toda a capacidade crítica do projecto e muitas vezes só durante a construção, isto é, tarde e a más horas, os decisores percebem as consequências da falta de controlo sobre os projectos de arquitectura. As consequências todos nós as vemos à nossa volta, percebendo-se bem o espanto de muitos estrangeiros de países bem mais ricos do que nós, quando se deparam com obras faraónicas caríssimas desfasadas por completo da nossa realidade, quando o dinheiro gasto poderia ter servido muito mais eficientemente para promover a economia real e a nossa competitividade.

segunda-feira, 9 de abril de 2012

TEMPO




A duração dos nossos dias é calculada em função da translação da Terra à volta do Sol, que demora 365,242199 dias a fazer-se.
O calendário gregoriano introduzido pelo papa Gregório XIII em 1582 veio substituir o calendário definido por Júlio César e Cleópatra que, por partir de uma duração do ano de 365,25 dias levava já no século XVI um erro de 10 dias inteiros. A adopção dos anos bissextos veio corrigir este erro.
Mas a astronomia é muito mais complicada. Na realidade, a precessão dos equinócios devida ao facto de a Terra girar em torno do seu eixo como um pião leva a que o ano sideral medido em relação às estrelas dure ainda mais 20 minutos e 24 segundos. Só este pormenor deita por terra toda a “capacidade científica” da Maya e demais astrólogos.
Mais interessante ainda é o facto de o dia definido em cima ser o “dia médio”, porque os dias não têm todos a mesma duração. Como a Terra, na sua rotação à volta do Sol, segue uma elipse imperfeita, a duração real dos dias varia entre 23 horas 44 minutos em 3 de Novembro e 24 horas e 14 minutos em 11 de Fevereiro, havendo quatro dias por ano com uma duração igual à duração média. A diferença entre estas duas durações chama-se “equação do tempo” e, pasme-se, existem relógios mecânicos capazes de resolver a equação do tempo no mostrador, como é o caso do Breguet aqui representado.

À MULHER DE CÉSAR…



As maiorias absolutas são necessárias para uma governação coerente dos países e Portugal não é excepção, existindo a alternância democrática para garantir o merecido castigo ou prémio dos governos. Mas a sua existência transmite um grau de exigência superior aos governantes e aos partidos que os suportam.
Não é preciso ir muito longe para encontrar as razões do que escrevo. O chamado “cavaquismo” correspondeu à primeira maioria absoluta de um partido em Portugal. Ainda hoje, tantos anos depois, existem casos de polícia e processos em tribunal com algumas das mais altas individualidades desse tempo, quer fossem governantes, que fossem altos responsáveis parlamentares, a provarem uma falta de qualidade pessoal que a todos nos espanta e revolta.
Do governo que foi substituído há menos de um ano persistem casos diversos, particularmente na área económica, mas não só que, ou me engano muito, ou vão ainda chocar muito boa gente nos próximos anos, mesmo entre muitos que ainda hoje manifestam uma grande admiração pela governação de José Sócrates.
Em qualquer um dos casos que apontei, foram notórios dois aspectos, que não têm a ver com as qualidades da governação em si, mas que tiveram grandes consequências políticas e sociais. Em primeiro lugar, um crescente distanciamento da realidade, que mais cedo ou mais tarde veio a ditar uma rejeição da sociedade, em particular do eleitorado. Em segundo lugar, uma evidente subserviência dos partidos aos governos que sustentam, que se traduz em incapacidade de crítica, em votações dignas de qualquer Bokassa e numa total submissão à vontade e opções de quem governa.
O último congresso do PS antes das eleições que ditaram o seu afastamento das responsabilidades governativas ficará para a História como o exemplo acabado do que acabo de dizer.
O recente congresso do PSD também fez por não desmerecer dessa tradição, com a agravante de ser o primeiro depois das eleições que o levaram ao governo. Depois de uma determinada votação, o presidente do partido foi à tribuna e explicou aos congressistas o “erro” que tinham acabado de cometer. Pois bem, o presidente da Mesa resolveu colocar o assunto de novo a votação, tendo o resultado sido o inverso do anterior. Toda a gente ficou mal na fotografia e é preciso dizê-lo alto e bom som, porque esse é o pior caminho que um partido de governo pode tomar e deve servir de sinal para que se possa arrepiar caminho e evitar o pior do passado. Relembro aqui que Sá Carneiro, num congresso realizado na década de setenta ainda antes da AD, se viu sozinho em toda a sala a não apoiar uma moção; só quando o viram sozinho a levantar a mão os congressistas caíram em si, tendo havido também a tentativa de realizar nova votação, o que Sá Carneiro não permitiu, em nome da dignidade do congresso e da sua mesa, dos congressistas e da própria democracia, se bem me lembro das suas palavras.
Como frequentemente escrevo nestas linhas, a História deveria ser nossa conselheira, se não para mostrar caminhos a seguir, pelo menos para ajudar a evitar aqueles que conduzem ao desastre anunciado. Por isso a memória, mesmo em política, ou sobretudo em política, é importante. E, se não avisamos os que apoiamos politicamente, calando o que deve ser dito, não cumprimos o nosso dever de cidadania e tornamo-nos coniventes com os erros que mais cedo ou mais tarde trazem sempre maus resultados.
Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 9 de Abril de 2012

segunda-feira, 2 de abril de 2012

REPRESENTAÇÃO POLÍTICA



Churchill dizia que o regime democrático é o pior que há, exceptuando todos os outros. O regime saído do 25 de Abril constitui a primeira experiência democrática portuguesa credível e, por isso mesmo com uma duração que já vai em 38 anos, o que é de registar. A própria participação numa União Europeia para a qual se transferiram várias competências, antes tidas como soberanas, terá muito a ver com esta duração.
No entanto, sente-se no ar que o nosso sistema democrático chegou a um ponto de algum cansaço que acompanha um crescente distanciamento dos representantes políticos relativamente aos cidadãos em geral. Claro que para isso muito contribui um clima de descrença que é consequência da presente situação económica e da certeza de que a actual geração jovem será a primeira a conhecer uma situação económica mais difícil do que aquela que os seus pais conheceram, o que gera a má sensação de “andar para trás”.
As críticas relativas ao próprio Regime são ainda ténues e oriundas de sectores localizados, que provavelmente criticarão sempre o regime de representação democrática, quer ele funcione bem, quer não. Quem ainda acha que o regime anterior era melhor que este, afirma que os problemas económicos que sentimos hoje são consequência do próprio regime; outros que participaram ao mais alto nível no 25 de Abril afirmam que afinal não serviu para nada e que é preciso outro…
Mas as críticas aos políticos, essas são constantes e generalizadas, começando até a ser difícil defender este ou aquele responsável político como sendo sério e honesto, porque se caiu na generalização do “são todos iguais e só querem é servir-se”. Posição injusta, porque, em primeiro lugar a política é a actividade mais digna que existe, desde que persiga o seu fim primeiro que é a realização do “bem comum” e porque, em segundo lugar, a maioria daqueles que se dedicam a ela o fazem com honestidade e vontade séria de melhorar as condições dos seus concidadãos. Claro que notícia é o “homem que morde o cão” e não o inverso, pelo que os jornais todos os dias nos trazem notícias de poucas vergonhas de políticos. E ainda bem que as trazem, já que existem; mal é que haja a sensação de que a Justiça não age nestes casos com a eficácia que se desejaria.
Um dos problemas graves do nosso sistema político é a separação entre eleitos e a população em geral. É certo que os deputados e autarcas são eleitos por todos nós, como deve ser em Democracia. Mas quem os escolhe previamente? Os partidos políticos porque não há democracia sem os partidos; no entanto, por diversas razões, os partidos estão hoje demasiado dependentes dos respectivos aparelhos, pelo que as escolhas dos candidatos são tudo menos transparentes, equivalendo a perfeitas nomeações feitas com critérios que demasiadas vezes escapam ao interesse público e à capacidade pessoal para o exercício daquelas funções específicas.
Esta é uma das razões principais do descrédito dos políticos e reformar este sistema devia ser a primeira prioridade política para quem quer o melhor para Portugal e para a Democracia.
Felizmente começa finalmente a discutir-se a possibilidade de os principais partidos escolherem os seus candidatos a Deputados e a Autarcas através de um processo de eleições primárias por sufrágio directo dos militantes e mesmo simpatizantes, no qual todo e qualquer militante se pode propor, acabando-se com as aprovações caricatas de braço no ar de listas completas propostas pelas comissões políticas. É essencial e urgente seguir este caminho, único que pode cortar com o “amiguismo” e com as “negociatas” de grupos de pressão que tantas vezes impõem candidatos sem qualidade e sem capacidade de se afirmarem por si próprios.
Claro que a escolha por este processo não garante que os eleitos serão sérios e competentes; mas uma coisa garante: a ligação dos representantes aos representados que não poderão virar as costas e dizer que não tem nada a ver com aqueles. Já não é pouco.


Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 2 de Abril de 2012