domingo, 28 de outubro de 2012

COIMBRA NO SEU MELHOR




Acompanhado por assistências numerosas e interessadas, o núcleo de Coimbra dos mais representativos cultores de guitarra portuguesa acompanhou de forma participada os diversos eventos integrados nos VI Encontros de Guitarra Portuguesa que decorreram durante toda a passada semana em Coimbra, promovidos e organizados pela Orquestra Clássica do Centro. Desde o notável Concerto de abertura com a OCC e o solista em guitarra portuguesa Artur Caldeira até ao Concerto de encerramento dedicado a Francisco Martins, com Paulo Vaz de Carvalho, David Lloyd, Bruno Costa e Eddy Jam entre outros, foi enorme a variedade de tipos de música e interpretações, tendo sempre presente a guitarra portuguesa designadamente na sua versão de Coimbra. Assistiram-se a momentos de enorme virtuosismo interpretativo que por vezes raiou mesmo a genialidade.
Nestes Encontros foi possível ouvir peças escritas propositadamente para guitarra e orquestra, incluindo uma peça inédita da autoria de Marina Pikoul, que transportam a guitarra portuguesa para o patamar de instrumento orquestral, para além da sua função mais clássica de acompanhamento de canções ou de participação em guitarradas. Será assim possível ouvir a guitarra portuguesa em todo o mundo, já que a existência de partituras permitirá a qualquer orquestra clássica incluir essas peças no seu repertório. Marina Pikoul que escreveu a lindíssima peça “Em Memória da Madrugada em Coimbra” é bem o exemplo de como, mesmo depois de uma carreira brilhante a nível de interpretação e composição, com prémios por todo o mundo a começar na sua própria terra, alguém sabe manter a humildade, sem se tentar impor a não ser pela qualidade do trabalho.
Os Encontros percorreram vários locais, desde o Pavilhão Centro de Portugal ao café Stª Cruz e ao Fado ao Centro no Quebra Costas. Foi assim que se chegou a diversos públicos, incluindo turistas e moradores da Baixa de Coimbra que, de forma entusiasmada aderiram aos espectáculos aí realizados.
Pelo meio, foi possível ver e participar numa acção inédita e altamente significativa pelo seu simbolismo. Duas tunas de estudantes, “As Mondeguinas” e a Tuna da Faculdade de Medicina dedicaram uma serenata a Francisco Martins, cultor da Guitarra de Coimbra e autor da famosa Canção da Primavera. Foi um momento de rara carga emotiva que demonstrou como a canção e a Guitarra de Coimbra têm ainda hoje um papel importante na vida dos estudantes da nossa Universidade, de como a juventude continua a ser generosa e solidária e de como há em Coimbra quem resista e honre os seus melhores.
De Bruxelas vieram dois músicos irmãos, Miguel e Philippe Raposo, que demonstraram como a guitarra portuguesa associada à clássica pode, partindo do repertório da música de Coimbra, atingir novas e surpreendentes sonoridades e emoções.
Nas próximas semanas Coimbra vai ter um conjunto de espectáculos musicais a que se dá o nome de Festival de Música de Coimbra. O único concerto orquestral previsto estará a cargo de uma orquestra constituída por alunos de uma escola profissional de Espinho. Em qualquer cidade com uma orquestra profissional residente, ainda por cima apoiada financeiramente pela Autarquia, a organização de um Festival de Música não deixaria de estar a cargo dessa entidade; em Coimbra, não só isso não acontece como, para o único concerto orquestral é chamada uma orquestra de uma escola. Não fora isto tudo apenas um pouco risível e apeteceria comentar Coimbra no seu pior; na realidade, trata-se apenas de algo para que a História se encarregará de encontrar rapidamente o seu lugar.

Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 29 de Outubro de 2012

segunda-feira, 22 de outubro de 2012

Enganos e Desenganos


“Estavas, linda Inês, posta em sossego
De teus anos colhendo doce fruito,
Naquele engano da alma ledo e cego,
Que a fortuna não deixa durar muito”
Camões

De enganos e desenganos está a História cheia. Alguns enganos atingem tanta gente e de uma forma tão profunda e duradoura que a descoberta da verdade é um choque dificilmente admitido.
Até há poucos dias, dificilmente se encontraria desportista mais admirado do que o ciclista norte-americano Lance Armstrong que na sua juventude venceu um cancro de forma dramática, tendo demonstrado uma força de vontade e resistências física e anímica impressionantes. Sendo um desportista de topo, decidiu abalançar-se à mais emblemática e difícil das provas de ciclismo a nível mundial: a Volta à França. São 21 etapas corridas em três semanas, somando 3.500 km de todo o tipo de percursos, incluindo subida e descida de montanhas impressionantes, como os Alpes e os Pirinéus. Venceram-na mais que uma vez figuras míticas como Jacques Anquetil, Eddy Merckx, Bernard Hinault ou Miguel Indurain. Pois Armstrong venceu a prova em 1999 e repetiu a proeza todos os anos até 2005: sete vitórias consecutivas, um feito nunca antes sequer sonhado que o colocou no topo do desporto mundial. Mas Lance Armstrong não se ficou por aqui tendo criado uma Fundação para apoiar pessoas atingidas pelo cancro, a Livestrong que, até hoje, já apoiou cerca de 2,5 milhões de pessoas. Armstrong tornou-se um mito global, um exemplo apontado à juventude em todo o mundo.
Nos últimos dias o mundo assistiu atónito ao desmoronar do mito Lance Armstrong. Descobriu-se que o ciclista participou num sofisticado esquema de doping durante mais de dez anos, que lhe permitiu obter aqueles extraordinários resultados. É um mundo inteiro que, perplexo, descobre que foi deliberadamente enganado e que as autoridades que controlam o doping também se mostraram incapazes de evitar a situação. Em consequência, foram-lhe retirados todos os títulos desportivos obtidos desde 1999 e foi proibido para sempre de voltar a participar em provas desportivas.
O engano é ainda maior porque Lance Armstrong sempre se assumiu como um atleta livre de drogas e apresentava os seus sucessos como um exemplo para os desportistas que querem ir mais longe e mais rápido apenas através do seu esforço e vontade de vencer.
Este enorme desengano coloca imensas questões e levanta as maiores dúvidas sobre os resultados desportivos dos atletas de alta competição e mesmo sobre tudo aquilo em que o desporto se tornou.
Por outro lado, os jovens perderam um referencial. Como explicar às crianças o sucedido, sem que lhes fique a sensação de que todo o mundo é um engano? Como fazer entender que não se deve enganar e mentir para obter resultados, seja nos estudos, seja no desporto, seja no trabalho? E como explicar que o problema não está em ser descoberto, mas em praticar o mal? E que o desporto é importante se entendido como uma forma salutar de manter a boa forma física através da competição e não um negócio?

Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 22 de Outubro de 2012

segunda-feira, 15 de outubro de 2012

Encontros em Coimbra (na Baixa)


Drogas legais


Quem passar à porta de umas lojas que têm surgido como cogumelos pelas nossas cidades, ficará certamente surpreendido com o elevado nº de jovens que saem delas depois de terem comprado produtos à primeira vista inócuos como “fertilizantes para plantas”, “incensos” “sais de banho” ou mesmo “chás”.
São as chamadas “smartshops” que estão a inundar as ruas com drogas sintéticas cujos efeitos são comparáveis às drogas proibidas já velhas conhecidas. Para além das designações enganadoras, os vendedores ainda se dão ao luxo de colocar avisos nas embalagens de que os produtos não são para consumo humano, que devem ser mantidos longe das crianças, etc.
Sem o imaginarem, aqueles compradores entram num labirinto de enganos e perigos que podem causar grandes danos à sua saúde de forma irreparável, ou mesmo a morte. O facto de as compras serem feitas em lojas abertas ao público tem duas consequências assinaláveis sobre o comportamento dos clientes: em primeiro lugar, oferece uma sensação de segurança impossível de ter quando se compram drogas proibidas em zonas inseguras e a fornecedores muitas vezes eles próprios assustadores; por outro lado, o simples facto de essas lojas estarem abertas convence os jovens de que os produtos não têm problemas porque se hoje em dia a sociedade tem tanta preocupação com a qualidade de tudo o que se vende, também neste caso isso se verificará.
Nada de mais errado: esta é uma segurança enganadora. As substâncias contidas naqueles saquinhos com figuras infantilizantes no exterior estão fora de qualquer controlo higio-sanitário. São drogas sintéticas fabricadas em laboratórios que depois as distribuem por toda a Europa. Aquelas embalagens de pó ou pastilhas podem conter até mais de duzentas substâncias, sem qualquer controlo de qualidade e ninguém consegue sequer saber com exactidão o que contêm. Se o comprador de heroína ou cocaína pode estabelecer um padrão de “qualidade do produto”, isso é absolutamente impossível para estas novas drogas legais. E os seus efeitos sobre os consumidores são frequentemente devastadores.
E a sua venda é legal, porquê? Porque os laboratórios que as produzem andam à frente da Lei nos diversos países enredados em burocracia. Quando o processo legal de um país, como por exemplo Portugal, coloca uma substância na lista dos produtos cuja venda é proibida, os laboratórios, mantendo o núcleo essencial da fórmula, logo efectuam pequenas alterações na estrutura molecular, do que resulta uma nova substância ainda não proibida; e por aí adiante.
O que mais impressiona nisto tudo, para além da hipocrisia generalizada de que se reveste, é a incapacidade ou mesmo falta de vontade dos responsáveis políticos e de saúde pública para, concertadamente, enfrentarem o problema. O que se vê é esconder e virar a cara, para além de desconhecimento generalizado. Nem sequer há estatísticas de mortes associadas a este problema, porque a medicina legal não faz testes de despistagem destas drogas. Os consumidores podem mesmo conduzir veículos à vontade, porque os testes de detecção de drogas não contemplam estes produtos.
Para além de avisar os jovens para os perigos a que se sujeitam ao consumirem estas “drogas legais”, é necessário alertar as autoridades responsáveis e exigir que tomem urgentemente uma posição séria perante este novo flagelo que a ganância de uns e a inércia de outros faz abater sobre a juventude.

segunda-feira, 8 de outubro de 2012

Coimbra e o Metro


Embora a generalidade dos políticos não goste de o reconhecer publicamente, desde Maquiavel que a política deixou de ser encarada numa perspectiva eminentemente moral, a favor da óptica científica e técnica.
O longo processo do chamado Metro Mondego tem merecido demasiadas posições públicas no domínio da moral, normalmente sob a capa da reivindicação da justiça para estes ou aqueles. A consequência está bem à vista de todos e, infelizmente, as razões apresentadas para as posições que ultimamente têm sido tornadas públicas continuam a fazer tábua rasa da análise fria e objectiva do projecto.
O metro ligeiro de superfície designado por Metro Mondego é uma ideia que se tem tentado passar à prática desde o início dos anos noventa do século passado. Duas razões nem sempre explicitadas levaram a que se tivesse constituído a sociedade Metro Mondego para levar a cabo o projecto. Em primeiro lugar, a Linha da Lousã em modo ferroviário clássico estava claramente em perigo de seguir o caminho de muitos ramais encerrados desde essa altura, dado o evidente desnível entre os custos de exploração e a procura. A integração da linha da Lousã num projecto que abrangesse também o percurso urbano dar-lhe-ia a sustentabilidade económica que impediria o seu encerramento. Por outro lado, a desistência do projecto do túnel ferroviário na zona da Portagem por causa do seu custo proibitivo, levou a Autarquia de Coimbra a defender a alteração da linha do comboio para metro de superfície, o que permitiria encarar uma nova utilização para a margem direita do Mondego, permitindo uma sã ligação da Cidade ao Rio.
A partir daí, os estudos urbanísticos da Cidade, designadamente no que respeita à Baixa e margem direita do Rio, passaram a ter a implantação do Metro como um dado adquirido. A ligação do Metro da margem do rio aos Hospitais garante a sustentabilidade económica de todo o sistema. Mas não só. Essa ligação é hoje crucial para o próprio funcionamento da cidade, que potenciará ainda o desenvolvimento económico de largas zonas da Cidade.
É comummente entendido que um dos principais óbices à recuperação da Baixa, nomeadamente no que respeita ao seu comércio tradicional, mas também ao regresso de moradores à zona, tem a ver com as acessibilidades. O metro irá permitir que os utentes da linha da Lousã, incluindo moradores da zona urbana atravessada, tenham acesso rápido e fácil a grande parte da cidade; mas também os conimbricenses passam a poder procurar o comércio e os serviços da Baixa com toda a rapidez e comodidade, sem a preocupação de procurar estacionamento para o carro. A principal reivindicação dos comerciantes da Baixa devia mesmo ser a construção imediata do Metro que lhes trará de volta os clientes hoje desviados para os centros comerciais, bem como moradores locais, tão importantes para segurança e para o movimento contínuo nas ruas e lojas.
A recuperação para a Cidade de toda a margem direita do Mondego entre o Parque Verde e a Ponte Açude só será viabilizada com a eliminação definitiva do canal destinado aos comboios e a sua substituição pelo metro de superfície.
Os municípios vizinhos que eram servidos pela Linha da Lousã têm tudo a ganhar se lutarem igualmente pelo metro ligeiro de superfície. A metropolização que já hoje em dia é um facto, embora de forma incipiente, poderia expandir-se e estruturar-se com vantagens óbvias para as populações; a exigência da reposição da Linha da Lousã com comboios como era antes é perniciosa para todos, por ir contra toda a lógica técnica e científica.
A actual situação, no que respeita ao Metro Mondego, é claramente esta: ou ganham todos, ou perdem todos. Meus caros concidadãos, coloquemos a razão ao serviço desta discussão, em vez de interesses imediatos ou ideias morais por mais justas ou importantes que pareçam de momento.



segunda-feira, 1 de outubro de 2012

O TITANIC nunca se afundou

Claro que esta história de dançar enquanto o navio se afunda só acontece nas historietas. O Titanic nunca se afundou e Portugal também não.
Dancemos, portanto.

A Finança em vez da Economia



O dinheiro tem uma história muito longa, desde que surgiu da necessidade de encontrar uma medida comum de valor para as trocas de mercadorias. Muito mais tarde a evolução da humanidade levou ao surgimento da empresa como peça central da economia, garantindo não só a produção das mercadorias necessárias a uma vida cada vez mais complexa, mas também o emprego a grande parte da população activa.
O dinheiro fazia parte deste sistema, através do financiamento das empresas e das próprias famílias, mas também pelo pagamento do trabalho. Para isso, era essencial o funcionamento do sistema financeiro, através da banca clássica ou de crédito. Ao lado, mas separada desta banca, existia também a chamada banca de investimento, trabalhando com níveis de risco mais elevados, e portanto com limites e controles bem definidos.
Nas últimas décadas temos, no entanto, assistido a alterações radicais desta situação. O surgimento da internet e o desenvolvimento das capacidades informáticas, associados à globalização, soltaram as movimentações financeiras das amarras que as seguravam e de alguma forma controlavam. O dinheiro passou a ser ele próprio apenas uma mercadoria. Mesmo o cidadão comum está perder o contacto com o dinheiro, com o uso crescente de cartões multibanco, os pagamentos de serviços por transferência automática etc.
A finança desenvolveu-se a níveis antes inacreditáveis, tomando conta da economia e mesmo substituindo-a em grande parte. A banca de investimento fundiu-se com a banca de crédito, inundando os habituais e seguros depósitos com os chamados “produtos derivados”. Os “fundos soberanos” agem por todo o mundo sem qualquer tipo de regulação. Os “hedge funds” com os seus “produtos estruturados” que, tendo provocado as bolhas imobiliárias por todo o lado se viraram agora para os produtos primários e mesmo alimentares, são movimentados de forma altamente especulativa, sem qualquer controlo.
O mercado de capitais, usando os meios disponibilizados pela informática, inclui hoje em dia a actividade de autênticos “robots” que, de forma automática, detectam toda e qualquer grande compra ou venda institucional logo no seu início, fazendo operações extremamente rentosas para os “broker” em milésimos de segundo. Mais de metade dessas transacções são anuladas no segundo seguinte.
A questão que se coloca é simples e imediata: o que fazem os governos e as entidades responsáveis pelas bolsas e bancos centrais para acabar ou limitar estas situações que estão a erodir o desenvolvimento económico do último século? Sem que se perceba a razão, não fazem nada ou quase nada. E no entanto, há coisas relativamente simples que poderiam limitar este estado de coisas. Se o fim dos “paraísos fiscais” parece muito difícil, já a introdução de uma taxa, ainda que pequena, sobre todas as transacções financeiras acabaria com a chamada finança de alta frequência. A separação entre a banca de crédito clássica e a banca de investimento traria segurança e lógica a toda a economia. A proibição imediata do “short selling” traria uma nova segurança ao mercado de capitais. É isto que devemos exigir já a quem governa aqui e na Europa.
O mundo está a mudar a uma velocidade estonteante, o que exige dos responsáveis políticos novos conhecimentos e capacidades bem como independência relativamente aos mentores deste estado de coisas. Sobretudo numa altura de crise profunda, têm que mostrar estar à altura dos acontecimentos e ser muito mais que gestores de memorandos com troikas que vão e vêm.

Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 1 de Outubro de 2012