segunda-feira, 21 de janeiro de 2013

A importância do acessório



Adicionar legenda
 O País geme com a aplicação das medidas trazidas pela “troika” que há quase dois anos chamámos para nos salvar da bancarrota. Como todos sabemos, a enorme, gigantesca dívida pública que acumulámos durante anos, associada a um défice excessivo das contas do Estado, levaram a que os nossos credores perdessem a confiança na nossa capacidade de pagar a dívida. Por isso, as taxas a que nos emprestavam dinheiro subiram a níveis insustentáveis, causando uma impossibilidade prática de financiamento externo de Portugal.
As medidas do chamado “memorando” assinado pelo governo anterior são duras e isso faz-se sentir na vida de todos. Essas medidas visam essencialmente colocar os índices de referência dentro dos parâmetros exigidos pela presença no Euro. Os resultados desse esforço e sacrifício de todos começa a ver-se. Na semana passada, Portugal colocou dívida pública a curto prazo a uma taxa inferior a 2% e com uma procura largamente excedentária sobre a oferta. O presidente socialista francês veio logo depois “considerar que os difíceis esforços que Portugal está a fazer estão a dar frutos”, embora os que ainda por cá defendem os responsáveis pela situação a que chegámos tenham logo tentado tirar importância a essas declarações chutando para o lado com a PAC.
Mas há algo que falta de facto fazer e isso é mesmo o mais importante. Não chegámos a este ponto de um momento para o outro, nem a crise caiu do céu aos trambolhões. Fomos nós que construímos o caminho que aqui nos trouxe. Torna-se absolutamente necessário proceder a reformas profundas em toda a organização do país para sairmos do atoleiro em que nos encontramos.
Tudo, desde as funções do Estado até ao necessário “estado social” capturado pelas mais diversas corporações, tem que ser revisto, avaliado e reformado. São as gerações dos nossos filhos e netos que o exigem. É mesmo necessário e urgente um pacto inter-geracional que proteja as futuras gerações do egoísmo e falta de solidariedade da actual geração que sistematicamente tem colocado o seu bem-estar à frente de tudo e de todos de uma forma social e economicamente insustentável.
Tendo consciência disto mesmo, o Governo está a organizar conferências com diversas personalidades de diferentes quadrantes profissionais e ideológicos para encontrar caminhos para as reformas. A primeira decorreu há poucos dias. Porque o objectivo é que aí se diga o que se tem a dizer com inteira liberdade, essa conferência foi aberta à comunicação social, mas com regras estritas na divulgação do que lá foi dito: para reproduzir as intervenções dos diversos intervenientes, os jornalistas deveriam assegurar autorização dos próprios para tal, com excepção dos membros do Governo, que poderiam ser citados com toda a liberdade. O leitor teve certamente ecos desta conferência. E o que lhe chegou não foram as participações dos intervenientes, porque a comunicação social resolveu substituir-se à conferência como notícia. Rebelando-se de uma forma infantil e patética contra um prática seguida em muitos países e instituições quando o que está em causa é uma sessão discussão livre e franca de apresentação de sugestões e propostas para a qual são definidas regras que visam precisamente garantir essa liberdade, muitos dos jornalistas presentes substituíram o seu trabalho por intervenção política directa. Desta forma abandonaram e desrespeitaram os seus leitores para quem deveriam trabalhar informando com liberdade, mas também com seriedade e respeito pela verdade.
Quando não há pão, todos ralham e ninguém tem razão, diz o povo na sua sabedoria. Cabe a quem tem responsabilidades acrescidas pelas suas funções sociais e políticas, contribuir para a solução dos problemas e não ser mais um problema. A História não perdoará a quem se colocar de fora no esforço de encontrar soluções consensuais para construir um futuro mais digno para as gerações vindouras. 

Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 21 Janeiro 2013 

Sem comentários: