segunda-feira, 27 de janeiro de 2014

A GUERRA DOS OITENTA ANOS


Está prestes a fazer cem anos que começou aquela que no futuro certamente se chamará “guerra dos 80 anos”. Em 28 de Junho de 1914 foi assassinado em Sarajevo na Bósnia o arquiduque Francisco Fernando da Áustria, herdeiro do trono da Áustria-Hungria. A partir dos Balcãs, em um mês toda a Europa estava em guerra, no que se convencionou chamar Primeira Guerra Mundial, dado que rapidamente alastrou às possessões ultramarinas das diversas potências então existentes: Império Alemão, Império Britânico, Império Austro-Húngaro, Império Russo, Império Otomano, Terceira República Francesa e Itália. O conflito durou até Novembro de 1918, tendo causado mais de 20 milhões de mortos. Apesar do pouco ou nulo interesse da Inglaterra em que tal acontecesse, Portugal entrou na guerra em 1916 por vontade de Afonso Costa e do PRP que assim tentaram utilizar um inimigo externo como pólo unificador das diversas forças políticas. Correu tudo mal, tendo o Corpo Expedicionário Português sofrido 10 mil mortos na Flandres e milhares de feridos, não se obtendo qualquer consenso político interno e acabando a própria Democracia às mãos dos militares poucos anos depois. Com a vitória dos Aliados, após a entrada dos americanos na guerra, seguiu-se o Armistício e o Tratado de Versalhes, de tal forma humilhante para a Alemanha que o Marechal Foch comandante supremo da “Triple Entente” declarou ser apenas um armistício válido por vinte anos.
O velho marechal não se enganou. No Tratado de Versalhes estava o alimento com que Hitler haveria de alimentar o ressentimento do povo alemão, levando-o a abraçar o extremismo nazi e a iniciar uma nova guerra que surgiu como consequência directa da anterior. O anónimo cabo do exército austríaco da primeira guerra construiu uma poderosa força militar com que pretendeu dominar a Europa por “mil anos”, iniciando a Segunda Guerra Mundial que acabaria por ser a mais mortífera da História da Humanidade, com mais de 60 milhões de mortes. De novo a participação americana foi decisiva para o fim do conflito e libertação da Europa.
 Quando acabou em 1945, o mundo ficou dividido em dois blocos tendo Churchill afirmado que uma cortina de ferro tinha descido sobre toda a Europa oriental sob o jugo soviético. Aqui começou uma nova fase da guerra, a chamada “guerra fria”, que teve momentos em que a temperatura subiu e chegou quase a acender a guerra total que todos sabiam que seria termonuclear e com consequências imprevisíveis para toda a Humanidade; foi o caso dos mísseis de Cuba no início dos anos sessenta e já nos anos oitenta com a colocação dos mísseis SS 20 na Alemanha de Leste e resposta dos Pershing na então Alemanha Ocidental.
A fase da “guerra fria” terminou em 1989 com a queda do muro de Berlim e a implosão do império soviético, permitindo finalmente a instalação de regimes democráticos nos países do leste europeu e a reunificação alemã. Mas a paz na Europa ainda não estava conseguida. O fim da URSS iria ainda libertar forças adormecidas ou apenas controladas nos Balcãs.
A cidade que viu acontecer o atentado que deu origem à primeira grande guerra viria a tornar-se de novo conhecida pelas piores razões. A “guerra da Bósnia” entre 1992 e 1995 provocou a morte de mais de 200.000 bósnios, tendo sido marcada pela brutalidade e selvajaria dos participantes. A União Europeia mostrou-se completamente ineficaz na gestão deste conflito, tendo ficado tristemente célebre a passividade, para dizer o menos, dos soldados holandeses perante as mortandades feitas à sua frente pelas milícias sérvias. De novo foram os americanos que, sob a bandeira da NATO, terminaram com esta guerra europeia. Sarajevo ficou assim como a cidade do início e do fim da “guerra dos oitenta anos”.
A Europa conheceu, em séculos passados, guerras terríveis e duradouras como a dos “cem anos” e a dos “trinta anos”. Todas elas intermitentes, mas que só terminaram quando, muitos anos depois, ficou resolvido o problema inicial. Esta, de que em nossa vida fomos em parte testemunhas, ficará na História como a mais mortífera e a que mostrou à Humanidade como, no momento chave, o seu futuro está dependente da decisão de um único homem, imperfeito como todos nós somos.

Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 27 Janeiro 2014

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