segunda-feira, 14 de abril de 2014

BRUSSELS, WE HAVE A PROBLEM

No final da segunda guerra mundial, a URSS não largou um cm2 que fosse do território que tinha conquistado aos alemães, tendo posteriormente integrado ainda a Jugoslávia e a Albânia à sua área de influência, por detrás do que Churchill chamou a cortina de ferro.

 Como os americanos tornaram bem claro que a República Federal da Alemanha, incluindo Berlim, era a fronteira em que os comunistas de Moscovo não poderiam tocar sob pena de uma resposta nuclear imediata, assim se viveu em guerra fria até Gorbatchov tirar a tampa ao regime e a liberdade irromper, fazendo implodir o império soviético.
A fragilidade de Moscovo no fim do século XX permitiu às nações do Leste da Europa reorganizarem-se como países com base nas fronteiras que tinham sido definidas pelo poder soviético. Boa parte desses países veio mesmo a integrar, quer a União Europeia, quer a própria NATO, virando-se a Ocidente, com desagrado da Rússia, na altura impotente para impor a sua vontade.
A expansão da União Europeia para Leste entroncou numa clara estratégia alemã de dominar a Europa pela via económica facilitada pelo reposicionamento da Alemanha no centro da nova Europa e já não na fronteira a Leste. Cabe aqui dizer que mal andaram países periféricos a Sul e a Ocidente como Portugal que, aquando dessa ampliação da UE, não garantiram o seu próprio futuro na União com consequências hoje claramente visíveis.
Mas a estratégia alemã está finalmente a encontrar um obstáculo eventualmente intransponível. De facto, a Federação Russa foi-se entretanto reorganizando e cedo readquiriu algum poder económico que junta ao militar que nunca perdeu. Em particular, a Rússia exerce hoje um domínio avassalador em todo o Leste europeu no que diz respeito ao fornecimento de gás. As três grandes condutas de gás que, vindas do interior da Rússia chegam ao meridiano de Moscovo vão confluir na Ucrânia e na Bielorrússia, daí irradiando para toda a Europa central. O gás russo significa hoje em dia 24% de todo o gás consumido na Europa 28. Há países que, pela sua localização geográfica ficaram de fora do fornecimento de gás russo como Portugal, a Espanha ou a Grã-Bretanha e encontraram outros fornecedores. Mas há países como a Estónia, a Letónia, a Lituânia ou a Finlândia que dependem do gás russo a 100%. E a generalidade dos países do centro da Europa como a Hungria, a Áustria, a Polónia, a República Checa dependem do gás russo em grande percentagem. A própria Alemanha dele depende em quase 40%.
Grande parte desse gás passa pela Ucrânia. O apoio russo ao anterior presidente da Ucrânia Viktor Yanukovych passava por um grande desconto ao gás consumido pela Ucrânia em troca de este país não se aproximar da União Europeia. Depois do teste da Crimeia, Putin concluiu com facilidade que a União Europeia não tem, nem a vontade, nem os meios para impedir a Federação Russa de mais uma vez agir naquela que considera a sua zona natural de influência. Foi assim que na semana passada enviou uma carta aos 18 países da EU clientes do gás russo com as suas exigências. Putin, que já anulou o desconto ao gás para a Ucrânia, exige que este país pague de imediato a factura referente a Março e cortará mesmo o fornecimento se as dívidas em atraso não forem pagas, informando ainda que daqui para a frente vai exigir o pagamento adiantado do gás fornecido à Ucrânia.
Se a União Europeia tem alguma estratégia para responder a Putin, não parece. A dependência energética do gás russo é avassaladora e a gigantesca Gazprom “entra” com a maior facilidade nos meandros políticos europeus, como se viu pela contratação do ex-Chanceler alemão social-democrata Gerhard Schroeder que aceitou ser administrador da empresa russa assim que perdeu as eleições contra Angela Merkel.
A carta de Putin afirma com toda a clareza que os dados estão lançados. A União Europeia vai numa trajectória que pode levar a mais um grande desastre europeu, caso não seja capaz de definir uma estratégia de regresso a uma coexistência construtiva entre todas as potências europeias.

Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 14 Abril 2014

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