segunda-feira, 21 de julho de 2014

OS PARTIDOS E O FIM DE UM CICLO


Os últimos quarenta anos constituem o período mais longo de democracia e paz entre os portugueses desde há muito, quer em república porque bem mais de três quartos do século XX foram ainda vividos longe da democracia, quer mesmo em monarquia, dado que o século XIX foi marcado por grandes convulsões, guerras civis e mesmo falência do país.
Como é bem conhecido, a Democracia não existe sem partidos políticos que permitam aos cidadãos associar-se colectivamente em volta de ideias programáticas comuns, respeitando a diferença de opinião do outro. Perante as diferentes propostas e as pessoas que as defendem, o povo soberano, com a sua sabedoria, escolhe quem tem o direito e a obrigação de fazer o melhor pelo bem comum presente e futuro.
Dito isto, os partidos não são perfeitos, muito longe disso. São da sua responsabilidade os governos que, nos mesmos últimos quarenta anos, nos levaram a pedir apoio financeiro internacional por três vezes para evitar a bancarrota do país.
É também da sua responsabilidade o conjunto de normas legais que regulam toda a nossa vida colectiva, desde a organização administrativa e económica, até à integração europeia passando pelo ordenamento judicial, já que as leis têm origem na Assembleia da República, onde os Deputados dos diversos partidos eleitos pelos portugueses têm a responsabilidade de as fazer e aprovar.
Sucede que, nos dias de hoje, muita coisa da nossa vida em democracia parece estar a chegar ao fim de um ciclo, sendo necessário ter consciência disso para que esse ciclo não venha a coincidir com o fim do próprio regime.
Os anos de intervenção estrangeira através da Troika alteraram muitos aspectos da nossa organização social na percepção colectiva de que só é possível distribuir aquilo que se produz e que o Estado não pode continuar a gastar mais do que recebe de impostos.

 Esta simples constatação tem consequências enormes: o Estado não pode continuar a endividar-se até ao infinito para pagar a sua própria dívida e a vida económica tem que se virar para a produção de bens transacionáveis em vez dos bens não transacionáveis que praticamente não introduzem valor no sistema. Isto, se quisermos continuar a pertencer à União Europeia e não passarmos a ser um Estado pária orgulhosamente só no continente europeu.
A convulsão económica está bem à vista de todos, sendo o que se passa no Grupo Espírito Santo e respectivas ondas de choque o sinal claro de um fim de ciclo.
Mas a vida política está também a passar por uma fase de mudança profunda. Os partidos percepcionaram o fim de ciclo e os sinais estão bem à vista. O Bloco de Esquerda, falando sempre em união à esquerda está a desfazer-se à frente de todos nós e o PCP regressou à linguagem de 1975 e da guerra fria, porque percebe que o momento é de crise profunda, mas nunca procedeu à revisão ideológica necessária, pelo que parece um dinossauro em pleno século XXI. Para o provar, cito Jerónimo de Sousa num discurso recente: "A saída desta situação não se resolve com o consenso entre as forças que conduziram o país à degradação económica e social e ao abismo. A saída exige rutura com as políticas de direita e de recuperação capitalista até hoje seguidas por PS, PSD e CDS".
Curiosamente, a crise prolongada e a austeridade que trouxe não provocaram a luta de rua que os partidos mais à esquerda pretendiam, mas problemas notórios à sua própria existência e intervenção na sociedade. E, no entanto, quer os partidos que estão no poder em determinado momento, quer os da oposição, têm responsabilidades perante os cidadãos. A oposição mais à esquerda não pode colocar-se na posição de só criticar, adoptando tantas vezes posturas moralistas, sem dizer nunca o que faria em concreto se fossem governo, isto é, apresentando propostas concretas e o seu significado e consequências para o futuro.
O que se passa no partido Socialista parece uma simples luta pelo poder, mas pode ser muito mais do que isso. Seja por motivos mais nobres ou por razões mais prosaicas, o PS concluiu que se deve abrir à sociedade, abandonando velhos dogmas e afrontando aristocracias internas que se foram cristalizando ao longo dos anos. A experiência das eleições primárias abertas a simpatizantes coloca os militantes que pagam quotas perante a opinião dos “de fora”, com as consequências que isso pode trazer, mas com a crescente consciencialização de que as pessoas à frente das instituições é que importam. Mas também pode dar ao escolhido uma legitimidade e capacidade de intervenção muito maior e até mais liberdade ideológica, digamos assim, se e quando for governo.
Os partidos que são governo não podem, por razões óbvias, transformar-se enquanto têm essa responsabilidade. Mas sentem, talvez melhor que ninguém, o fim do ciclo político e económico e a necessidade de o próprio país se dotar de meios para fugir de vez à pobreza sistémica e, acima de tudo, quebrar definitivamente a força do corporativismo herdado do antigo regime e agarrado com toda a força por interesses profissionais, económicos e políticos diversos.

Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 21 Julho 2014

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