segunda-feira, 11 de agosto de 2014

PERPLEXIDADE


O actual ministro da Economia reagiu ao sucedido no BES e na PT, manifestando publicamente uma enorme perplexidade traduzida na exclamação: estas situações "são completamente atípicas e, acima de tudo, inexplicáveis".
De facto, para alguma quase-elite portuguesa deslumbrada, o que se tem passado nos últimos anos é inexplicável e, acima de tudo, motivo uma enorme perplexidade. Já para o português comum, infelizmente não é nada surpreendente, vindo na esteira do que se tem passado no nosso país há séculos.
Portugal teve um período histórico de grande notoriedade quando, muito por acção de uma mulher inglesa que veio casar com um rei nosso e que educou os seus filhos de uma forma diferente do habitual entre nós criando a chamada “ínclita geração”, se virou para o único lado que podia para crescer e deu origem aos descobrimentos marítimos. Após essas dezenas de anos ainda teve alguma importância internacional, mas afundou-se numa exploração miserável de escravos e das riquezas ultramarinas, sobretudo do Brasil. Até chegar ao início do século XIX em que o rei e toda a corte fugiram para o Brasil perante a invasão francesa, abandonando o povo à sua sorte, isto é, à completa destruição e roubo de tudo o que tinha algum valor e à morte de milhares de portugueses e miséria absoluta dos sobreviventes. Após o que seguiu uma guerra civil entre facções de dois irmãos, cada um pior que o outro em todos os aspectos, deixando o país ainda pior do que estava, se é que tal era possível. 
Vinda a paz, continuou a degradação do regime, até ao Ultimato Inglês e à bancarrota que só acabámos de pagar poucos anos antes do século XXI. À Monarquia em que no fim o próprio rei se queixava de ser rei de uma república, seguiu-se a Primeira República que, de tal confusão que foi, deu logo origem a uma ditadura militar que, por sua vez, vendo-se incapaz de governar, tratou de chamar um catedrático de finanças de Coimbra para o fazer. E Salazar governou como sabia e como quis: em ditadura, sem partidos políticos e portanto sem eleições, cuidando de todos os aspectos da vida do país como se fosse a sua própria casa. Desaparecido Salazar, o seu sucessor Marcelo Caetano enredou-se nas suas indecisões ficando apenas o tempo necessário para ver o regime cair sem ninguém para o defender.
Vinda a Democracia com o 25 de Abril, e após os tempos habituais de confusão que normalmente se seguem aos golpes de estado, rapidamente entrámos em falência por duas vezes com a chamada do FMI para nos valer. Após o que Mário Soares, olhando à sua volta, terá concluido que com aquela gente que via a nossa economia não tinha hipóteses de crescer a sério. E tratou de chamar os antigos que se tinham ido embora. Voltaram assim Espíritos Santo, Mellos, Champalimaud e até Jardim Gonçalves ainda bancário, mas convidado a fazer um Banco privado a sério. Cuidava Mário Soares que assim restauraria a elite económica do país e o recolocaria nos índices de crescimento dos fins dos anos sessenta, inícios de setenta. 
Depois de centenas de milhares de milhões de euros vindos da EU, acabámos novamente por ir à falência e vemos agora esfumar-se à nossa frente um dos principais grupos económicos, com um ministro da Economia a olhar espantado sem perceber nada do que vê e a dizê-lo publicamente.
O que há de comum em toda esta História?: não um povo incapaz ou calaceiro que, quando vai para fora, produz mais e melhor que muitos outros O que há de comum, em permanência secular, é a não existência de elites capazes e empreendedoras. Se, desde os descobrimentos até ao fim do século XIX, a elite nacional era constituída por uma aristocracia caduca e ridícula nas suas preocupações de manifestação de importância, quer fosse ultramontana ou liberal, no século XX viveu quase sempre à sombra do poder político e dele dependeu. Mário Soares, na sua santa ingenuidade, acreditou que com as antigas elites reconstruiria o país. Infelizmente enganou-se. Vemos hoje como boa parte dessas supostas elites não é capaz de trabalhar e produzir em regime liberal e aberto de sã concorrência, preferindo conúbios mais ou menos secretos com o Estado e negociatas com fugas às responsabilidades fiscais que todos os cidadãos partilham.
Não precisamos de elites pseudo aristocráticas com falso brilho e podres por dentro. O que Portugal precisa é de elites económicas e empresárias capazes de criar um lastro estabilizador que permita uma navegação do país rumo ao crescimento e desenvolvimento, independentemente de políticos e das navegações à vista.

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