segunda-feira, 22 de setembro de 2014

BES: OS DANOS COLATERAIS



As consequências económicas e financeiras do sucedido no BES ainda andam por aí e, ou muito me engano, ou ainda vão andar por muito tempo, tal é a dimensão do desastre. As ondas de choque entram pela economia dentro e abalam muitas empresas, como a PT e outras envolvidas em parcerias publico privadas cuja viabilidade é muito duvidosa sem a mão do Estado a ajudar.
Tudo isso é evidente e só podemos esperar que a competência técnica e vontade efectiva de sucesso das entidades envolvidas na solução encontrada venham, pelo menos, a minorar ao máximo as consequências nos bolsos dos portugueses.
Após a nacionalização em 1975, a família Espírito Santo só em 1991 voltou a tomar conta do seu antigo banco. Sabe-se agora pela voz de Mário Soares que foi ele próprio a pedir a “son ami “Miterrand que encontrasse em França quem emprestasse dinheiro à família Espírito Santo para poder ir à privatização do BES. E o Credit Agricole emprestou algumas dezenas de milhões de euros para o efeito que afinal, passados todos estes anos, ainda não lhe terão sido pagos.
Atendendo a tudo isto, a queda do BES e da família Espírito Santo, impensável há meia dúzia de meses tem consequências profundas na sociedade portuguesa, muito difíceis de avaliar ainda na sua completa extensão.

A destruição da confiança nas elites financeiras e sociais é obvia e imediatamente evidente. A família Espírito Santo era a única que em Portugal representava o restrito e socialmente longinquo mundo banqueiro internacional. O BES estava presente em praticamente todos os grandes negócios em Portugal e havia mesmo quem chamasse ao seu líder Ricardo Salgado o “Dono Disto Tudo”. As centenas de membros da família eram vistas como a elite das elites sociais, comportando-se-se alias como tal. O desmoronar do grupo económico e, fundamentalmente as razões para que tal tenha ocorrido, reflectem-se obviamente na consideração do português comum sobre as supostas elites sociais e económicas do país.
Mas esta não será a única consequência social e profundamente política deste caso. Nos últimos anos verificou-se, e bem, a abertura da actividade económica ao sector privado em todos os sectores da economia. Muita discussão política tem passado pela definição dos limites dessa abertura e da substituição do Estado pela actividade privada em determinadas áreas. À frente estão desde logo a Saúde e a Educação mas também outras áreas do chamado Estado Social. Se não está em causa a liberdade do sector privado concorrer com o Estado na oferta de serviços nessa área, o problema reside na possibilidade de encolher o papel do Estado nessas áreas devido à escassez de receitas fiscais face à despesa, contando-se que o mercado viesse suprir sem problemas essa diminuição do papel do Estado. O que a crise do GES vem mostrar a toda a gente, ainda que muitos não o reconheçam explicitamente, é que boa parte da nossa elite empresarial não está preparada para assumir responsabilidades sociais. Se ser liberal em Portugal é ainda hoje uma miragem, isso deve-se em boa parte aos comportamentos daqueles que, precisamente, deviam demonstrar o contrário. E devemos todos pensar nos mais desfavorecidos cuja segurança mínima deve ser garantida pelo Estado. Com lideres empresariais que “retiram” fundos das empresas para si próprios de todas as maneiras e feitios, mesmo as mais sofisticadas, ninguém de bom senso lhes pode confiar o que tem que ser socialmente garantido para todos. É evidente que seria injusto concluir que todos, ou mesmo a maioria dos empresários portugueses actuam desta forma. Mas quando se descobre que a elite das elites o faz de uma forma despudorada, a confiança na actividade económica privada é a primeira vítima.
Podem estas consequências ser consideradas como danos colaterais de um problema meramente económico e financeiro. Desconfio, no entanto, que agirão sobre os portugueses de uma forma muito mais profunda e duradoura do que a questão financeira que, de uma forma ou de outra, acabará sempre por ter solução.

 Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 22 de setembro de 2014

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