segunda-feira, 17 de novembro de 2014

A visita ao cometa



Vindo dos confins do sistema solar, da cintura Kuiper situada para lá da órbita de Neptuno onde tem por companhia habitual inúmeros objectos gelados, o cometa Churyumov-Gerasimenko aproxima-se de novo do Sol, como acontece regularmente cada seis anos e meio. Neste momento, viaja a 55 mil quilómetros por hora, algures entre as órbitas de Marte e Júpiter. O cometa deve o seu nome a dois astrónomos ucranianos que trabalhavam no Instituto Astrofísico de Alma-Ata no Casaquistão em 1969: Svetlana Gerasimenko que que tirou a fotografia em que ele surgia e o seu colega Klim Churyumov que fez a identificação.
Mas, desta vez, o cometa também conhecido como 67P não viaja sózinho. Desde a passada quarta-feira, dia 12 de Novembro de 2014, um pequeno robô chamado Philae está pousado na sua superfície, que analisou a sua constituição e enviou esses dados para a Terra para estudo posterior. O Philae foi lançado para a superfície do cometa pela sonda Rosetta que se juntou ao 67P em Agosto passado, acompanhando-o na sua órbita a uma distância de apenas noventa e poucos quilómetros.
Curiosamente, os nomes dados às duas sondas remetem para o antigo Egipto. Rosetta era o nome da pedra descoberta durante a expedição francesa ao Egipto e que permitiu a Champollion decifrar a escrita egípcia em 1822, dado que nela estava inscrito o mesmo texto em três linguas diferentes: o grego, o egípcio antigo e o egípcio tardio. Philae é o nome de uma ilha no rio Nilo onde foi descoberto um obelisco que, juntamente com a pedra de Rosetta, possibilitou decifrar a antiga língua do Egipto.
Para que a sonda Rosetta encontrasse o 67P no vazio do espaço sideral, no fim de uma longa perseguição, muita coisa se passou.  A expedição foi aprovada pela Agência Espacial Europeia em 1993 e o lançamento foi feito em Março de 2004 há, portanto, dez anos. Neste período de tempo, a sonda Rosetta viajou pelo sistema solar, tendo passado pela Terra por três vezes e por Marte uma vez, aproveitando a gravidade deste planetas para impulsionar a sua velocidade até à necessária para acompanhar o cometa e entrar na sua órbita em Agosto passado, depois de ter percorrido 6,4 mil milhões de quilómetros.

Investigar directamente um cometa é de uma importância crucial para se conhecer melhor a História do Universo. De facto, considera-se normalmente que a sua formação data do início do surgimento do sistema solar, estando a matéria que os constitui preservada, dado que passam a maior parte do tempo muito longe do Sol. Por exemplo, o cometa 67P só em cerca de seis em seis anos se aproxima do Sol, passando ainda assim bastante longe dele, entre as órbitas da Terra e de Marte durante apenas alguns meses, regressando depois para as profundezas geladas da cintura de Kuiper. Poderá ainda dar informações sobre a própria vida na Terra, dado que se pensa que cometas possam ter trazido água, gelo e mesmo matéria orgânica para o nosso planeta.
O robô Philae tem baterias que duraram 64 horas, período de tempo que os cientistas aproveitaram para recolher a maior informação possível. O facto de Philae não ter “aterrado” no cometa como desejado pode ter limitado a informação que conseguiu obter, mas não retira qualquer mérito ao sucesso da missão. 
A sonda Rosetta vai orbitar o 67P até Dezembro de 2015,continuando a enviar informação, altura em que se separará do cometa, terminando a sua missão. Estão tão longe da Terra que, mesmo à velocidade da luz, a transmissão demora cerca de 30 minutos a chegar até nós.
Em tempos de preponderância de notícias desagradáveis, este acontecimento sabe bem. Para toda a Humanidade, significa mais um passo no conhecimento do Universo e do que somos. Depois, é motivo de orgulho para os europeus que ultimamente têm tido razões para insatisfação generalizada. E para um cidadão vulgar, é certamente motivo da maior admiração pelo feitos conseguidos. Planear uma missão altamente sofisticada e a longo prazo, financiá-la e mantê-la operacional durante todo este tempo é um feito memorável. Como notável é a capacidade científica para atirar uma sonda para o espaço, levá-la a passar perto de planetas para lhe dar a velocidade necessária, adormecê-la enquanto corre a uma velocidade louca pelo Espaço e encontar-se com toda a precisão com um pequeno objecto com uma dimensão reduzida de 5 por 3 km que voa também a uma velocidade estonteante..
Um juiz de uma causa horrível respondeu uma vez quando lhe perguntaram por que achava que a Humanidade valia a pena, dizendo que tinha lido o Diário de Ann Frank. Este feito da Europa para toda a Humanidade é também a prova de que continua a valer a pena acreditar no Homem.
Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 17 de Novembro de 2014

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