segunda-feira, 15 de dezembro de 2014

Energia: a nova arma global



O desenvolvimento das sociedades associado ao crescimento económico trouxe necessidades de conforto que a globalização se encarregou de espalhar pelo mundo. Esse desenvolvimento tem uma base essencial sem a qual seria impossível, a energia que faz as fábricas trabalhar, os meios de transporte movimentarem-se, as cidades terem iluminação, as nossas casas, escolas, hospitais e escritórios terem aquecimento e,não menos importante nos dias de hoje, as telecomunicações e internet funcionarem.
O leitor já se deve ter apercebido que, nas últimas semanas, de cada vez que vai à estação de serviço abastecer-se de combustível, o preço está normalmente mais baixo. A descida do custo do combustível que metemos nos nossos automóveis deve-se a que o preço do crude desceu mais de 40% nos últimos seis meses. No início do Verão andava pelos 110 dólares por barril, sendo agora inferior a 70, prevendo-se que desça ainda mais.
O amortecimento da actividade económica mundial será uma das razões dessa descida, por via da queda da procura, mas não é a única. De facto, a alteração essencial no comércio mundial do petróleo consiste no facto de os Estados Unidos da América praticamente terem deixado de comprar petróleo, sendo agora auto suficientes nessa matéria. A exploração do petróleo pela tecnologia “fracking”, embora praticada há décadas, sofreu um incremento nos últimos anos aproximando-se os seus custos, antes muito altos, dos custos da exploração clássica dos poços de petróleo. A eficiência na utilização da energia é também hoje muito maior, reduzindo a procura do petróleo.

Mas outro facto importante se deu nas últimas semanas. Na reunião da OPEC que controla 40% da produção mundial do petróleo realizada em 27 de Novembro passado, a Arábia Saudita decidiu manter os níveis de fornecimento, ajudando à descida do preço. Os motivos, como é evidente, não se devem a um espírito natalício. A Arábia Saudita está literalmente em cima de petróleo, pelo que o seu custo de exploração é aí muito baixo. Diz-se que pode descer até aos 5 ou 6 dólares por barril, que ainda ganham dinheiro. Aliás, ninguém no mundo percebe bem porque é que nos últimos anos o preço do crude tem andado pelos $100, custo completamente injustificado.
Ao proceder assim, a Arábia Saudita aperta as margens de lucro dos produtores americanos do Texas, que aguentam bem uma descida até aos $45/50, embora as empresas de “fracking” comecem a ter dificuldades à volta dos $60. Claro que os custos dos produtores americanos estão inflacionados pelas facilidades de venda a preços altíssimos dos últimos anos e é-lhes possível ter ainda grandes ganhos de eficiência e encarar uma manutenção de preços um pouco inferiores a $60 durante muito tempo.
Quem sofre mais com a situação são os países que fizeram as suas economias depender quase em exclusivo das exportações de produtos petrolíferos. Neste caso estão a Venezuela, a Nigéria, o Irão e a Rússia. Entre eles estão dois países que são, digamos, pouco amigos da Arábia Saudita e que são a Rússia e o Irão, pelo que as consequências da situação para estes dois países serão bem-vindas para os sauditas. Mas, ao contrário do que alguns comentadores acharão nas suas teorias da conspiração, a guerra comercial é mesmo entre os sauditas e os produtores de “fracking” americanos que podem ser postos fora da corrida.

Há, de facto, uma guerra económica global a decorrer por causa da energia, que em muitos aspectos se assemelha à guerra fria de metade do século passado. Nessa altura, a corrida aos armamentos nucleares das duas superpotências garantiu, pelo absurdo, o equilíbrio mundial. Nesta guerra actual pelo domínio do fornecimento da energia, não se percebe ainda bem o que está verdadeiramente em causa. Mas há quem esteja em risco de perder muito e com medo de um futuro insignificante, pelo que a passagem para o armamento clássico é cada vez mais uma hipótese a considerar, o que será perigoso para o mundo inteiro e, em particular, para a Europa.
Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 15 de Dezembro de 2014

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