segunda-feira, 29 de dezembro de 2014

O TEMPO E O HOMEM



O leitor sabe o que é o tempo? O escriba destas linhas, embora tenha lido “Uma breve história do tempo” de Stephen Hawking ou se calhar por causa disso mesmo, reconhece que não sabe o que é o tempo, na realidade.
Desde o início dos tempos, o Homem necessita de se orientar durante a sua vida e no dia a dia. É assim que a rotação da Terra lhe dá um meio de distribuir a sua acção no curto prazo: dormir, trabalhar, alimentar-se, relacionar-se com os semelhantes. A duração do dia dividida comodamente em 24 horas não corresponde senão a uma rotação inteira da Terra sobre si própria, a uma velocidade de mais de 1.600 km/hora. Mas a Terra não roda só sobre si própria. Ela viaja permanentemente pelo espaço, à volta do Sol, à velocidade estonteante de 107.000 quilómetros/hora, oferecendo-nos o conceito de ano, dos meses e estações do ano tão propícias a organizar a vida agrícola. E, nestes seus movimentos, a Terra transporta-nos a todos na sua superfície, com o conforto e segurança que a sua atmosfera nos proporciona. Sem disso ter consciência, imaginando estar parado no centro do universo, o Homem utilizou esses movimentos para desenvolver o conceito de tempo, que é falso, mas nos facilita a vida, ao dar-nos medidas para períodos de tempo bem definidos, com segurança.
E, assim, enquanto na realidade um ano de vida significa que fizemos uma translacção inteira à volta do Sol, isto é, um percurso de mais de 940 milhõesde quilómetros, para nós, mais prosaicamente, significa apenas um conjunto de 365 dias.

A convenção da mudança de ano dá-nos ainda a oportunidade de, se não fazer uma avaliação do que se passou, pelo menos fazer o balanço dos factos que mais marcaram o ano findo.
O ano de 2014 do calendário gregoriano seguido por quase todos os países do mundo que agora termina, foi particularmente marcante em termos internacionais, mas também em particular para nós portugueses.
Em termos internacionais, a barbaridade islamita no chamado “estado islâmico” na Síria e Iraque, no Paquistão e na Nigéria sobrepõe-se a tudo, pela violência indescritível. Ao menos, houve coragem para dar o prémio Nobel à jovem Malala, o que não redime o mundo daquilo que é permitido fazer aos extremistas religiosos, neste caso os islamitas. Mas a anexação ilegal da Crimeia por Putin e o abate de um avião civil sobre aquele país deixam tristes recordações e grandes preocupações pelo futuro naquela zona da Europa. A acção do Papa Francisco, quer na renovação doutrinária que tenta levar a cabo, quer pelos esforços pela paz como aconteceu no reatar de relações entre Cuba e os EUA é de saudar. Como é de realçar o facto de aqui ao lado, em Espanha, ser possível que a Justiça leve a julgamento uma princesa, irmã do próprio Rei Filipe.
Entre nós, realce para o fim “limpo” do programa de três anos da troika que nos trouxe austeridade e sacrifícios. Mas, talvez sinais de uma mudança profunda no país, os casos de justiça que têm a ver com o relacionamento da política com a economia, começaram a sair em força dos armários.

 O BES desapareceu e com ele a influência de Ricardo Salgado e do grupo da família Espírito Santo na finança, na economia e mesmo na política. A sua prisão, com libertação caucionada ao pagamento de 3 milhões de euros, abriu a caixa de Pandora de onde começaram a sair coisas nunca antes vistas em Portugal. É o caso da prisão do anterior primeiro-ministro José Sócrates com indícios de corrupção entre outros crimes. Mas não podemos esquecer as condenações judiciais de políticos proeminentes como Maria de Lurdes Rodrigues, Armando Vara e Duarte Lima, neste caso a dez anos de cadeia. Agentes superiores do Estado foram igualmente presos por suspeitas de corrupção, como o Director Nacional do SEF Manuel Palos e o presidente do Instituto de Registos e Notariado, António Figueiredo. A Portugal Telecom está a ter o destino que se previa há muito pela promiscuidade entre política e negócios, desde que vendeu a Vivo num negócio que deverá dar muito que falar em 2015 e foi obrigada a adquirir participação nessa empresa problema brasileira que se chama OI.
Dá a sensação de que o mundo acelerou neste ano de 2014, mas ainda não se sabe bem para onde havendo, no entanto, sinais de esperança, embora acompanhados de muita preocupação.
No fim de 2014, faço votos de que cada um dos meus leitores e leitoras tenha um ano de 2015 que seja melhor do que este de que agora nos despedimos e que possam melhorar um pouco as condições que o mundo vai oferecer aos nossos filhos e netos, os que cá estão e os que chegarão.
Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 29 Dezembro 2014

segunda-feira, 22 de dezembro de 2014

Guerra e Paz


Passam agora setenta anos sobre um dos factos mais importantes da Segunda Guerra Mundial, que tem sido motivo de celebrações em diversos locais da Bélgica Holanda e França. Após o desembarque na Normandia em 6 de Junho de 1944, as tropas aliadas avançaram irresistivelmente a caminho da Alemanha, visando a derrota final de Hitler e do seu “império dos mil anos”. Em Dezembro desse ano, Hitler organizou e comandou pessoalmente aquilo que no seu delírio supôs ser a batalha que derrotaria finalmente os aliados. Os alemães juntaram diversos exércitos num total de cerca de 250.000 homens com equipamento militar poderosíssimo incluindo dois exércitos de panzers e organizaram um contra-ataque fulminante de surpresa através das Ardenas, com vista a ocupar o porto de Antuérpia e quebrar os fornecimentos aliados. Foi uma das batalhas mais terríveis do teatro de batalha europeuna segunda Grande Guerra, não só pelas baixas que provocou, mas também pela ferocidade de que se revestiu. Fundamentalmente, foram os exércitos americanos que fizeram frente às terrível ofensiva alemã. Diversos factores contribuiram para as dificuldades com que se defrontaram as tropas aliadas na ofensiva das Ardenas. As nuvens e nevoeiro persistente anularam a vantagem aérea dos aliados. A ofensiva alemã apanhou os aliados de surpresa, não só porque conseguiram manter em segredo a sua preparação, mas também porque foram enviadas largas dezenas de alemães vestidos com fardas americanas para trás das linhas da frente aliadas, que confundiram os altos comandos com informações falsas. Com neve e frio intenso que só por si causaram milhares de baixas, os soldados americanos foram cercados e derrotados em diversos locais da floresta das Ardenas.

 No entanto, num local crucial para a passagem do grosso dos exércitos alemães para Antuérpia, um punhado de soldados americanos do regimento 101º de Aerotransportados resistiu heroicamente durante vários dias às ofensivas alemãs, até à chegada salvadora do 4º Exército americano. Ficou para a História a resposta do Gen. McAuliffe aos emissários alemães que lhe vieram propor a rendição e que se traduziu numa única palavra: “Nuts”. Valeu às tropas americanas, ao fim de seis dias de combates mortíferos, o levantar do nevoeiro que possibilitou a entrada em acção das forças aéreas inglesa e americana, o que virou a sorte da batalha. Esta ofensiva alemã ficou ainda famosa por diversos motivos, para além da sua violência. Na véspera do natal de 1944, os alemães fizeram o primeiro ataque aéreo ao solo utilizando aviões a jato em vez dos aviões a hélice utilizados até então. O exército alemão não seria derrotado sem que procedesse a um dos piores crimes de guerra que se conhecem, o Massacre de Malmédy perpetrado em 17 de Dezembro de 1944, em que largas dezenas de soldados americanos prisioneiros de guerra foram chacinados com fogo de tanques alemães Panzer.
A vitória aliada foi obtida à custa de sacrifícios inimagináveis dos soldados americanos, ingleses, canadianos e franceses envolvidos na batalha. Winston Churchill viria a considerar esta batalha como a mais importante de toda a Segunda Grande Guerra e que seria certamente a mais famosa vitória americana de sempre. No fim da batalha, em 28 de Janeiro de 1945, mais de 20.000 soldados americanos tinham morrido e dezenas de milhares ficado feridos com gravidade, desaparecido ou sido capturados, tendo morrido cerca de mil soldados ingleses. Do lado alemão, as estimativas apontam para mais de 70.000 baixas.
É costume dizer-se e eu concordo, que todas as guerras são injustas. Quem sofre mais nas guerras são soldados que apenas cumprem ordens e servem muitas vezes de carne para canhão, além de civis que são esmagados no caminho das armas. Mas, apesar de injustas, há guerras que são necessárias. Infelizmente. Se hoje celebramos o Natal em Paz, é porque muitos se sacrificaram e deramaprópria vida para que isso fosse possível, mesmo em épocas de Natal não tão distantes no tempo quanto isso e não devemos esquecer isso nunca.
A quem me lê, desejo um Bom Natal em Paz.

segunda-feira, 15 de dezembro de 2014

Energia: a nova arma global



O desenvolvimento das sociedades associado ao crescimento económico trouxe necessidades de conforto que a globalização se encarregou de espalhar pelo mundo. Esse desenvolvimento tem uma base essencial sem a qual seria impossível, a energia que faz as fábricas trabalhar, os meios de transporte movimentarem-se, as cidades terem iluminação, as nossas casas, escolas, hospitais e escritórios terem aquecimento e,não menos importante nos dias de hoje, as telecomunicações e internet funcionarem.
O leitor já se deve ter apercebido que, nas últimas semanas, de cada vez que vai à estação de serviço abastecer-se de combustível, o preço está normalmente mais baixo. A descida do custo do combustível que metemos nos nossos automóveis deve-se a que o preço do crude desceu mais de 40% nos últimos seis meses. No início do Verão andava pelos 110 dólares por barril, sendo agora inferior a 70, prevendo-se que desça ainda mais.
O amortecimento da actividade económica mundial será uma das razões dessa descida, por via da queda da procura, mas não é a única. De facto, a alteração essencial no comércio mundial do petróleo consiste no facto de os Estados Unidos da América praticamente terem deixado de comprar petróleo, sendo agora auto suficientes nessa matéria. A exploração do petróleo pela tecnologia “fracking”, embora praticada há décadas, sofreu um incremento nos últimos anos aproximando-se os seus custos, antes muito altos, dos custos da exploração clássica dos poços de petróleo. A eficiência na utilização da energia é também hoje muito maior, reduzindo a procura do petróleo.

Mas outro facto importante se deu nas últimas semanas. Na reunião da OPEC que controla 40% da produção mundial do petróleo realizada em 27 de Novembro passado, a Arábia Saudita decidiu manter os níveis de fornecimento, ajudando à descida do preço. Os motivos, como é evidente, não se devem a um espírito natalício. A Arábia Saudita está literalmente em cima de petróleo, pelo que o seu custo de exploração é aí muito baixo. Diz-se que pode descer até aos 5 ou 6 dólares por barril, que ainda ganham dinheiro. Aliás, ninguém no mundo percebe bem porque é que nos últimos anos o preço do crude tem andado pelos $100, custo completamente injustificado.
Ao proceder assim, a Arábia Saudita aperta as margens de lucro dos produtores americanos do Texas, que aguentam bem uma descida até aos $45/50, embora as empresas de “fracking” comecem a ter dificuldades à volta dos $60. Claro que os custos dos produtores americanos estão inflacionados pelas facilidades de venda a preços altíssimos dos últimos anos e é-lhes possível ter ainda grandes ganhos de eficiência e encarar uma manutenção de preços um pouco inferiores a $60 durante muito tempo.
Quem sofre mais com a situação são os países que fizeram as suas economias depender quase em exclusivo das exportações de produtos petrolíferos. Neste caso estão a Venezuela, a Nigéria, o Irão e a Rússia. Entre eles estão dois países que são, digamos, pouco amigos da Arábia Saudita e que são a Rússia e o Irão, pelo que as consequências da situação para estes dois países serão bem-vindas para os sauditas. Mas, ao contrário do que alguns comentadores acharão nas suas teorias da conspiração, a guerra comercial é mesmo entre os sauditas e os produtores de “fracking” americanos que podem ser postos fora da corrida.

Há, de facto, uma guerra económica global a decorrer por causa da energia, que em muitos aspectos se assemelha à guerra fria de metade do século passado. Nessa altura, a corrida aos armamentos nucleares das duas superpotências garantiu, pelo absurdo, o equilíbrio mundial. Nesta guerra actual pelo domínio do fornecimento da energia, não se percebe ainda bem o que está verdadeiramente em causa. Mas há quem esteja em risco de perder muito e com medo de um futuro insignificante, pelo que a passagem para o armamento clássico é cada vez mais uma hipótese a considerar, o que será perigoso para o mundo inteiro e, em particular, para a Europa.
Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 15 de Dezembro de 2014

segunda-feira, 8 de dezembro de 2014

Putin contra o resto do mundo



Na semana passada o presidente Putin fez o seu tradicional discurso do Estado da Nação. Como já é hábito com Putin, a cenografia do discurso remete para os dias gloriosos do poder “czarista”, com a sua entrada triunfal no salão do Kremlin, enquanto as enormes portas douradas são abertas pelos guardas em farda de gala. Mas a mensagem não foi tão brilhante como o ouro do salão.
A Rússia não é um país qualquer. É um país enorme, o maior extenso do mundo, com parte dentro dos limites da Europa., mas que se estende até aos confins da Ásia, com costa para o Pacífico. Ao longo da História, tem tido momentos de aproximação à Europa, mas também tempos de afastamento e mesmo de ensimesmamento isolacionista. 

Viveu quase todo o século XX em regime comunista, tendo-se depois da Segunda Guerra Mundial transformado no centro de um autêntico império que esteve sempre em conflito latente com o resto da Europa. Provavelmente devido à duração do regime comunista, muitos ainda olham para a actual Rússia com uma perspectiva infuenciada por esses tempos, seja com evidente carinho nostálgico, seja com indisfarçável irritação epidérmica. Nada de mais errado. Esses tempos acabaram e a Rússia tenta ainda encontrar o seu lugar no concerto das nações.
A economia russa tem sofrido bastante por causa das sanções ocidentais causadas pelo aventureirismo territorial de Putin. A ocupação da Crimeia foi considerada ilegal por quase todos os países do mundo. Com grande sentido de responsabilidade, os países europeus colocaram de lado a hipótese de resposta militar à acção do exército russo, mas responderam com um aviso forte através das sanções, que se estima custarem por ano 40 mil milhões de dólares à Rússia. A recente evolução do preço internacional do petróleo, veio piorar a situação da economia russa, dado que mais de dois terços das exportações russas vêm da energia. Relembra-se que no início deste ano o preço do crude andava pelos $110, é actualmente inferior a $80 e há quem preveja que a descida possa atingir rapidamente os $60 ou ainda menos. O reflexo actual na economia russa é de uma perda de 100 mil milhões de dólares anuais, estando o rublo a sofrer a maior queda desde 1998, tendo caido 30% desde o início do ano. Estima-se que o preço do crude que impede a economia russa de entrar em recessão é de 90 dólares por barril. Numa situação “normal” as gigantescas reservas de dinheiro poderiam, em princípio, aguentar os valores baixos do crude durante uns dois anos, mas as aventuras militaristas de Putin associadas a um acréscimo de despesas militares de 30% desde 2008 também não ajudam nada.
A recepção desagradável, para dizer o mínimo, que Putin teve na cimeira do G20 realizada em Novembro na Austrália veio mostrar-lhe que, ou muda de atitude relativamente ao respeito pela soberania dos países vizinhos, ou não pode contar com uma melhoria nas relações económicas com o ocidente. A desistência da construção do pipeline “South Stream” é um enorme revés para a estratégia energética da Rússia. O “South Stream” foi projectado há quase dez anos e permitiria o fornecimento de gás até ao norte de Itália e restante Europa, evitando a actual passagem pela Ucrânia. Mas o seu custo gigantesco teria que ser partilhado, além da russa Gazprom, pela italiana Eni, pela francesa Electricité de France e pela alemã Wintershall que, face á política de preços da Gazprom que deteria 51% do gasoduto, entenderam ser mais seguro não ficarem na sua dependência e desistiram do projecto.
No seu discurso do Estado da Nação, o presidente Putin declarou que ninguém pode ter superioridade militar face à Rússia. Como já vem sendo hábito em determinados governantes, atirou-se também aos mercados. Claro que o recurso à cartada nacionalista significa quase sempre que um regime político, ou no mínimo a sua liderança, está perante graves dificuldades.
Putin conhece os problemas russos como ninguém. Ascendeu ao poder depois da bancarrota russa de 1998, foi presidente dois mandatos sucessivos, fez-se substituir por um homem de mão durante um mandato e regressou depois disso à presidência, o que prova a sua determinação. O petróleo e o gás têm financiado todos os programas sociais que lhe garantem apoio popular, mas também o domínio do Kremlin sobre a economia, dado que transmite as receitas às empresas escolhidas através dos bancos estatais.
A situação actual não é brilhante e estará a piorar. Mas o ocidente tem que perceber que depois de Putin a Rússia continuará e haverá toda a vantagem, em respeito pela sua própria vontade, em ter como aliado o grande país que é a Rússia.
Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 8 de Dezembro de 2014