segunda-feira, 8 de junho de 2015

S. Francisco nos valha




As obras de construção do “Centro de Convenções e Espaço Cultural do Convento de S. Francisco”deverão estar concluídas dentro de alguns meses, após um imbróglio entre dono de obra e empreiteiro adjudicatário que, ao que tudo indica, só terminará em tribunal. Partindo da recuperação do antigo convento, que também já foi fábrica de lanifícios, o projecto do “Convento de S. Francisco”- chamemos-lhe assim para abreviar e também para abrigar todas as alternativas funcionais que poderá, ou não, vir a ter - passou a integrar uma sala de espectáculos com 1.200 lugares e um parque de estacionamento com mais de 500 lugares.
Desde o seu início que várias contradições atravessaram o caminho do projecto do “Convento de S. Francisco”. Desde logo, Centro Cultural ou Centro de Convenções? Conforme a decisão, o projecto (no seu sentido estrito de Arquitectura) seguiria caminhos diferentes, através de programas específicos. Não se sabendo o que escolher, resta a solução à portuguesa da actualidade, que é pedir ao arquitecto projectista para decidir e colocar lá tudo, que depois se vê o que se lá conseguirá fazer.
Aqui está o primeiro erro fatal. Qualquer promotor privado de um grande investimento faz estudos prévios de mercado, faz contas sobre a sustentabilidade do projecto e só escolhe a solução final de arquitectura depois de analisadas diversas hipóteses quer sob o ponto de vista de funcionalidade, quer de custos. Tudo isto com vista a várias coisas: em primeiro lugar, conseguir a resposta mais eficiente para aquilo que se quer; em segundo lugar, criar condições para que a obra decorra nos prazos indicados e que não tenha acréscimos de custos, isto é, que seja passível de ser controlada. Mas antes de tudo, para que isto seja possível, o promotor tem de saber exactamente o que quer, para que os projectos sejam claramente definidos e as soluções técnicas sejam as melhores e mais económicas. Depois, durante a obra, escolhe-se uma equipa com um responsável bem definido, que abranja as diversas áreas necessárias para assegurar a boa execução dos trabalhos, com capacidade para responder em tempo útil a todas as questões que os empreiteiros sempre colocam. Como costumo dizer, o dono de obra tem a faca e o queijo na mão antes de entregar a obra; depois disso, dono de obra, fiscalização e empreiteiro estão todos no mesmo barco numa tempestade que é tanto mais turbulenta, quanto maior a dimensão da obra; se o barco se afundar, vão todos ao fundo e não apenas um deles.
Nas obras do Estado, infelizmente, nada disto se passa e o Convento de S. Francisco é disso exemplo acabado, não sendo necessário analisar cada um dos pontos acima referidos, tal é a evidência do sucedido.
Discute-se hoje o que lá fazer depois das obras acabadas. Isto é, aquilo que deveria ter sido feito antes do próprio projecto, é agora o assunto do dia do Convento de S. Francisco, quando se vê finalmente a luz ao fundo do túnel das obras. Constata-se que, nem durante os anos que duraram as obras a Autarquia foi capaz de elaborar um plano de utilização do equipamento. Faz-se agora, tarde e a más horas, parecendo que gente conhecedora da matéria e competente se dedica finalmente ao assunto.
Este é um equipamento tão importante para a Cidade e região, que todas as forças políticas e entidades devem colaborar para que venha a ser um sucesso, ultrapassando um historial já de si negativo. No entanto, vem agora o anterior presidente da Câmara comentar sobre as aspirações de Coimbra quanto ao Convento de S. Francisco. Quanto a mim fez mal. Deveria ter algum pudor e até um pouco de bom senso ao abordar este assunto. Teve muito tempo para cuidar que as obras se desenvolvessem adequadamente e não o fez, embora tivesse sido aconselhado a tempo; teve muito tempo para definir o modelo de utilização do equipamento e nada se viu.
O Estado tem farta e poderosa legislação para evitar a corrupção nas obras públicas. O que muitas vezes falta, para que os investimentos públicos corram bem e sejam sustentáveis, é competência e humildade dos decisores desses investimentos para entenderem que não sabem tudo e se devem rodear de quem sabe.

Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 8 de Junho de 2015

1 comentário:

jc25pm disse...

Assino por baixo. Quantos milhões (ou milhares de milhões) o Estado Português devia a menos hoje se a ponderação dos custos em relação aos benefícios fosse acompanhada de projectos bem feitos?