segunda-feira, 6 de julho de 2015

OS CENTAUROS




A festa de casamento tinha corrido bem até àquela altura. O noivo, de nome Pirítoo, era o rei dos Lápitas, povo grego que habitava na Tessália, celebrizado pela sua participação na saga dos Argonautas. Para as bodas do casamento com Hipodâmia, tinha convidado imensas pessoas importantes e da sua família, entre as quais os seus irmãos Centauros. Os Centauros eram uma raça de seres híbridos, com torso e cabeça de humano e o corpo de cavalo, que viviam nas montanhas da Tessália e nas planícies da Arcádia. Tinham tido origem no desejo do rei dos Lápitas Ixíon, pai de Pirítoo, de possuir Hera a esposa do deus Zeus, o deus de todos os deuses do Olimpo. Zeus, depois de se divertir a observar Ixíon a ter relações com uma nuvem que formara com o aspecto de Hera do que viriam a nascer o primeiro centauro e depois a sua descendência, vingou-se mais tarde violentamente do facto de Ixíon se ter vangloriado de ter conquistado Hera. Os centauros apresentavam-se de forma altiva violentos e indomáveis, evidenciando a sua força física e impulsos sexuais que lhes vinham da metade animal, mas demonstrando também capacidades excepcionais do ponto de vista da racionalidade advindas da parte humana.
Durante as bodas de Pirítoo e Hipodâmia, a certa altura foi servido o vinho. Os centauros não estavam habituados à bebida alcoólica e não lhe juntaram água. Em consequência ficaram embriagados, vindo então ao de cima a sua índole animalesca e, cegos pela luxúria e violência tentaram inclusivamente violar e raptar a própria noiva. As consequências da sua atitude foram terríveis. Os Tessálios reagiram violentamente verificando-se um grande massacre e, com a ajuda de Teseu, os centauros foram expulsos da Tessália, refugiando-se no Épiro, onde mais tarde Héracles os foi quase exterminar.


As cenas da batalha entre os Lápitas e os centauros foram objecto de inúmeras representações artísticas, de que se devem ressaltar um friso no Partenon e um baixo relevo de Miguel Ângelo, além de muitas pinturas ao longo dos séculos, o que demonstra a força do seu simbolismo.
Nos finais de Janeiro, as cenas políticas grega e europeia viram surgir uns personagens novos, diferentes dos habituais. Aléxis Tsípras, Yanis Varoufakis e Panos Kamenos chamaram a atenção generalizada pela diferença na radicalidade das suas propostas, mas também e talvez sobretudo, pela pose pública de altivez roçando muitas vezes a arrogância displicente e pelo gosto pela ostentação do abandono do trajar tradicional em lugares de representação de Estado.
Nas bodas permanentes de casamento que são as reuniões de negociação dos países europeus, um dos convidados passou a desafiar permanentemente todos os outros, de uma forma desafiante e agressiva, parecendo embriagado com a possibilidade de, participando nas bodas, retirar tudo o que lhe apetecesse para si, à custa de todos os outros. Usando de todas as armas, com o ar de que tudo lhe era devido e a tudo tinha direito, entrou em guerra aberta com todos os outros que se sentavam à mesma mesa, sem deixar nenhum de fora. Não fora o convidado beligerante grego e dir-se-ia que da História nada tinha aprendido, nem sequer da sua própria mitologia antiga, que pretendia ensinar os homens com as asneiras dos deuses. A História está ainda em aberto mas, qualquer que tenha sido o resultado do refendo/plebiscito de ontem e sabendo-se o que aconteceu aos centauros, não será difícil adivinhar o que seguirá, a não ser que a sabedoria impere em todos os lados, em vez dos sentimentos e raivas.
Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 6 de Julho de 2015

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