segunda-feira, 11 de janeiro de 2016

Admirável mundo novo? Outra vez?

Trazer a felicidade aos cidadãos parece ser o objectivo de muitas pessoas que se dedicam à política. Devo afirmar, desde já, que desconfio sempre de tais atitudes, ainda que pareçam suscitadas pelas melhores intenções, por me parecerem mais do domínio do irreal do que da prática de cuidar do bem comum, que é a governação.
No seu “Admirável Mundo Novo” Aldous Huxley alertava já, em 1933, para a tragédia de uma sociedade completamente organizada para trazer a felicidade a cada pessoa, que aliás nunca poderia fugir a essa mesma felicidade.
Muitas religiões estruturam-se à volta do conceito de um “homem novo”, livre das imperfeições humanas, à imagem de Deus, estado apenas possível de conseguir pela obediência a determinadas regras morais ou por um misticismo cego à realidade humana.
Ao longo da História, e à imagem deste desígnio de carácter religioso, foram-se sucedendo as situações, normalmente de tipo revolucionário, em que os homens entrariam num mundo novo, abandonado que estaria o velho. Foi assim na Revolução Francesa, em que o “antigo regime” desapareceu perante um novo no qual os cidadãos seriam todos iguais. Como sabemos, poucos anos depois desembocou no império de Napoleão o qual, logo de seguida, deu lugar ao regresso dos antigos “Luises”. 

Só posteriormente veio a República, de uma forma bem mais pacífica, recuperando os valores da Liberdade, Igualdade e Fraternidade, mas já sem a pretensão de construir um “homem novo”.
No início do século XX, veio a revolução bolchevique que, de uma forma determinada e violenta, pretendeu criar o “homem novo”, desta vez chamado socialista, num regime que seria tão perfeito a trazer a felicidade a todos, que seria como um sol na terra. Todos sabemos qual foi o resultado deste regime que seguiu uma ideologia política como se de uma religião se tratasse. Esta característica leva ainda hoje muitos a defender a sua validade, dado que, perante a construção de um “homem novo” e a felicidade para todos, mesmo os sacrifícios e “eventuais” excessos normalmente inaceitáveis passam a ser compreensíveis e suportados, dando razão ao velho Huxley nos seus livros premonitórios. É também o motivo por que, enquanto se aceitam os comunistas que ainda hoje acreditam na “sua” religião, ninguém no seu perfeito juízo defende o nazismo que também queria construir um “homem novo”, mas neste caso louro, de olhos azuis e a dominar o mundo pela sua superioridade rácica e esmagamento e dominação de todas as outras raças consideradas inferiores ou mesmo infra-humanas.
Mesmo Portugal não fugiu à regra. Depois da chamada revolução Nacional de 1926 em que a tropa tomou o poder acabando com a 1ª República e instaurando a sua Ditadura, veio o poder civil de Salazar que se auto designou como “Estado Novo”. Novo pois, como se haveria de chamar, para estabelecer o contraste forte com o regime anterior da 1ª República responsabilizando-o por todos os problemas do país quando, na realidade, fora apenas a continuidade do nosso desgraçado século XIX?
Todos estes exemplos, e muitos mais que se podem extrair da História, se referem a situações de rotura violenta relativamente ao existente.
Nas democracias representativas como é a nossa, a substituição dos órgãos de soberania eleitos faz-se por escolha popular e não por revolução ou golpe de estado. De cada vez que se escolhe, tem-se um Presidente da República ou uma Assembleia da República de que emana um Governo que só são novos no primeiro dia. Essa designação cai logo no dia seguinte, havendo uma normal continuidade do Estado.

Assim sendo, em democracia não há novos presidentes para novos tempos. Há presidentes com competências definidas na Constituição e não outras, que devem exercer de acordo com a sua consciência e opções políticas; não deve haver presidentes em função de situações governativas, sejam elas do seu agrado ou não, que são sempre temporárias e substituíveis nas eleições, como aliás os presidentes o são todos. Afirmar o contrário é, no mínimo mostrar ingenuidade ou impreparação política ou, no máximo manifestar-se disponível a abrir a porta a outros mundos que não a Europa ocidental, livre e democrática.

Sem comentários: