segunda-feira, 15 de fevereiro de 2016

O cheiro intenso do populismo

Estão a decorrer nos estados americanos as votações nos pré-candidatos dos partidos Democrático e Republicano, para encontrar os candidatos que, no final, se enfrentarão na eleição do Presidente dos EUA. Para não serem muito diferentes da tendência que nos últimos anos se tem acentuado um pouco por todo o mundo, é notória a faceta populista de boa parte dos candidatos em presença. A base comum é o ataque a algo que chamam “sistema”.
Quer os eleitores democratas, quer os republicanos, mostraram até agora que as suas preferências vão exactamente para os candidatos campeões do populismo. Do lado dos republicanos brilha a estrela de Donald Trump, o multimilionário que decidiu tentar a sua sorte também na política o que, para o seu gigantesco ego, só poderia significar a presidência do mais poderoso país do mundo. As suas posições, umas vezes delirantes, outras mesmo obscenas, sobre os emigrantes, sobre a organização económica e sobre a sociedade, são obviamente um perigo para os EUA e para o mundo, mas encontram eco entusiástico entre muita gente que não se sente bem num mundo em mudança rápida e que tem basicamente medo de tudo o que é novo. 

Mas Trump não está sozinho, do lado dos republicanos. O outro candidato do mesmo partido que mais sombra lhe faz é o senador Ted Cruz cujo discurso se assemelha ao populismo dos tele-evangelistas e que corporiza muita da rejeição ao actual presidente Obama, tendo ficado famoso pelo seu discurso de horas e horas no Senado, com o objectivo de evitar a aprovação do programa conhecido como “obamacare”.
Do lado dos democratas, emerge um candidato que também faz da guerra ao “sistema” o motivo principal do seu discurso. Classificando-se a si mesmo de socialista, o que nos EUA é uma novidade, Bernie Sanders capitaliza a escolha das camadas mais jovens, ao atirar-se sistematicamente aos ricos, a Wall Street e a toda a organização financeira, a começar pelos bancos. 
Até agora, e de forma algo surpreendente, o populismo de Sanders tem levado a melhor sobre Hillary Clinton, por ele apelidada de representante do sistema e do capital. Claro que faltam ainda as escolhas da esmagadora maioria dos estados, até às eleições de Novembro. Mas os sinais da influência do populismo estão aí todos, com o perigo inerente.
Na Europa, a situação não é muito diferente. O mau estar latente deve-se a múltiplas causas, como os desempregados que sabem que nunca voltarão a encontrar trabalho, a insegurança do terrorismo, a avalanche de refugiados de África e do Médio Oriente, a desorientação ideológica pela falência dos principais modelos políticos, a crise económica persistente, o relativo afastamento das instâncias comunitárias, a sistemática actuação dos responsáveis financeiros com banqueiros à cabeça, a própria desconfiança das novas gerações que percebem que o mundo dos seus pais passou de realidade a utopia.
Todos estes problemas reflectem uma crise no sistema democrático, mas desengane-se quem pense que o discurso facilitista dos populistas de esquerda e de direita é solução. Estes problemas só existem, porque se vive precisamente em democracia, em que se devem igualmente encontrar as soluções, veja-se o que se passa na Venezuela, onde um populismo grotesco campeia há anos com os resultados desastrosos que se veem.
E o medo não é bom conselheiro. Em França, foi agora feita uma alteração constitucional que é um verdadeiro desastre, ao permitir que as autoridades administrativas possam fazer buscas a qualquer hora da noite, possam proibir locais de culto e fazer detenções domiciliárias, tudo sem qualquer controlo judicial. 

Actualmente o presidente francês é socialista e o governo também, mas estas decisões não andarão muito longe do pretendido pela Frente Nacional de Le Pen que nem precisará de fazer estas alterações legislativas por “razões de segurança nacional” se vier a ganhar eleições, bastando-lhe aplicar a lei, gizada pelos socialistas.

Vejo muitas pessoas dos mais diversos quadrantes ceder ao populismo, mesmo entre nós. Não posso deixar de assim classificar muitas das posições políticas que hoje são apreciadas, por serem contra o “sistema”, contra os “políticos, todos iguais”, contra os burocratas da União Europeia, etc. Normalmente falam com voz alta e forte, disfarçando com convicção teatral o vazio destrutivo do que dizem. A defesa da Democracia passa hoje pela rejeição deste tipo de posições, pela defesa intransigente da Lei e pela reforma do que necessita de ser mudado, ao contrário da destruição de todo um sistema.

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