segunda-feira, 4 de julho de 2016

“SOMME”, 1 de Julho de 1916




Não fora estar revestido com um relvado imaculado, o solo do local onde decorreu a cerimónia da passada sexta-feira mais pareceria um mar revolto assolado por forte tempestade. Entidades oficiais, militares e povo de França e Inglaterra homenageavam os mais de um milhão de soldados caídos na batalha do Somme iniciada em 1 de Julho de 1916, na I Grande Guerra e que durou até Novembro. O resultado da investida iniciada nesse dia contra as barreiras alemãs saldou-se, no fim da batalha, num avanço da frente aliada inferior a vinte quilómetros, uma perfeita inutilidade em termos militares. Para isso morreram todos aqueles soldados na que foi, provavelmente, a batalha mais mortífera da história da humanidade.
O presidente francês François Hollande, a família real britânica, o primeiro-ministro inglês e o ex-presidente alemão Horst Köhler participaram na cerimónia do centenário do início da batalha em que, só no primeiro dia, morreram mais de 20.000 soldados ingleses.
O solo remexido em inúmeras crateras é ainda hoje o resultado visível do bombardeamento sistemático das peças de artilharia. A guerra de trincheiras teve aqui o exemplo mais trágico da incompetência das chefias militares e da sua incapacidade de conciliar velhas tácticas com as novas armas, enviando sucessivas levas de soldados de infantaria para a morte certa.

Nesta batalha participaram de forma anónima várias personalidades, como Tolkien que posteriormente escreveu “O senhor dos Anéis”, o pai de Ann Frank e até o cabo Adolfo Hitler que foi aqui ferido por duas vezes. A I Grande Guerra, cujo início se deveu a circunstâncias que de modo nenhum justificariam o enorme conflito em que se tornou num tempo em que os chefes de Estado dos países europeus eram quase todos familiares próximos, provocou o encerrar de uma era histórica com o fim de quatro impérios. O seu fim coincidiu com o surgimento das grandes ideologias que vieram a desembocar todas elas em regimes ditatoriais sangrentos, qualquer que fosse o seu objectivo. O Tratado de Versalhes que lhe pôs fim, em vez de ser fonte uma paz duradoura, veio a estabelecer as condições para que um político como Hitler tivesse sucesso na Alemanha e viesse a arrastar toda a Europa primeiro, e o resto do mundo depois, para a Segunda Grande Guerra, que muitos consideram ter sido apenas a conclusão militar da primeira.
Depois da II Grande Guerra a Europa veio a conhecer um período de paz e posteridade, que dura há setenta anos. Ao longo deste período de tempo os países europeus foram-se aproximando, estabelecendo laços económicos, sociais e políticos num crescendo em fases sucessivas. Depois da queda do mundo soviético, muitos países do leste da Europa juntaram-se aos que já integravam a União Europeia, anterior CEE.
A dificuldade de organizar uma casa comum com esta dimensão e a incapacidade de muitos dirigentes europeus assumirem as suas responsabilidades com independência têm aberto a porta às críticas, muitas vezes justas, e que devem ser tidas em conta. Mas há outras que são apenas ideológicas, vindas da parte dos que tentam aproveitar as brechas para tentar acabar com a UE que nunca quiseram.
Os movimentos populistas, à esquerda e à direita, estão também a provocar confusão nos cidadãos que sentem dificuldades nas suas vidas, não entendendo muitas decisões, mormente a nível financeiro, e que ficam vulneráveis aos discursos oportunistas, tantas vezes difíceis de desmontar, porque escondidos em camadas de mentiras e meias-verdades para parecerem lógicos e verdadeiros.
O caos em que a Grã-Bretanha está mergulhada por estes dias é paradigmático desta situação. Depois do resultado do referendo para o chamado Brexit, verifica-se que os argumentos apresentados eram falaciosos quando não completamente falsos, que os defensores mais notáveis da saída não estavam minimamente preparados para as consequências do que propunham com tanto calor e ainda que muitos eleitores que votaram pela saída não faziam ideia do que estavam a decidir.
A Paz é um bem inestimável. É também condição necessária para o progresso e o bem-estar dos povos. A Europa, embora com muitas contradições e problemas, está a passar por um dos períodos mais longos da sua História sem guerra e é uma das melhores zonas do mundo para se viver. Os populismos diversos e nacionalismos que surgem em diversos países ameaçam colocar tudo isto em questão, pelo que é altura de cerrar fileiras e mostrar solidariedade entre todos.

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