segunda-feira, 14 de novembro de 2016

Trump: E o “imprevisto” aconteceu




Para quem tenha seguido as recentes eleições presidenciais americanas com algum interesse e fomos muitos, o resultado final foi uma surpresa atendendo às sondagens e, essencialmente, ao que ao longo da campanha fomos lendo, ouvindo e vendo nos mais diversos órgãos da comunicação social, nacionais e estrangeiros.
Por isso coloco no título desta crónica a palavra “imprevisto”. Trump foi dizendo, ao longo de toda a campanha, que iria mudar por completo o mapa político da América. Na verdade, foi isso mesmo que aconteceu, contra o que diziam as sondagens. A diferença que se verificou relativamente ao previsto, que dava Clinton como vencedora com uma margem de 3%, foi relativamente curta: menos 2%, tendo Clinton obtido mesmo mais votos do que Trump na globalidade. O problema é que as sondagens eram feitas a nível nacional e as eleições são feitas estado a estado, sendo estes muito diferentes entre si em termos de número de eleitores e, essencialmente, em termos sociais. 

Uma pequena alteração favorável a Trump a nível de vários estados mudou tudo e passou os representantes ao colégio eleitoral para o lado do candidato republicano. As técnicas das sondagens atingiram hoje um apreciável desenvolvimento. Sucedeu que, nesta campanha, houve um erro generalizado na consideração das diversas “fatias” do eleitorado, tendo sido claramente sub-estimado aquilo a que se chama “os trabalhadores brancos” e que eram os antigos “operários” outrora tão acarinhados pelas esquerdas que nos últimos anos têm vindo a transferir os suas cuidados para as mais diversas minorias. E isso, como se encontra claramente demonstrado na revista Economist, fez toda a diferença, já que são esses os que mais sofrem com as alterações económicas dos últimos anos, em particular depois da recessão de 2008. Acresce que não fazem parte daquelas minorias sistematicamente faladas na comunicação social pelo que foram esquecidos nas sondagens. Mas não por Trump, cuja mensagem agressiva de mudança contra o “establishment” que lhes retirou qualidade de vida, lhes foi estrategicamente direccionada com os resultados que agora se conhecem.
Esta vitória de Donald Trump não aparece isolada. Surge poucos meses depois do referendo da Grã Bretanha que optou pela saída da União Europeia numa afirmação contra o liberalismo e contra a globalização. Teme-se que este movimento populista venha ainda a influenciar decisivamente as próximas eleições em França, na Holanda e mesmo na própria Alemanha, o que alterará completamente a política internacional tal como a conhecemos hoje.
A comunicação social tem tido também um papel importante nesta evolução da situação política que se está a verificar nas democracias um pouco por todo o lado. A comunicação social tem alinhado sistematicamente com um “politicamente correcto” radical que abafa todas as opiniões que não vão com o “mainstream” instalado” e com as novas agendas de grande parte da esquerda que substituiu a procura do bem-estar da maioria das populações por uma re-engenharia social que a maioria nem compreende nem apoia, embora se cale. Algum dia apareceria a reacção a esta manipulação grosseira e arrogante da realidade, já que o cântaro tantas vezes vai à fonte que algum dia lá fica. Seria irónico, se não for trágico, que essa reação venha precisamente da parte de quem menos se imaginaria, já que tida como garantida, à partida
Outro grande derrotado nestas eleições foi o próprio Obama que sai da presidência pela porta baixa. Oito anos depois de ter corporizado a “mudança”, foi clamorosamente derrotado por uma nova vontade de “mudança”, não só pelo que fez ou não fez nesses mandatos, mas por se ter envolvido como o fez na campanha de Hillary Clinton, que assumiu ser a sua sucessora política e fez dessa continuidade o seu maior cavalo de batalha. Os dez milhões de votos perdidos em oito anos entre uma e outra eleição para algum lado foram e muitos terão mesmo ido para Trump.
Provavelmente os verdadeiros responsáveis por esta evolução política nunca o reconhecerão, por arrogância intelectual e por puro oportunismo político. Estas eleições merecem ainda muitos mais comentários. Acabaram por ter dois contendores finais que, cada um à sua maneira, não suscitaram grandes simpatias generalizadas, acabando por funcionar cada um deles como o mal menor contra o outro. Como referi em diversas vezes, Donald Trump não é do meu agrado: não gosto do estilo, não gosto da conversa e não gosto das amizades. E receio, fazendo votos que me engane que, no que a nós europeus interessa, vá muito mais longe nas suas políticas do que prometeu na campanha eleitoral.


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