segunda-feira, 25 de julho de 2016

(Des)Uniões




 Da imensa confusão decorrente do “Brexit” Theresa May surgiu como primeira-
ministra do Reino Unido, após a demissão de David Cameron. Ninguém, de entre os conservadores defensores da saída do Reino Unido da União Europeia, conseguiu resistir às lutas intensas que se seguiram ao resultado algo surpreendente do referendo de 23 de Junho de 2016. O extravagante antigo Mayor de Londres Boris Johnson, líder do grupo conservador que pretendia a saída, viu afundarem-se as suas expectativas de ser escolhido primeiro –ministro quando o seu companheiro de longa data e suposto apoiante Michael Gove informou avançar ele próprio com a candidatura por achar Johnson incapaz para exercer esse cargo. Claro que ficaram ambos pelo caminho, abrindo a porta a Theresa May que, curiosamente, tinha declarado a sua opção pela manutenção do Reino Unido na EU, embora com algumas nuances no que respeita à imigração.
Theresa May foi em tempos uma crítica da substituição de Tony Blair por Gordon Brown sem recurso a eleições gerais pelo que, a bem da coerência, deverá convocar eleições dentro de menos de um ano. 

Até porque os trabalhistas estão a atravessar uma das maiores crises de sempre do seu partido, com grande maioria dos seus parlamentares a exigir a saída imediata do líder Jeremy Corbyn que consideram der totalmente incapaz para o cargo. Corbyn recusa-se a sair porque argumenta com outro facto real, que é o apoio da maioria dos militantes trabalhistas e, entretanto, o histórico partido Trabalhista arrisca-se a desaparecer da cena política, dado que as dissensões são, na realidade, profundamente políticas e não apenas de personalidades. O outro político que se distinguiu no apoio à saída, Nigel Farage do Partido da Independência, resolveu desaparecer da cena política, depois de declarar ter conseguido aquilo por que lutou durante quase vinte anos, isto é, a saída do reino Unido da União Europeia.
Parece assim que Theresa May não deverá ter grandes dificuldades em obter êxito. A não ser…
A não ser que qualquer uma das grandes questões que enfrenta lhe tragam dificuldades insuperáveis. Ou mesmo todas juntas, de acordo com o princípio de Peter. E elas são muitas. Desde logo a que a levou ao cargo de primeira-ministra. A saída da União Europeia deverá mesmo acontecer, ao contrário de alguns que imaginam que tal poderá ser evitado. E a saída da U.E. terá que seguir as regras do Tratado de Lisboa (o tal do “porreiro pá”), designadamente o estabelecido no seu agora famoso Artº 50 que se pensava nunca vir a ser utilizado. E os termos finais da saída não são estabelecidos pelo Estado que abandona e sim pelo voto dos Estados que ficam (entre eles, lembra-se, estão a Polónia, a Roménia, a Hungria e os estados bálticos que não deixarão de zelar pelos seus interesses). A escolha de Boris Johnson para responsável dos Negócios Estrangeiros pode parecer uma jogada brilhante mas, muito provavelmente, funcionará ao contrário.
O novo secretário dos N. Estrangeiros é de opinião que uma saída num estatuto semelhante ao da Noruega será a melhor solução, mas o erro não poderá ser maior. A Noruega paga para ter acesso ao mercado único e o reino Unido já foi avisado de que não haverá negociações prévias à invocação do Artigo 50 e, mais importante ainda, sem circulação de pessoas não haverá circulação de bens. A U.E. nunca permitirá ao Reino Unido ter as vantagens que pretende sem ter os custos inerentes. A posição da Escócia pode ser outro imbróglio, dado não pretender abandonar a União Europeia, podendo mesmo abandonar o Reino Unido, apesar do referendo de 2014, porque muitos escoceses escolheram permanecer no Reino Unido no pressuposto deste se manter na União Europeia. Para não falar da Irlanda, devendo-se recordar que o Acordo da Sexta Feira Santa de 1998 que trouxe a paz à Irlanda do Norte teve um grande papel da União Europeia. Além de que repor fronteiras entre as duas Irlandas não seria uma grande iniciativa para a Ilha da Irlanda. Por outro lado, começa agora a ter-se uma noção mais clara do desastre económico para o Reino Unido, consequência da saída da U.E.
Ao voto do Reino Unido pela saída da União Europeia seguiu-se um vendaval de manifestações de desejo de realização de referendos nos mais variados países, por parte dos eurocépticos de sempre, sejam de extrema-esquerda, sejam de extrema-direita. Tudo isto será tido em conta nas posições dos negociadores europeus que não deverão facilitar a vida a Theresa May e ao seu governo, por mais que ela seja conhecida como uma negociadora dura. No fim de contas, foi o Reino Unido que resolveu sair, contra a vontade mais que manifesta por todos os outros países da União Europeia.

segunda-feira, 18 de julho de 2016

Praia da Tocha




 De vez em quando descobrimos um pedaço de Portugal que nos surpreende de maneira positiva. Não falo das belas condições naturais em que o país é rico, que essas não dependem nem são fruto da acção humana, mas de algo que é resultado de trabalho bem feito na recuperação urbana do que existia antes e que, como quase tudo em Portugal no que respeita ao turismo, foi durante dezenas de anos estragado e delapidado.
Na costa portuguesa existem numerosas praias, umas mais conhecidas que outras, mas quase todas elas sofreram os efeitos de uma urbanização descontrolada e sem qualidade que as transformaram em imitações de bairros periféricos das grandes cidades.
Mesmo na região centro, o modelo seguido foi o da máxima ocupação do solo com possibilidade de obter visão de mar, sem que no desenho urbano seja possível detectar qualquer diferença relativamente ao usado em qualquer cidade portuguesa isto é, entre o medíocre e o muito mau.
Quando encontramos algo que não segue este cânone, a surpresa não é pequena e a satisfação é tanto maior quanto o trabalho realizado alia eficiência à obtenção de objectivos adequados.

É o que sucede numa das praias talvez menos badaladas da região centro, a Praia da Tocha, no concelho de Cantanhede. A imagem do que era antigamente esta praia surge com grande nitidez no filme “Uma abelha na chuva” de Fernando Lopes realizado sobre o romance homónimo de Carlos de Oliveira em que os palheiros da Tocha foram usados como cenário. O filme é de 1971 e, para além dos aspectos sociais e políticos inerentes à própria obra literária em que se baseia, impressiona a pobreza profunda associada aos moradores dos palheiros, num tempo ainda não tão afastado dos dias de hoje quanto a sua visão nos poderia levar a pensar.
Claro que a Tocha não poderia ficar alheia à procura de praia que se verificou a partir dos anos 70/80 do século passado, bem como da pressão urbanística que tal provocou. Há ainda sinais disso, quer no tipo de construção feita e num certo abastardamento dos velhos palheiros, quer mesmo no desenho da ocupação do solo, melhor dizendo, na falta dele. Mas nos dias de hoje tudo isso está em vias de ser completamente ultrapassado. Tem havido uma intervenção competente, séria e essencialmente muito cuidadosa, que veio dar à Tocha uma organização urbana de grande qualidade, que bem pode servir de exemplo a muitas das estâncias balneares da nossa costa atlântica.
Quer nas antigas zonas construídas, sempre paralelamente à costa, quer nas mais recentes, foram consideradas numerosas passagens para peões e ciclistas, que facilitam o acesso à praia, a partir de qualquer lugar. Os muros entre as edificações e entre elas e os arruamentos são inexistentes nas zonas novas ou de reduzida altura nas mais antigas. As edificações surgem assim de forma quase natural no espaço urbano, não obrigando as pessoas a grandes percursos à volta delas nas suas deslocações, criando uma grande transparência no espaço público, tão raro entre nós.
Os numerosos espaços públicos assim surgidos estão ocupados com relvados e jardins à volta dos percursos pedonais e, ao contrário do que é habitual em Portugal, não foram abandonados após a sua construção, surgindo todos eles verdes e cheios de canteiros com flores. Há quem repare neste aspecto e, notando o cuidado raro no tratamento de relvados, arbustos e flores, comente que as equipas de manutenção são praticamente todas elas femininas, o que explicará tal modo de acção.
Não se pense que houve gastos excessivos nos revestimentos dos percursos pedonais, todos eles realizados com materiais económicos, mas confortáveis, daí no texto desta crónica ter utilizado o termo eficiente. Várias ciclovias completam a oferta aos amantes da bicicleta.
Para além da praia que dispõe de apoios de grande qualidade, à semelhança do que se passa hoje em todas as nossas praias devido à competente acção das autoridades ambientais nos últimos anos, a Praia da Tocha oferece ainda uma zona de pinhal com a sua frescura, dotada de todos os apoios aos utentes que aí pretendam almoçar e passar uma tarde depois da manhã de praia.
Surpreendente pela qualidade de toda a sua organização, a Tocha é hoje uma pérola da nossa costa atlântica, bem longe do cenário do filme de Fernando Lopes, de que resta a pesca artesanal-arte xávega, num contexto diferente, mas bem merecedor da nossa atenção.

segunda-feira, 11 de julho de 2016

A morte à distância




A história da evolução do Homem encontra-se intrinsecamente ligada à guerra (quer se goste, ou não). Desde os primórdios da Humanidade que, quando algum grupo humano conseguia alguma vantagem tecnológica, logo se sobrepunha militarmente a outros grupos. Tudo começou com as lanças que chegavam mais longe do que as espadas, permitindo atingir os inimigos evitando o contacto directo. Seguiram-se as flechas que permitiram aos combatentes levar ainda mais longe as suas capacidades de eliminar os inimigos. Surgiram depois as máquinas de guerra, com lançamento de objectos pesados a grandes distâncias, destruindo inimigos, fortalezas e mesmo navios.
A distância a que os combatentes conseguiam atingir os inimigos sofreu uma mudança radical com a utilização da pólvora. Embora tivesse sido descoberta na China no século I, a sua utilização militar só se desenvolveu naquele país a partir do século X, após o que chegou a toda a Ásia e à Europa, tendo-se difundido a sua utilização a partir do século XIII. A partir daí surgiram as primeiras armas pessoais parecidas com as actuais espingardas e desenvolveu-se enormemente a artilharia, cuja capacidade foi evoluindo até aos gigantescos canhões utilizados pelos alemães na II Grande Guerra e aos tanques de guerra.
A II Grande Guerra foi ocasião para um desenvolvimento extraordinário do ponto de vista tecnológico, induzido pela necessidade de ultrapassar tecnicamente o inimigo. Se os vectores que já vinham da I Grande Guerra como os navios, os aviões e os próprios submarinos conheceram um salto qualitativo gigantesco, a novidade essencial foram os mísseis. 

As então chamadas “bombas voadoras” inventadas pela Alemanha, as V1 e, fundamentalmente as V2, levaram a morte e a destruição à Inglaterra, tendo os londrinos sofrido na carne durante anos os efeitos mortíferos desses primeiros mísseis.
Durante a “guerra fria” assistiu-se, essencialmente, à evolução dos mísseis, quer no respeita ao raio de acção, quer quanto ao armamento que transportam (designadamente nuclear) e à precisão de atingir o alvo. Passou a ser possível levar a morte e a destruição literalmente a qualquer ponto do globo terrestre.
Mas, perto do final do século XX, outra transformação fulcral aconteceu com a arte da guerra, com a chegada da cibernética. Começou pelas telecomunicações. É conhecido o episódio de um chefe de uma determinada organização terrorista no médio-oriente ter sido morto com o próprio telemóvel; o estado que combatia descobriu o seu número de telemóvel e, à distância, provocou-lhe uma avaria, o que levou o proprietário a levá-lo a ser reparado; na oficina foi introduzido um explosivo no aparelho e, quando o utilizou morreu numa explosão, não sem que antes uma chamada tivesse permitido verificar que o utilizador era de facto o alvo a eliminar.
A internet veio permitir todo um novo conjunto de alternativas para combate à distância, agora sem qualquer contacto físico. Há alguns anos, o Irão comprou um novo conjunto de alguns milhares de centrifugadoras para enriquecimento de urânio. Para descobrir, pouco depois de começarem a trabalhar, que tinham perdido o controlo sobre elas, que rodaram violentamente até se destruírem: o vírus Stuxnet tinha chegado pela internet e provocado a destruição do equipamento.
A guerra mais sofisticada e mais letal é hoje uma verdadeira guerra de computadores. As próprias redes sociais são um dos meios utilizados. O ISIS que tão bem tem feito uso das redes com fins propagandísticos, está a descobrir quão traiçoeira pode ser a sua utilização. Mais que um militante foi enganado por mensagens enganadoras que os levaram a locais onde esperavam encontrar-se com chefes para apenas irem de encontro à morte.
As forças armadas das potências mais poderosas possuem já ciber-departamentos dentro das suas organizações que, ao contrário do que se possa pensar ou mesmo do que aceitem revelar, têm alvos específicos e bem definidos, não servindo apenas de apoio de “intelligence” para os outros departamentos militares. A ligação do mundo inteiro pela internet veio oferecer uma nova via não detectável para enviar projecteis cibernéticos a qualquer parte do mundo, por mais escondido que pense estar.

 Se no local do alvo definido ainda será necessário utilizar uma arma clássica para atingir o fim pretendido, seja bomba ou uma bala, já não deverá faltar muito para que até isso seja alterado, se é que tal ainda não aconteceu.

segunda-feira, 4 de julho de 2016

“SOMME”, 1 de Julho de 1916




Não fora estar revestido com um relvado imaculado, o solo do local onde decorreu a cerimónia da passada sexta-feira mais pareceria um mar revolto assolado por forte tempestade. Entidades oficiais, militares e povo de França e Inglaterra homenageavam os mais de um milhão de soldados caídos na batalha do Somme iniciada em 1 de Julho de 1916, na I Grande Guerra e que durou até Novembro. O resultado da investida iniciada nesse dia contra as barreiras alemãs saldou-se, no fim da batalha, num avanço da frente aliada inferior a vinte quilómetros, uma perfeita inutilidade em termos militares. Para isso morreram todos aqueles soldados na que foi, provavelmente, a batalha mais mortífera da história da humanidade.
O presidente francês François Hollande, a família real britânica, o primeiro-ministro inglês e o ex-presidente alemão Horst Köhler participaram na cerimónia do centenário do início da batalha em que, só no primeiro dia, morreram mais de 20.000 soldados ingleses.
O solo remexido em inúmeras crateras é ainda hoje o resultado visível do bombardeamento sistemático das peças de artilharia. A guerra de trincheiras teve aqui o exemplo mais trágico da incompetência das chefias militares e da sua incapacidade de conciliar velhas tácticas com as novas armas, enviando sucessivas levas de soldados de infantaria para a morte certa.

Nesta batalha participaram de forma anónima várias personalidades, como Tolkien que posteriormente escreveu “O senhor dos Anéis”, o pai de Ann Frank e até o cabo Adolfo Hitler que foi aqui ferido por duas vezes. A I Grande Guerra, cujo início se deveu a circunstâncias que de modo nenhum justificariam o enorme conflito em que se tornou num tempo em que os chefes de Estado dos países europeus eram quase todos familiares próximos, provocou o encerrar de uma era histórica com o fim de quatro impérios. O seu fim coincidiu com o surgimento das grandes ideologias que vieram a desembocar todas elas em regimes ditatoriais sangrentos, qualquer que fosse o seu objectivo. O Tratado de Versalhes que lhe pôs fim, em vez de ser fonte uma paz duradoura, veio a estabelecer as condições para que um político como Hitler tivesse sucesso na Alemanha e viesse a arrastar toda a Europa primeiro, e o resto do mundo depois, para a Segunda Grande Guerra, que muitos consideram ter sido apenas a conclusão militar da primeira.
Depois da II Grande Guerra a Europa veio a conhecer um período de paz e posteridade, que dura há setenta anos. Ao longo deste período de tempo os países europeus foram-se aproximando, estabelecendo laços económicos, sociais e políticos num crescendo em fases sucessivas. Depois da queda do mundo soviético, muitos países do leste da Europa juntaram-se aos que já integravam a União Europeia, anterior CEE.
A dificuldade de organizar uma casa comum com esta dimensão e a incapacidade de muitos dirigentes europeus assumirem as suas responsabilidades com independência têm aberto a porta às críticas, muitas vezes justas, e que devem ser tidas em conta. Mas há outras que são apenas ideológicas, vindas da parte dos que tentam aproveitar as brechas para tentar acabar com a UE que nunca quiseram.
Os movimentos populistas, à esquerda e à direita, estão também a provocar confusão nos cidadãos que sentem dificuldades nas suas vidas, não entendendo muitas decisões, mormente a nível financeiro, e que ficam vulneráveis aos discursos oportunistas, tantas vezes difíceis de desmontar, porque escondidos em camadas de mentiras e meias-verdades para parecerem lógicos e verdadeiros.
O caos em que a Grã-Bretanha está mergulhada por estes dias é paradigmático desta situação. Depois do resultado do referendo para o chamado Brexit, verifica-se que os argumentos apresentados eram falaciosos quando não completamente falsos, que os defensores mais notáveis da saída não estavam minimamente preparados para as consequências do que propunham com tanto calor e ainda que muitos eleitores que votaram pela saída não faziam ideia do que estavam a decidir.
A Paz é um bem inestimável. É também condição necessária para o progresso e o bem-estar dos povos. A Europa, embora com muitas contradições e problemas, está a passar por um dos períodos mais longos da sua História sem guerra e é uma das melhores zonas do mundo para se viver. Os populismos diversos e nacionalismos que surgem em diversos países ameaçam colocar tudo isto em questão, pelo que é altura de cerrar fileiras e mostrar solidariedade entre todos.