segunda-feira, 6 de fevereiro de 2017

GUY FAWKES, hoje




 Havia dois anos que, pela primeira vez na sua História, a Inglaterra, a Escócia e a Irlanda tinham o mesmo rei, James I depois do falecimento da rainha de Inglaterra. A rainha Elizabeth I morreu sem filhos, tendo os ingleses aceite como seu rei James VI da Escócia por ser filho da sua familiar mais próxima, Mary rainha dos escoceses que assim se tornou o seu James I. Em 1605 preparava-se uma revolta católica contra James I que era protestante, tendo mesmo publicado uma versão própria da Bíblia. A acção fundamental da revolta seria o assassinato do rei e do Parlamento inglês através de uma grande explosão. Para tal foram colocados mais de trinta barris de pólvora nas caves do edifício do Parlamento, tendo ficado um soldado inglês católico chamado Guy Fawkes a guardá-los. Houve, no entanto, uma denúncia e Guy Fawkes foi capturado, torturado e executado juntamente com os outros conspiradores, de uma forma que se pretendeu que ficasse como exemplo dissuasor de futuras revoltas. A sua captura ainda hoje é celebrada todos os anos em 5 de Novembro com fogueiras e fogo de artifício na chamada “noite das fogueiras”. E também todos os anos, antes da abertura oficial do Parlamento, a guarda oficial da rainha faz uma vistoria prévia às caves do edifício, ajudando à memória de Fawkes e diria eu, não vá o diabo tecê-las.
Já nos nossos dias, no fim da primeira década do século XXI, surgiram por todo o lado manifestações com a utilização da máscara de Guy Fawkes que se tornou conhecida em todo o mundo. Os activistas do grupo “Anonymous” fizeram dessa máscara o seu símbolo e assim Guy Fawkes tornou-se no símbolo das manifestações “contra os governos”, dos “ocupas”, de apoio às “primaveras árabes”, etc. mas usada também por Julian Assange do WikiLeaks, com a vantagem de não ser possível identificar os manifestantes de rua através de fotografias ou filmes.

Mas como é que, depois de 400 anos Guy Fawkes, ou a sua máscara, saltou assim para as ruas? Nos anos 80 surgiu em Inglaterra a banda desenhada “V for Vendetta” em que o herói anarquista usava precisamente uma máscara de Fawkes. Em 2006 foi feito um filme sobre essa história, que terminava com uma multidão mascarada de Fawkes a ver o edifício do Parlamento britânico a explodir. Para ajudar, o site do grupo “Anonymous” fornece hoje a possibilidade de comprar uma série de máscaras de Guy Fawkes, mas também camisolas e outros artigos, amplamente utilizados nas manifestações.
Num tempo de pós-realismo, pós construtivismo, pós-estruturalismo, pós tudo e mais alguma coisa, até de pós-verdade, não deixa de ser curiosa esta utilização, como anti-herói, de alguém que durante quatrocentos anos foi utilizado festivamente de forma oposta e até ensinado às crianças inglesas como sendo o inimigo.
Estas manifestações fazem parte de um ambiente de recusa de valores e das construções sociais que a Humanidade foi levantando ao longo de séculos. Não surpreendentemente, este ambiente foi surgindo num Ocidente que atingiu um patamar de bem-estar generalizado nunca antes conhecido e que, com a globalização, se vê obrigado a ceder nalguns dos seus confortos, que se transferem como melhorias para milhões de pessoas noutras partes do mundo, bem mais atrasadas.
Muitas dessas pessoas olham hoje para a Europa e vêem um espaço de riqueza que pensam ser infindável e capaz de ser distribuída por muitos mais. Os refugiados que fogem de países permanentemente em guerra, governados por gente sem escrúpulos que amontoam enormes fortuna pessoais, sem liberdade sem futuro para as inúmeras crianças que lá nascem, tentam por todos os meios alcançar esse paraíso terrestre. Vêm do médio-oriente, mas também do norte de África e mesmo da África subsariana, metendo-se nas mãos de traficantes de pessoas sem escrúpulos que as roubam e, demasiadas vezes, as levam à morte certa.
Mas muitos chegam aos países que os acolhem para verem o sonho de partilha da riqueza transformar-se num pesadelo ao descobrirem que a pouca capacidade muitas vezes e a falta de vontade de acolhimento noutras, os faz viver de novo sem esperanças em campos de refugiados agora bem longe das suas terras de origem.

E, perante a chegada de tanta gente de fora, com referenciais sociais e culturais que entram muitas vezes em choque com o que foi conseguido em séculos, muitos cidadãos destes países sentem-se com razão preocupados e mesmo perdidos, receando pelo seu futuro e dos seus filhos. Até porque muitos refugiados trazem consigo o gérmen da intolerância religiosa e social, como a homofobia e o desrespeito pela mulher.
O caldo social é hoje em todo o ocidente favorável ao surgimento dos mais diversos extremismos e já estamos a ver as consequências, não sendo necessário apontar os exemplos. E a generalização da máscara de Guy Fawkes é bem o símbolo da destruição da sociedade ocidental, tal como a conhecíamos.

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