segunda-feira, 24 de abril de 2017

Aventuras impossíveis, tornadas realidade




A década de sessenta do século XX está ainda na memória de muitos de nós, naquilo que teve de negativo ou mesmo de perigos para a Humanidade, mas também nos grandes feitos conseguidos. Vivia-se um tempo de “guerra fria” entre dois blocos políticos armados até aos dentes, que foram tendo umas guerras “de teste”, normalmente em zonas periféricas. Foi o caso da guerra do Vietname que marcou tragicamente essa década com consequências que demoraram décadas a esbater-se na sociedade americana.
O caso dos mísseis de Cuba foi outro teste que por pouco não provocou o holocausto nuclear. O racismo prevalecente nos EUA teve nesses anos o início do fim, recordando-se Martin Luther King, Malcolm X, Elizabeth Eckford, Dorothy Counts e tantos outros heróis que afrontaram a injustiça que nesses tempos era Lei. Foi o tempo da construção do Muro de Berlim, da revolta da Checoslováquia, mas também do Maio de 68 em França, da explosão da música rock e do começo da libertação da Mulher com a pílula anticoncepcional.

Foi a década da grande aventura da exploração espacial. Depois da URSS enviar o primeiro homem ao espaço Yuri Gagarin, o presidente Kennedy estabeleceu a meta americana de pousar um homem na Lua e trazê-lo de volta à Terra, precisamente antes da década terminar. O que foi conseguido com a Apolo XI no dia 20 de Julho de 1969, feito que está firmemente marcado na minha memória com a transmissão directa na televisão a preto e branco.
A década que vivemos está também a ser marcada por acontecimentos marcantes, como o terrorismo global, a guerra na Síria, o ressurgimento dos nacionalismos de tão má memória, as crises financeiras globais, o medo das consequências da intromissão da cibernética em todos os aspectos da nossa vida, as alterações climáticas.
E no entanto….a aventura humana continua no espaço, embora a comunicação social esteja quase completamente alheada do facto. No próximo mês de Setembro vai acontecer o clímax daquilo a que os cientistas da NASA chamaram o “Grande Final” da missão Cassini ao planeta Saturno, aquele planeta gigante do nosso sistema solar, conhecido pelos seus anéis, no que foi a maior e mais complexa missão espacial até aos dias de hoje.
Terminando a sua última missão científica, no passado sábado dia 22 a nave espacial alterou a sua trajectória, dando início às últimas orbitas em redor de Saturno que culminarão num mergulho na atmosfera do planeta dos anéis em 15 de Setembro que ditará a sua destruição programada, levando também ao desaparecimento de alguma espécie de vida da Terra que ainda possa conter, a fim de evitar qualquer contaminação daquele planeta.
Ao contrário da missão Apollo de 1969 em que a ida da Terra à Lua demorou apenas 4 dias, na altura sentidos como muito longos, a missão Cassini começou há 20 anos, em Outubro de 1997 e só a viagem desde a Terra até entrar na órbita de Saturno durou 7 anos, tendo para lá chegar usado os impulsos gravitacionais de duas voltas a Vénus, uma à Terra e uma a Júpiter. No fim do ano de 2004, a nave Cassini enviou a sonda Huygens que pousou nos primeiros dias de Janeiro de 2005 na superfície de Titan que, sendo uma das luas de Júpiter, é maior que o planeta Mercúrio. A Huygens começou de imediato a enviar informações sobre esse planeta para a Terra. Assim se ficou a saber que Titan tem chuva, rios, lagos e mares, sendo a sua atmosfera rica em azoto, tal como se pensa que terá sido a atmosfera da Terra em tempos muito antigos.
A quantidade de informação obtida pela missão Cassini ultrapassou em muito aquilo que estava inicialmente previsto já que, originalmente, o seu fim ocorreria em 2008 mas foi possível prolongá-la em várias fases que ampliaram a sua duração.
A missão Cassini representou um esforço técnico e financeiro gigantesco e foi tornada possível pelo trabalho conjunto da NASA, da Agência Espacial Europeia e da Agência Espacial Italiana. Em concreto, a sonda Huygens que poisou na superfície de Titan foi projectada e construída na Europa e fica a marcar um feito extraordinário, por ser o primeiro artefacto humano a pousar num planeta do sistema solar exterior e daí enviar mensagens para a Terra.
Quer a missão Apollo, quer a missão Cassini são a prova da capacidade humana mas, acima de tudo, a demonstração de que ao contrário do que se possa vulgarmente pensar, mesmo em tempos conturbados e perigosos a Humanidade ainda é capaz de surpreender pela positiva, transformando sonho em realidade.


Sem comentários: