segunda-feira, 5 de junho de 2017

Coimbra, cidade europeia




Nestes tempos de evidente afastamento entre a Europa e os Estados Unidos da América, consequência das atitudes isolacionistas muito simples mas altamente simbólicas do novo presidente dos EUA, nada como revisitar George Steiner e a sua “Ideia da Europa” para daí retirar consequências práticas para a nossa vida sócio-política.
Quando tantos de nós nos sentimos algo perdidos, sem perceber bem o que se passa, descobrindo subitamente novos nacionalismos por todo o lado agarremos a oportunidade para olhar à nossa volta, reconhecer o que de bom existe no nosso passado sem saudosismos nem exclusivismos, perceber a essência de onde vimos, porque somos assim e relançar o futuro em coerência com a nossa História e o nosso presente.
Depois da Segunda Guerra Mundial a Europa, como aliás boa parte do resto do mundo, pareceu esquecer muito do seu legado cultural, esmagado pelo imediatismo das produções americanas de onde a beleza anda completamente arredada, fosse no cinema, na música ou na maneira de vestir e até de falar. Tudo ajudado pela língua “oficial” na nova cultura difundida pela internet, o inglês falado à maneira americana.
Mas a História da Europa a que pertencemos é rica em cultura, quer olhemos para as pedras/arquitectura, quer observemos as mais variadas manifestações artísticas, da música à pintura ou à literatura. Sem esquecer os usos e costumes e maneiras de viver.

As ruas das nossas cidades respiram história na sua génese e evolução ao longo dos séculos e mesmo na sua toponímia que recorda nomes ilustres da política, mas também cientistas, poetas, romancistas, músicos ou pintores. A sua escala é humana, ao contrário das cidades americanas construídas para se circular de automóvel, com as suas avenidas com dezenas de quilómetros de extensão.
Se quem me leu até esta linha se lembrou de Coimbra, tem toda a razão. Coimbra é uma cidade tipicamente europeia, com os seus monumentos medievais, alguns deles já construídos sobre outros edifícios muito mais antigos. As ruas estreitas desenvolvem-se num imbrincado orgânico em que a sua toponímia ainda há poucas décadas lembrava as profissões que se exerciam em cada um delas. Um antigo paço real foi transformado numa das universidades mais antigas da Europa e até existem cafés, os cafés que George Steiner também considerava uma das características mais profundas do viver europeu.
Nem será por a Unesco ter considerado boa parte da nossa cidade como Património da Humanidade, precisamente aquela que se relaciona com a Universidade, a Rua da Sofia/Sabedoria e os seus edifícios da Alta, antigos e modernos, que Coimbra passou a distinguir-se. Essa classificação apenas chama a atenção para algo que existe e é muito antigo e distinto. Na realidade, a Cultura é o que distingue Coimbra das outras cidades. Toda a relação entre as pedras, as personagens históricas e as suas vivências chegam até nós como um legado histórico mas cultural na sua essência, porque moldou aquilo que somos hoje.
A cultura é muitas (demasiadas) vezes encarada como a flor na lapela da governação, aos mais diversos níveis incluindo o municipal. Nada de mais errado. Antes pelo contrário, devemos ter consciência de que a área mais importante de uma autarquia como a de Coimbra é a da Cultura porque, muito para além de ser uma programadora de eventos sempre pontuais no tempo, deve catalisar a produção cultural da Cidade e ainda enformar toda a restante actividade municipal dando-lhe a característica diversa e claramente humanista da afirmação cultural. E o ensino superior de Coimbra deverá também olhar à sua volta e verificar como o economicismo e a tecnocracia o têm levado a ficar para trás no que toca ao ensino artístico. A Universidade criou há alguns anos a faculdade de Arquitectura, mas o ensino das Belas Artes e da Música a nível superior não pode continuar arredado de Coimbra, até porque não só Lisboa e o Porto o têm, mas também cidades como Aveiro ou Castelo Branco já deram esse passo.
Pela sua dimensão, Coimbra é uma cidade média europeia, sendo mesmo a única a sê-lo em toda a região Centro. Mas deve ter a ousadia, ou mesmo a coragem, de se afirmar também culturalmente como tal.

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