segunda-feira, 31 de julho de 2017

Dunquerque, Maio de 1940





O mundo mostrava que não estava minimamente preparado para a violência do novo tipo de guerra que a Alemanha nazi estava a começar a levar a toda a Europa. Depois de ocupada a Polónia em poucos dias e da sujeição da Dinamarca e da Noruega, os exércitos de Hitler entraram na Holanda e na Bélgica em 10 de Maio de 1940. Nesse mesmo dia Winston Churchill substituiu Neville Chamberlain à frente do governo britânico enquanto os alemães avançavam irresistivelmente pelo território dos dois países invadidos, encontrando fraca resistência à sua infantaria e aos seus panzers. Rapidamente a situação tornou-se desesperada do lado Aliado, o que levou Churchill a proferir as suas célebres palavras: “não tenho mais nada para oferecer além de sangue, suor e lágrimas (blood, sweat and tears). Prometeu ainda, naqueles momentos iniciais da guerra que eram já uma amostra do que estava para vir nos anos seguintes: “a minha política vai ser promover a guerra no mar, na terra e no ar, com toda a nossa energia e com toda a força que Deus nos der: promover a guerra contra uma tirania monstruosa, nunca ultrapassada no negro e deplorável catálogo dos crimes humanos”.

Em poucos dias os exércitos francês e britânico foram obrigados a recuar. A formação militar destes soldados era deficiente, pouco tendo evoluído desde a I Guerra Mundial, enquanto os exércitos alemães aliavam uma formação moderna a uma atitude bélica de uma violência sem limites. Nos arredores de Dunquerque, noventa e sete soldados ingleses que esgotaram as balas foram feitos prisioneiros de guerra e fuzilados pelas tropas alemãs que a seguir se certificaram da sua morte com uso de baionetas, num dos muitos crimes de guerra perpetrados pelas tropas nazis. A Força Expedicionária britânica recuou até ao mar, ficando a partir de 26 de Maio cercada em Dunquerque, não restando aos comandos britânicos mais nada do que tentar a evacuação dos soldados por mar. Começava aí um dos episódios mais marcantes da II Guerra Mundial, que durou oito longos dias e que permitiu a evacuação de um total de 338.226 homens das praias da costa norte francesa para a Inglaterra, naquilo que ficou conhecido como o “milagre de Dunquerque”.
A operação de resgate dos soldados aliados de Dunquerque teve o nome de Dínamo e revestiu-se de aspectos inesquecíveis. Por um lado, as tropas que ainda resistiam aos alemães à volta de Dunquerque foram de uma tenacidade e de um heroísmo total, para permitirem a continuação das operações de resgate dos seus camaradas. Por outro lado, as esquadrilhas de aviões ingleses davam tudo por tudo para evitar que a aviação alemã dizimasse no solo os milhares de soldados a aguardar transporte marítimo para Inglaterra.
Um total de 222 navios militares britânicos e franceses participaram no resgate das tropas sitiadas em Dunquerque, dos quais 10 foram afundados pelos alemães com perda de milhares de vidas.
Mas a operação Dínamo teve outro aspecto distinto de qualquer outra operação de resgate militar da História. Nela participaram 665 embarcações civis que responderam positivamente ao apelo de ajuda do governo britânico. Navios mercantes, mas também embarcações de pesca, rebocadores, salva vidas e centenas de pequenas embarcações de recreio juntaram-se à perigosa tarefa de recolher soldados nas praias de Dunquerque e de os transportar para a costa inglesa assim salvando, só por eles, cerca de 80.000 homens.

Mal se imagina o cenário dantesco deste resgate que, apesar de constituir uma derrota dos Aliados perante Hitler, acabou por ficar na História como a primeira desfeita do exército alemão que não o conseguiu evitar. Significou ainda uma primeira vitória da aviação britânica, numa antevisão do que viria a ser a Batalha de Inglaterra, ao abater mais de trezentos aviões alemães, contra uma perda de cerca de cem, nos céus de Dunquerque.
As centenas de pequenas embarcações de recreio, transportando soldados até não caberem mais, tantas vezes pilotadas por reformados e por velhos pescadores, no meio dos bombardeamentos aéreos e de artilharia e no mar alto alvo de navios de guerra e de aviões de mergulho constituem um símbolo poderoso da luta de David contra Golias em que este, mais uma vez, acaba a perder. E mostra como os povos, constituídos por pessoas simples sem serem sequer soldados, se podem erguer contra a violência e a barbárie.
Surgiu agora um filme notável sobre este resgate de soldados: Dunkirk, do realizador Christopher Nolan. O que se intuía mas apenas se podia imaginar sobre as dificuldades da operação e sobre o heroísmo anónimo de tantos surge na tela com um realismo notável, mostrando às gerações actuais como se faz um filme sobre guerra sem efeitos especiais e barulhentos mas com pessoas, com todas as suas expressões humanas de medo, de determinação ou apenas de exercício anónimo do cumprimento do dever, sem hesitações ou estados de alma.

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