segunda-feira, 4 de dezembro de 2017

Belmiro de Azevedo





A vida política ocupou de tal forma o espaço público em Portugal, que a vida económica parece ter sido relegada para um plano inferior de importância para todos nós. Tal situação é, em grande parte, consequência das dificuldades económicas do país que nos últimos 40 anos se traduziram, designadamente, em três pedidos de ajuda financeira ao exterior. Como é evidente, essas situações não foram causadas pela economia portuguesa e sim pela política, isto é, pelas asneiras, incompetência e vai-se agora sabendo, mesmo pela corrupção que grassa entre a classe política até ao mais alto nível.
O Estado, apesar da grande carga fiscal a que obriga os portugueses e as empresas, tem tido a capacidade de gastar mal o dinheiro dos impostos e essencialmente de o desperdiçar de forma muitas vezes inacreditável até para o senso comum, acabando por reflectir sobre todos o custo das suas más opções.
O que sustenta toda a máquina pública é o dinheiro gerado pelas empresas privadas, sejam pequenas, médias ou grandes. Tudo o resto, incluindo o chamado sector empresarial do Estado, vive exactamente do produto gerado por essas empresas. Isto é muito diferente de afirmar que o Estado não deva existir, antes pelo contrário. O Estado tem funções essenciais de soberania e de solidariedade e reequilíbrio social para com os seus cidadãos que necessitam de apoio, como a Saúde, a Educação e a Justiça. Os seus agentes têm é que respeitar o dinheiro dos impostos como resultado do esforço de muitos portugueses e não como um manancial de meios financeiros colocados à sua disposição para desperdiçar a seu belo prazer.
Tudo isto conhecia o Eng. Belmiro de Azevedo, que agora nos deixou, muito bem. Grande empreendedor, um dos maiores em Portugal, grande construtor de valor, nada o aborrecia mais do que ver certos políticos destruir o que ele, como muitos portugueses a outros níveis, constroem no dia-a dia das suas empresas. Como sempre se recusou a depender do Estado, fosse como fosse, dizia em público o que muitos calam, por de alguma forma terem que negociar com esse mesmo Estado.
O sem procedimento como investidor pautava-se pela independência, mas também por uma extrema exigência de rigor e competência em toda a cadeia de construção de valor, desde a decisão de investimento na base de estudos económico-financeiros rigorosos, até à exploração final dos estabelecimentos comerciais e industriais, passando pela fase da construção. Ao contrário do que sucede nos investimentos do Estado, na SONAE qualquer obra deve ser objecto de estudo minucioso nas suas alternativas até se encontrar a solução mais eficaz ao seu objectivo, gastando-se na fase do projecto aquele tempo que não se pode depois gastar na obra não cumprindo prazos. Tempo e dinheiro, já que as obras não podem custar mais do que o orçamentado. E a sua ordem de recusa de pedidos de corrupção para facilitar algum investimento ia de cima até abaixo no grupo.
A SONAE começou pelas fábricas de contraplacado de madeira e laminados, numa dimensão reduzida, ainda nos anos 70. Com Belmiro de Azevedo transformou-se no grupo gigantesco que é hoje, empregando mais de 40.000 pessoas. As lojas de distribuição, com o Continente à cabeça, mudaram para sempre o panorama do comércio em Portugal. Lembro-me bem das queixas que se ouviam sobre o papel dos distribuidores acusados de retirarem a maior fatia do valor dos produtos, em detrimento quer dos produtores, quer dos comerciantes. Ao alterar a cadeia, associando a venda à compra directa aos produtores, contribuiu de forma decisiva para baixar a inflação e impor profissionalismo na própria agricultura e pecuária do país.
Os hipermercados e centros comerciais tornaram-se na imagem de marca do grupo SONAE, tendo-lhe dado músculo financeiro para crescer em muitas outras áreas de negócio, desde o comércio às telecomunicações e à própria comunicação social, com o jornal Público. Mas há um ou dois aspectos da vida do grupo SONAE curiosamente pouco referidos na comunicação social que dizem muito sobre a visão empresarial do Eng. Belmiro. A sua ligação à indústria nunca se perdeu, antes pelo contrário. Em períodos longos de prejuízos das fábricas de contraplacados e MDF, em vez de se livrar delas, colocava a distribuição a pagar esses prejuízos até voltar o lado positivo do ciclo e aproveitar então para expandir a área industrial pela Europa, onde é hoje um dos grupos fabricantes de relevo. Por outro lado, preveniu o futuro do Grupo, preparando a sua sucessão de forma inteiramente profissional, como sempre fez na vida empresarial. Se hoje está um filho à frente dele, é porque foi considerado o mais capaz entre os gestores do grupo.
Durante toda a sua vida, o Eng. Belmiro nunca deixou de se actualizar no que diz respeito às técnicas de gestão e transformou o próprio Grupo numa grande escola de gestão, mas resistindo às tentações de enveredar pela finança espulativa, não vendendo empresas produtivas para transformar em participações financeiras. Assim contribuiu sempre, ao mais alto nível, para o desenvolvimento económico do país. E o reconhecimento desse valor para o país é, penso eu, a maior homenagem que, merecidamente, se lhe pode prestar.

Sem comentários: