sábado, 6 de fevereiro de 2010

O MUNDO ESTÁ (CONTINUA) PERIGOSO

A semana que agora acaba começou com o caso Mário Crespo, se é que ainda se lembram. Continuou com a triste peleja sobre as contas da Madeira. Seguiu-se um Conselho de Estado que terminou cinco horas depois com um comunicado sibilino e ininteligível ( aquilo dá direito a senhas de presença?).
A seguir Portugal ficou de repente famoso lá fora. Começou com as agências de rating, com as primeiras páginas dos maiores jornais de negócios do mundo e com os comentários do Comissário Almunia.
Logo de seguida, a Bolsa deu duas quedas seguidas impressionantes.
Na "casa da democracia" a oposição obrigou o Governo a pagar as contas de Alberto João Jardim e o ministro das Finanças reagiu em conformidade em directo na tv: não concordamos, logo não pagamos. Ai se os portugueses descobrem e levam à letra esta mensagem.
Para terminar a semana em beleza, o jornal Sol publica os despachos do Procurador e do Juiz de Aveiro sobre a Face Oculta, contendo trechos das escutas. Já sabemos que o presidente do STJ declarou tudo nulo e o PGR estabeleceu não haver indícios de crime.
Mas ficámos a saber o que se vê quando se olha para o interior mais interno do regime e não é nada bonito.

terça-feira, 2 de fevereiro de 2010

segunda-feira, 1 de fevereiro de 2010

De Maria Filomena Mónica

Quem me dera saber escrever assim.

No próximo sábado, em Coimbra

Os incêndios

Não devias empurrar fogo tão solitário
sob os umbrais de uma morada
nos carreiros que vão dar aos montes
sairás ainda em súplica
quando os incêndios ignorarem a ameaça
da tua vassoura de giestas

a sombra uma vez avulsa
não retorna a mesma

não despertes o que não podes calar


José Tolentino Mendonça*
Longe não sabia, in A noite abre meus olhos [poesia reunida]

Assírio & Alvim (2006)



PAÍS A DUAS VELOCIDADES


Fala-se muito por aí da necessidade de escolher um novo modelo de desenvolvimento para Portugal, como se tivéssemos um. Na verdade, o que hoje temos é o resultado da soma de voluntarismos governamentais diversos e da tomada do Estado por interesses corporativos e grupos de pressão.

Uma das características deste estado de coisas é uma evidente falta de coerência espacial e temporal do suposto modelo de desenvolvimento. Os voluntarismos descoordenados levaram a que se verifique uma coexistência de vários ritmos no mesmo espaço geográfico, isto é, realidades dentro de um mesmo país a circular a velocidades muito diferentes. Vemos essa disparidade nas nossas estradas, para dar um exemplo simples do quotidiano para todos os cidadãos. A melhoria da rede viária e a evolução tecnológica dos automóveis não foi acompanhada por uma adequada preparação da formação de grande número dos automobilistas. Como resultado, assiste-se permanentemente a situações que se poderiam considerar caricatas, se não fossem sempre potencialmente perigosas pelo meio em que se verificam: automobilistas que entram em sentido contrário nas auto-estradas, que param no meio da via sem qualquer sinalização, que andam perdidos pelas rotundas, etc.

Mas, de vez em quando, situações muito mais graves vêm denunciar o tal país a várias velocidades. Há poucos dias, um deslizamento de terras encerrou ao trânsito uma auto-estrada junto de Lisboa, a chamada CREL, provocando uma situação que se prevê durar várias semanas. A empreitada é simples: estima-se que seja necessário retirar de 500 a 600 mil metros cúbicos de terras, o que está a ser feito por 60 camiões a trabalhar 24 horas por dia. Isto é, enquanto uma moderna infra-estrutura era aberta à circulação viária, assegurando o escoamento de mais de 40.000 veículos por dia, ao lado foi-se fazendo um aterro sem qualquer controlo. O tal outro país, meio subterrâneo e eventualmente clandestino embora à vista de toda a gente, mais uma vez invadiu e ocupou espaço do país que circula à velocidade europeia.

A troca pública de acusações e de atribuição de responsabilidades entre as diversas entidades envolvidas é lamentável, pondo a nu as fragilidades do Estado perante as “espertezas” de alguns. E não se diga que a culpa é da falta de regulamentações: a execução de aterros é das actividades mais exaustivamente reguladas, e existem diversas entidades com competências sobre a matéria. Evidentemente que quem não tem culpa nenhuma são os automobilistas, que se vêem privados da utilização de uma estrada importante e diariamente arcam com mais custos em tempo e distância percorrida entre as suas casas e o trabalho.

Claro que se pode olhar para este caso como apenas mais uma consequência de um inverno rigoroso, como alguns tentam "vender" o sucedido. Não nos deixemos enganar. Há um país subterrâneo que vive e muitas vezes sobrevive sob uma capa fina de modernidade que se rompe à menor contrariedade: não nos esqueçamos da ponte de Entre-os Rios, desastre que acabou por não ter quaisquer responsáveis.

Com estes exemplos, uma pessoa fica a pensar que, realmente, mais valia sermos capazes de construir um país coerente e sem desfasamentos físicos e temporais, embora eventualmente a uma velocidade um pouco mais baixa, mas em segurança, isto é, em que as infra-estruturas construídas são fiáveis, não passíveis de invasões externas e com custos de manutenção perfeitamente garantidos durante toda a sua vida útil.

Publicado no Diário de Coimbra em 1 de Fevereiro de 2010