segunda-feira, 29 de março de 2010

A CIGARRA E A FORMIGA


As últimas duas semanas têm sido pródigas em espectáculos verdadeiramente indecorosos na União Europeia, que só vêm demonstrar o que aqui tenho repetidamente escrito sobre a liderança da União e a situação perigosa que pode vir surgir a breve prazo.

A situação calamitosa das contas públicas da Grécia é conhecida, e não vale a pena estar a falar muito nisso. Ainda por cima é relativamente pacífico que os seus responsáveis governamentais andaram durante anos a enganar deliberadamente as instâncias financeiras internacionais sobre a verdadeira situação das suas contas públicas.

Vem agora o Governo Grego, nomeadamente através do vice-primeiro ministro Sr. Theodoros Pangalos, acusar a Alemanha de ser responsável pelo estado das finanças gregas e exigir aos alemães que passem o cheque da estabilização financeira grega. Chegou ao ponto de tentar chantagear os alemães pelo sucedido na Segunda Guerra Mundial, o que, convenhamos, não deverá ser a melhor maneira de os convencer, depois de Konrad Adenauer, Willy Brandt, Helmut Schmidt e Helmut Khol, alguns dos chanceleres que antecederam Angela Merkel, terem trazido a Alemanha para o concerto das nações democráticas, ao mesmo tempo que recuperavam a economia alemã de uma forma espectacular no pós guerra.

Curiosamente, esta posição não é novidade. Há poucos dias, um ministro francês veio igualmente de forma deplorável acusar a Alemanha de ser responsável pelos problemas deficitários de boa parte dos países europeus.

Pelo seu lado, o presidente da Comissão Durão Barroso tem vindo a vincar a necessidade de a Alemanha participar fortemente no plano de ajuda à Grécia, no que não tem tido grande sucesso.

E qual a razão apresentada por tantos responsáveis europeus para esta hostilidade em relação à Alemanha actual? É simultaneamente muito simples e muito complexo: a Alemanha está presentemente com um excedente de balança comercial, isto é, exporta mais do que importa. Os parceiros europeus tentam impor ao Governo alemão políticas que promovam o consumo interno e portanto, que gastem mais. Exactamente o contrário do que os alemães, com grande sacrifício, fizeram nestes últimos dez anos, o que levou à recuperação da economia alemã e à situação que hoje vivem as suas finanças públicas. É bom lembrar que a Alemanha se viu obrigada, no início da década, a rever os sistemas de mercado de trabalho e de segurança social, retirando regalias aos trabalhadores alemães. As próprias empresas e sindicatos acordaram reduções de salários. Enquanto no resto do mundo, designadamente em França e em Inglaterra os custos salariais foram crescendo sempre perto de 1%, na Alemanha esses custos reduziram-se em 1,4% ao ano. O resultado foi que a produtividade alemã se afirmou perante os outros países, permitindo que as suas exportações crescessem, sendo ainda hoje o segundo maior exportador mundial, depois da gigante China.

Não é de espantar, pois, a resistência alemã a ajudar os seus parceiros europeus já que estes, como aconteceu com a Grécia, gastavam à tripa forra, enquanto os alemães passavam por sacrifícios e poupavam. Em suma, a velha história da cigarra e da formiga, que todos conhecemos.

É evidente que a Alemanha se encontra integrada na zona Euro e que sendo a sua economia o motor da Europa pela sua competitividade, qualidade e dimensão dificilmente se poderá alhear dos problemas dos parceiros. Mas não é com atitudes tontas e insensatas como as que temos visto nas últimas semanas por parte de responsáveis europeus que lá vamos. É inteiramente compreensível e até justo que os alemães exijam garantias fortes ao resultado da aplicação do seu dinheiro que tanto trabalho lhes deu a ganhar, e isso deve ser tido em conta.

Publicado no Diário de Coimbra em 29 de Março de 2010

segunda-feira, 22 de março de 2010

AS MULHERES VALEM CADA VEZ MENOS


O leitor desculpará o título deliberadamente provocatório desta crónica. Ainda por cima, duas escassas semanas depois da celebração do “dia internacional da Mulher.

Nas nossas sociedades de matriz judaico-cristã, a Mulher tem sido olhada de uma forma que tem evoluído imenso ao longo dos séculos, no sentido de um respeito cada vez maior pela Igualdade, que se acrescenta, e bem, à tradicional veneração à Mulher enquanto tal. Há hoje, entre nós, um sentimento generalizado de que homens e mulheres devem ser respeitados de forma semelhante, tanto na sociedade em geral, como no mundo do trabalho, em particular. Embora ainda persistam injustas diferenças de pagamento diferenciado por trabalho igual entre homens e mulheres em muitos sectores, a necessitar de correcção, a situação é hoje muito mais equilibrada do que há uns anos. Isto reconhecendo que homens e mulheres são diferentes, residindo na sua complementaridade a riqueza da humanidade.

Como escrevi acima, estas considerações referem-se ao nosso mundo e, se os problemas ainda existentes nos parecem graves e complexos, eles serão mínimos se tivermos em consideração o que se passa em outras partes do mundo.

Não me vou referir ao mundo muçulmano com referências às célebres “burkas”, nem às práticas de mutilação genital feminina praticada em algumas partes de África. Não que isso não seja grave e inadmissível, porque o é sob todos os pontos de vista, mas já vai sendo conhecido e motivo de atenção generalizada. Nos últimos dias foi conhecida outra situação de discriminação em relação às mulheres que ultrapassa muito aquelas em gravidade.

O actual crescimento económico em vários países asiáticos, associado a tradições que não se perdem senão em várias gerações está a ter um efeito devastador sobre as mulheres, ainda pouco conhecido e muito menos discutido. O que se trata é de um verdadeiro e infame “generocídio” das mulheres de uma dimensão assustadora.

Em muitos países do oriente, mas mais particularmente na China, houve desde sempre uma valorização maior dos homens do que das mulheres, o que leva a que os bebés do sexo masculino sejam muito mais bem-vindos do que as meninas. A prática de matar meninas recém-nascidas era relativamente frequente e foi mesmo patrocinada pelo Estado, mas, apesar de tudo, não generalizada por motivos óbvios: não há dúvidas para ninguém que um bebé acabado de nascer é uma pessoa real e não um mero “ser humano em potência”.

Ora, hoje em dia a tecnologia permite saber muito cedo se o futuro bebé é do sexo masculino ou do sexo feminino. As ecografias são baratas e, fruto do desenvolvimento económico daqueles áreas, disponíveis para um maior número de pessoas. Por outro lado, mantém-se uma política de filho único. O resultado é que, se o casal só pode ter um filho, prefere que seja rapaz. Para isso, não há qualquer problema em se irem fazendo abortos sucessivos até se conseguir o objectivo de gerar um menino. Se o leitor julga que estou a exagerar e a fazer campanha contra o aborto, desengane-se. Estou antes a defender o fim de uma autêntica mortandade de mulheres, que já se conta em centenas de milhões. Os números não mentem.

No fim dos anos oitenta, a relação entre nascimentos de meninos e meninas na China era de 108 para 100. De acordo com os especialistas esta pequena diferença está pouco acima do que seria de esperar, porque a mortalidade infantil dos rapazes é naturalmente superior à das meninas, por aqueles serem mais frágeis, havendo assim uma compensação natural para esse facto. No princípio da actual década, essa relação era já de 124 para 100, havendo zonas da China em que actualmente atinge os 130 para 100. Se o leitor tem uma ideia da população chinesa, pode facilmente chegar àquele número assustador que justifica a designação de “generocídio”.

E o problema está a alastrar. Esta evolução demográfica destruidora das mulheres já não é exclusivo da China, sendo hoje em dia claramente perceptível em vários países asiáticos como Taiwan e Singapura, mas também começa a chegar perto de nós, a países como a Sérvia e a Bósnia, para além da Índia, da Arménia, do Asserbeijão e da Geórgia, por exemplo.

Trata-se de uma questão até agora escondida, que deveria ser encarada de frente por todos os defensores dos direitos humanos e dos da Mulher em particular.

Publicado no Diário de Coimbra em 22 de Março de 2010

terça-feira, 16 de março de 2010

segunda-feira, 15 de março de 2010

SHAME ON YOU

Santana Lopes organizou um Congresso, supostamente para promover a salutar discussão interna no PSD. No fim, percebeu-se que era o ressentimento que o orientava e propôs aquela parvoíce da "Lei da Rolha" que acaba por ser a única marca visível do Congresso. A mim nunca me enganou, mas consegue surpreender sempre...pela negativa. Faço votos que ainda lhe caia em cima.

ONDE PÁRA A EUROPA?


A crise económica portuguesa que, para falar verdade, já não sei bem se é sistémica ou conjuntural, leva-nos frequentemente a esquecer o ambiente externo. Felizmente para todos nós, Portugal está hoje inserido naquilo a que se poderá chamar com propriedade um clube de ricos, que é a União Europeia. Mas como muitos clubes desse tipo, a União Europeia tem tiques de aristocracia falida com alguma incapacidade de acompanhar as mudanças do mundo e mesmo de as compreender.

A União Europeia tem definido objectivos irrealistas acompanhados por belos slogans, dando a entender que é muito sofisticada e ambiciosa, mas falhando de forma sistemática e completa na sua concretização prática. Relembro, a propósito, a “Agenda de Lisboa”, que apontava para que a economia europeia fosse a mais competitiva do mundo em apenas dez anos, através do conhecimento. Os resultados são hoje evidentes: a Agenda falhou, clamorosamente.

A Comissão Europeia, consciente do fracasso, ensaia agora uma fuga para a frente, abandonando a estratégia da Agenda de Lisboa e inventando a Estratégia 2020, baseada nas novas condições de governação da União trazidas pelo Tratado de Lisboa. A Comissão Barroso aposta claramente num governo económico comum que trabalhe a par com o Pacto de Estabilidade e Crescimento, o que não parece muito viável, pela oposição da Alemanha pouco interessada em pagar pelos erros dos outros, como se está a verificar com a Grécia. Mais uma vez a União aponta objectivos ambiciosos que ninguém no seu juízo perfeito poderá achar maus: criar 5,6 milhões de empregos, passar o investimento em I&D de 1,9% para 3% do orçamento, reduzir as emissões de CO2 em 20%, reduzir a pobreza em 20 milhões e aumentar a população com estudos universitários de 31% para 40%. Entretanto, enquanto o dirigismo europeu continua alegremente o seu caminho, o “mundo pula e avança” como disse o poeta. E não espera pela ainda rica Europa. À saída da recente crise, prevê-se que este ano os EUA cresçam uns 3%, a China 10% e a Índia 8,5%. Quanto à Europa, a previsão, se a coisa correr bem serão uns somíticos 1,5%, ainda assim bem melhores do que os portugueses 0,5.

A nova governança da Europa na sequência do Tratado de Lisboa tem-se traduzido por falhanços espectaculares, como foi o caso da recente conferência do clima em Copenhaga. Como é hábito, a União Europeia foi para lá armada com grandes objectivos, tentando impor a sua experiência ao resto do mundo. Como resultado, ficou a falar sozinha, tendo-se estado muito perto do falhanço total das negociações. Face ao eminente fracasso, Obama reuniu com os representantes do Brasil, Índia e África do Sul, para dar a volta à situação. O que saiu daquela sala foi a humilhação da União Europeia, que teve que prescindir de tudo o que pretendia e aceitar o que lhe impuseram.

O relacionamento com a América de Obama anda também pelas ruas da amargura, tendo este já adiado a cimeira que chegou a estar prevista para Espanha em Maio. Hoje em dia, um líder mundial não europeu tem ainda mais dificuldade do que antes do Tratado de Lisboa em saber para quem ligar o telefone em nome da União Europeia, usando a famosa imagem de Kissinger. Tem de facto muita gente à escolha: o Presidente da Comissão Durão Barroso, o Presidente do Conselho Van Rompuy, o Presidente rotativo Zapatero, o Presidente do Parlamento Jerzy Buzec ou a Representante para os Assuntos Externos Catherine Ashton. Isto claro, para não falar em quem efectivamente manda, porque paga boa parte da conta, a chanceler alemã Angela Merkel.

Para o resto do mundo, a imagem é a da capa da revista Time de há poucas semanas: um mapa do mundo de onde desapareceu a Europa. Espera-se que os dirigentes europeus sejam capazes de nos surpreender pela positiva mas, sinceramente, não tenho grandes esperanças em que isso aconteça, olhando para aqueles nomes e para o lento e talvez inexorável caminho de descredibilização e falta de competitividade face ao resto do mundo que se tem verificado.

Publicado no Diário de Coimbra em 15 de Março de 2010

sexta-feira, 12 de março de 2010

Evangelho do Dia



(Mc 12, 28b-34) Naquele tempo, aproximou-se de Jesus um escriba e perguntou-Lhe: «Qual é o primeiro de todos os mandamentos?» Jesus respondeu-lhe: «O primeiro é este: ‘Escuta, Israel: O Senhor, nosso Deus, é o único Senhor: Amarás o Senhor teu Deus com todo o teu coração, com toda a tua alma, com todo o teu entendimento e com todas as tuas forças’. O segundo é este: ‘Amarás o teu próximo como a ti mesmo’. Não há nenhum mandamento maior que estes». Disse-Lhe o escriba: «Muito bem, Mestre! Tens razão quando dizes: Deus é único e não há outro além d’Ele. Amá-l’O com todo o coração, com toda a inteligência e com todas as forças, e amar o próximo como a si mesmo, vale mais do que todos os holocaustos e sacrifícios». Ao ver que o escriba dera uma resposta inteligente, Jesus disse-lhe: «Não estás longe do reino de Deus». E ninguém mais se atrevia a interrogá-l’O.

terça-feira, 9 de março de 2010

Pérolas

Algumas frases do actual presidente brasileiro Lula e da sua candidata Dilma (retiradas da revista Veja, de onde haveria de ser?):

"Se uma mulher é capaz de parir um político, por que também não é capaz de parir uma administração mais competente do que o político que ela conseguiu colocar no mundo?"

Lula, preparando o lançamento da candidatura de dona Lindu a presidente do Céu.


"Esse hospital é uma homenagem à vida. Esse hospital é um avanço. Porque esse hospital mostra que a mulher pode ser atendida com qualidade. É impressionante o que tem dentro do hospital, tanto no sentido de equipamento, né? De garantia que tanto a mulher, como a criança ao nascer vão ser atendidas, mas também a delicadeza que tem dentro do hospital no sentido de garantir que ele seja simples. Porém, você está num lugar humano, num ambiente em que tudo foi feito".

Dilma Rousseff, no comício na Baixada Fluminense, explicando que um hospital tem médicos, atende também a mulheres e crianças e, sempre que possível, tenta evitar que os pacientes morram.


"Ainda vi esses dias o que é a subserviência, quando veio a Hillary Clinton… é engraçado que a imprensa queria saber 'se o senhor vai tratar de tal assunto' com a Hillary Clinton. Não, quem vai tratar é o ministro Celso Amorim. Eu vou recebê-la numa deferência, porque o Celso Amorim pediu para recebê-la, mas a conversa é de ministro para ministro… quando for o Obama, e espero que ele vem ainda esse ano, aí eu converso".

Lula, ao revelar que topou receber Hillary Clinton para atender a um pedido de Celso Amorim



"Eu, se pudesse, na hora que eu viajasse para o exterior, eu fazia um rosário das frutas brasileiras. Eu levaria todas as frutas nordestinas, que ainda são pouco conhecidas, até em São Paulo. Levaria graviola, levaria pinha, tudo pendurado no pescoço, para mostrar lá. Porque as frutinhas deles são bem mixurucas diante das nossas, são mirradinhas. Eles são tão grandões, mas as frutinhas são tão mirradas, têm tão pouco caldo, que… E o Brasil tem um espaço".

Lula, capturado por Thuya durante a entrevista a emissoras de rádio de Juazeiro e remetido ao Sanatório com a seguinte observação da comentarista: "Já ouvi a expressão 'se você quer aparecer, pendure uma melancia no pescoço'. Mas um rosário?"



"Depois, você tem a eólica. A eólica, a Dilma é especialista, porque passou um ano medindo um vento lá em Osório para construir a primeira usina eólica do Brasil, que foi lá em Osório, no Rio Grande do Sul".

Lula, capturado por Thuya durante entrevista a emissoras de rádio da região de Juazeiro e remetido ao Sanatório com as seguintes observações da comentarista: "A Dilma passou um ano medindo um vento? Como é que a anta fez a medição? Deve ter corrido atrás do vento com um fita métrica".



"É verdade que a Rocinha deve ter algum bandido. É verdade que no Pavão-Pavãozinho deve ter algum bandido e no Complexo do Alemão também, mas quem disse que não tem bandido naqueles prédios chiques em Copacabana? Quem disse que não tem bandido em outros lugares desse país?"

Lula, em comício na Rocinha



"Assim como o povo americano elegeu Obama, elegeu um negro, e nós votamos aqui a lei de cotas raciais, é um claro sinal de que o Brasil está preparado para ser governado por uma mulher".

Jorge Picciani, presidente da Assembleia Legislativa do Rio,



"O Sérgio, depois de muitos anos, é o único governador que pensa carioca, age carioca e fala como se fosse carioca, tendo alma de carioca".

Lula, durante discurso na Favela da Rocinha, 



NOTA: Isto é aprendermos a não nos rirmos demasiado do que temos

Música do momento

segunda-feira, 8 de março de 2010

A TERRA É DO HOMEM?


Mais um grande sismo com consequências trágicas veio perturbar a convivência do Homem com o planeta que habitamos, a Terra.

A relação da humanidade com a natureza tem variado muito ao longo dos séculos. A evolução do conhecimento científico, principalmente nos últimos cem anos, tem vindo a recolocar o Homem no Ambiente que o rodeia, trazendo humildade para o lugar da arrogância criada pelo iluminismo e pelo racionalismo.

Mas a Humanidade continua a considerar a Terra como sua propriedade e como se estivesse aqui para seu usufruto completo e para sempre.

Os próprios conceitos de Ecologia e de desenvolvimento sustentável têm ainda, muito frequentemente, o Homem como medida de todas as coisas e na prática, ainda considerado como centro do Universo, quando o que está em causa é todo o Ambiente em que o Homem se deveria inserir em harmonia com tudo o que o rodeia E não se conclua que esta visão é contra o progresso da humanidade, longe disso.

Ainda assim, para além dos estragos que o Homem provoca na Natureza, o pior é esquecermo-nos do nosso papel minúsculo no Espaço em que a Terra evolui e no Tempo de que a existência da Humanidade é um período de quase nada, mesmo tendo em consideração apenas a Terra.

A ciência do século XX veio esclarecer muito do que se passa na Terra e que provoca os sismos. Aos nossos olhos, os continentes e oceanos parecem bem delimitados e que sempre ali estiveram e para sempre estarão. Nada de mais errado. Já há vários séculos que alguns mais atentos observaram semelhanças geométricas entre as costas de África e da Europa com as costas das Américas, o que levantava a hipótese de algures no passado ter havido um continente que se teria rompido, tendo-se as partes resultantes afastado e o espaço no meio sido ocupado pelo oceano. Era a teoria da deriva dos continentes, que levou à consideração de primeiro continente único, a Pangea.

Só no século XX a instrumentação científica desenvolvida veio permitir conhecer melhor a constituição física e química da crosta terrestre e a evolução da litosfera terrestre, tendo-se desenvolvido a teoria da tectónica de placas. Através desta teoria, considera-se hoje que as placas terrestres que constituem a litosfera como que flutuam sobre o manto, mais profundo e viscoso. Nas zonas de contacto entre estas placas tectónicas em movimento criam-se tensões gigantescas que de vez em quando têm que ser libertadas, originando os tremores de terra. Trata-se de fenómenos a uma escala que o Homem não domina, e dificilmente virá a prever com exactidão quando e onde acontecerão.

Não vale a pena culpar Deus por estes acontecimentos. Eles já se verificavam antes de existir a Humanidade e continuarão certamente a verificar-se após o seu desaparecimento. Deus tem mais que fazer a ajudar-nos por dentro a todos e cada um de nós, do que provocar catástrofes naturais.

No estado actual da ciência, sabe-se no entanto com exactidão quais são as zonas de contacto entre as placas tectónicas e portanto, quais os locais de maior probabilidade de ocorrência de sismos de grande envergadura.

O que podemos fazer é evitar ocupar os locais mais perigosos e adoptar medidas de prevenção adequadas a cada zona. O Chile está precisamente numa dessas zonas mais perigosas, o conhecido anel do Pacífico.

A nossa capital, Lisboa, está também localizada numa zona de alguma perigosidade, como aliás o mostrou o terramoto de 1755, um dos mais mortíferos de que há conhecimento. Segundo a lei das probabilidades, mais cedo ou mais tarde irá verificar-se um novo grande terramoto no nosso país, pelo que não é ser catastrofista ter essa hipótese em atenção. E a nossa proverbial falta de planeamento e de cultura de prevenção aliadas a uma atitude de deixar andar e ligar apenas ao dia-a-dia não será certamente a melhor ferramenta para prevenir as suas consequências.

Publicado no Diário de Coimbra em 8 de Março de 2010

segunda-feira, 1 de março de 2010

SERIEDADE E RESPEITO NA POLÍTICA, PRECISA-SE


Como penso que acontecerá com a esmagadora maioria dos militantes do PSD, também eu observo com atenção o que se diz e escreve pelo lado das diversas candidaturas. A independência pessoal sem enfeudamentos que sempre defendi é crucial para permitir fazer as escolhas nas alturas em têm que ser feitas que, em minha opinião, dependem dos próprios candidatos que se apresentam a votos e das suas propostas, bem como das circunstâncias das candidaturas e das pessoas que os acompanham.

Entendo as campanhas eleitorais pela positiva, o que se aplica igualmente ao interior dos partidos. Claro que, com a minha idade, já não sou ingénuo ao ponto de me convencer que as campanhas não têm sempre um lado escondido, ou mesmo negro. Não esqueço o célebre comentário de Churchill, esse grande político e fazedor de frases geniais que um dia, em pleno Parlamento Britânico, elucidou um sobrinho de que os seus inimigos estavam na sua própria bancada, já que do outro lado estavam adversários.

Ainda a campanha interna do PSD não começou formalmente e já se vê ser utilizada a mais desgastada das armas políticas que existe em Portugal que é a de acusar um candidato que não se apoia de direitista, juntando-se-lhe ainda o epíteto de populista. Não fica bem, dentro de um partido como o PSD fazer isto, acho eu.

Quando vejo situações destas lembro-me sempre de Francisco Sá Carneiro e da sua luta para tirar o país da deriva esquerdista onde o PREC o colocou para nossa desgraça colectiva. Desde os congressos em que sucessivas “alas à esquerda” o iam tentando atirar pela borda fora até aos célebres “Inadiáveis” que lhe tiraram quase metade do grupo parlamentar antes da formação da Aliança Democrática, essa perigosa aliança que iria fazer o país “voltar ao fascismo”.

Lembro-me ainda da tentativa gorada de criação da Alternativa Democrática por parte de Marcelo Rebelo de Sousa, violentamente combatida no interior do partido como cedência a uma direita dura de Paulo Portas, exactamente pelos mesmos que logo a seguir às eleições se foram aconchegar nos braços do PP.

Seria muito melhor que se discutissem as ideias e as propostas concretas dos outros companheiros que se apresentam a votos, sem chavões que apelem a instintos primários nem falsos papões.

A conjugação das velhas teses de que as eleições se ganham ao centro e de que basicamente as eleições se perdem mais por quem está desgastado no poder do que se ganham pela afirmação de alternativas claras, tem conduzido a um pântano político e ideológico de que o beneficiário será sempre o Partido Socialista, desde que se distancie o suficiente da esquerda clássica em termos de políticas económicas.

Historicamente, o PSD foi forte e teve sucessos eleitorais quando se assumiu como personalista e reformista, sem medo e complexos de assumir as expectativas de um eleitorado que vê na Liberdade um bem maior do que a Igualdade.

Vir neste ano de 2010 classificar militantes do seu partido como de direita, verdadeiros social-democratas ou liberais será, no mínimo desajustado e menos respeitador para com os companheiros e, no limite, uma atitude que releva de alguma arrogância, já que o cargo de classificador ideológico não consta de nenhum regulamento ou estatuto.

O estado do nosso país é suficientemente grave para que se deva evitar que a discussão interna no PSD resvale para níveis impróprios, sob pena de o partido se tornar definitivamente irrelevante para o país. Faço notar, com veemência, que todo o país está de olhos postos nesta eleição, pelo que as responsabilidades dos contendores são gigantescas.

Caros companheiros de partido peço-vos, por favor, e dirijo-me principalmente aos mais responsáveis porque mais formação intelectual e académica possuem, que evitem manipulações fáceis e gratuitas que criam divisões artificiais. Não se esqueçam de pensar no dia seguinte às eleições, isto é, na responsabilidade que terão perante o país que vos olhará com a expectativa e esperança de poder haver finalmente uma alternativa política clara e assumida para a governação do país.

Publicado no Diário de Coimbra em 1 de Março de 2010