terça-feira, 31 de maio de 2011

Ouvir Mahler

Passam nestes dias cem anos sobre a morte de Gustav Mahler. A ouvir na Antena 2.

segunda-feira, 30 de maio de 2011

ESPERANÇA

Maria Ligeira não se sentia bem. Já há uns meses que tinha aquela sensação algo indefinível na barriga. Resolveu fazer uma consulta a um médico amigo e simpático. Quando vieram os exames, o médico achou por bem não lhe anunciar o verdadeiro mal de que Maria Ligeira sofria. Disse-lhe que era apenas um desconforto que teria a ver com a idade e com o clima e que deveria melhorar com melhores temperaturas e menos chuva. Conviria era tratar do seu amor-próprio, ir-se arranjando e pondo-se bonita, que logo ficaria melhor sem necessidade de tratamentos especiais. Como as melhoras não chegavam, a certa altura Maria Ligeira foi consultar um médico estrangeiro e a desgraçada ficou então a saber que teria que se sujeitar a fazer uma operação muito delicada para retirar o mal terrível que crescia dentro dela. Um outro médico informou-a ainda de que para recuperar completamente, teria que fazer uns tratamentos muito difíceis de aguentar, mas que lhe permitiriam depois ter uma nova vida. O problema é que o antigo médico, que sabia bem dos sacrifícios que ela teria que aguentar lhe dizia agora que não, a operação seria suficiente; que não desse ouvidos a quem a queria apenas fazer sofrer, sem vantagem nenhuma para o futuro. Maria Ligeira foi ainda ouvir a opinião de uns curandeiros que lhe disseram logo que o que os outros queriam todos era explorá-la e que não precisava nem de operação, nem de tratamentos de choque; que se deixasse andar com uns chazinhos naturais que ficaria boa sem mais. Maria Ligeira andava mesmo sem saber o que fazer. De qualquer forma, desconfiou dos curandeiros e deixou-os a falar sozinhos. Ainda assim, entre aquele médico que lhe dizia que a operação chegava e o outro que lhe garantia ser necessário aquele tratamento doloroso para recuperar totalmente e até, eventualmente ainda vir a ter um futuro saudável, hesitava. Na realidade, ninguém gosta de ouvir más notícias. E se de facto o tratamento for desnecessário? Valerá a pena o sacrifício? Pensava e hesitava sobre o caminho a seguir. No fim, apesar de tudo, a Maria Ligeira lá resolveu seguir o caminho difícil, porque o médico que lho propunha lhe parecia mais sensato e responsável e, por outro lado não a tinha levado até àquela situação, só para ser simpático com ela e não lhe dar más notícias.
A Maria Ligeira desta história é apenas uma pessoa normalíssima como eu e o leitor, colocados perante a decisão de escolher o tratamento a seguir pelo país, já no próximo domingo. É de facto difícil tomar algumas decisões na vida, quando já sabemos que nos vão custar muito.
Mas a esperança é a última coisa a morrer, como diz o nosso povo, com a resignação que lhe é tão característica. Ao fim de anos em que tantos indicadores económicos se foram orientando para a situação que temos hoje e que tantos de nós fizemos por ignorar, lá tivemos que pedir o resgate à Comissão Europeia, ao Banco Central Europeu e ao Fundo Monetário Internacional, a famosa "troika". Estes organismos vieram até cá, auscultaram-nos e passaram a receita médica com a frieza que se lhes exigia para evitar a morte imediata, ou seja a bancarrota. Resolveram ainda receitar algumas reformas com o objectivo, não só de consolidarmos as nossas contas públicas, mas também de ganhar competitividade e criar condições para que a economia venha a crescer no futuro. Claro que os chefes lá do hospital de Bruxelas resolveram pôr um preço nos medicamentos que nos colocam nas ruas da amargura durante um par de anos mas lá dizem eles, foram vocês que se portaram mal e não se trataram a tempo.
Quando o leitor for ao centro hospitalar chamado mesa de voto no próximo domingo, não se esqueça da Maria Ligeira. Escolha em liberdade e consciência e tenha esperança no futuro que está nas suas mãos.

Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 30 de Maio de 2011

domingo, 29 de maio de 2011

Aimez-vous Brahms?

Parece perguntar Yves Montand a Ingrid Bergman:










segunda-feira, 23 de maio de 2011

OS HOMENS QUE GOSTAM DE MULHERES

Na sua célebre trilogia MILLENNIUM, Stieg Larsson deu ao primeiro volume o título "Os Homens que Odeiam as Mulheres". Título poderoso cuja razão se vai compreendendo ao longo da leitura viciante do romance em que Larsson aborda problemas mentais graves de homens e mulheres da nossa sociedade actual, que conduzem aos abusos e maus tratos de mulheres e crianças de que todos os dias os jornais nos trazem notícias. Não pude deixar de me lembrar dos romances de Stieg Larsson ao ler um título contrário numa revista de "referência" portuguesa. De facto, a Visão não conseguiu melhor maneira de chamar a atenção para o seu artigo sobre o que está a suceder a Dominique Strauss Kahn, ex-Director Geral do FMI, do que este: "O Homem que Gosta de Mulheres". Não deve ser possível mais mau gosto e manifestação de machismo bacoco.
Não sei se DSK praticou aqueles actos no luxuoso Hotel Sofitel de Times Square de que agora é acusado pelo tribunal nova-iorquino. Esta situação trouxe, no entanto, ao conhecimento generalizado algo que, pelos vistos, muita gente já sabia. O homem já teve vários problemas deste género no passado, sempre mais ou menos abafados, atendendo à sua relevância social, política e económica. De tal forma que muitas jornalistas já se recusaram no passado a fazer-lhe entrevistas, com medo de sofrerem ataques sexuais, verbais ou físicos. Das várias questões que esta situação levanta, ressalta desde logo, a incapacidade de algumas pessoas lidarem com o poder, tendendo a abusar dele junto de quem esteja em situação de dependência, seja de que forma for; outra questão é a óbvia falta de isenção da maioria da comunicação social, lembrando aqui o caso de Silvio Berlusconi. Outra questão ainda tem a ver com a visão que a nossa sociedade tem sobre o sexo e o comportamento dos homens e das mulheres e que anda demasiadas vezes ligado à violência por incapacidade de lidar com essa faceta da vida, sabe-se lá por que razões, mais ou menos escondidas. É ainda claro que, para muita gente, se estes homens "gostam de mulheres" obviamente que não gostam de homens, pelo que os seus comportamentos desviantes são automaticamente desculpados com as consequências que se vêem.
Há de facto na nossa sociedade uma desculpabilização da violência associada ao sexo, de que as vítimas são sempre o lado mais frágil, que deveria ser sempre protegido pela sociedade. Choca-me ver políticos ponderados fazerem sorrisos marotos acerca destas atitudes do DSK, bem como a necessidade de se descobrirem teorias da conspiração para o desculpar, até porque estaria bem colocado para ser candidato presidencial em França.
Repito: não sei se DSK é culpado do que agora o acusam. Mas algo sei. E sei de ciência certa que um homem que é acusado sucessivamente de abusar sexualmente de mulheres não pode ser classificado como "gostando de mulheres". Pela simples razão de que não se gosta de quem se abusa e violenta, não respeitando a sua dignidade.

Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 23 de Maio de 2011

domingo, 15 de maio de 2011

RESGATE DE SOBERANIA

Há muitos séculos um general romano ter-se-à referido "àquela gente que vive nos confins da Ibéria e que nem se governa nem se deixa governar". Aludiria aos Lusitanos que tanta resistência ofereceram ao avanço dos exércitos romanos.
Triste herança esta, tantas vezes confirmada no nosso passado.
Chegámos de novo à situação de termos que nos deixar governar por gente de fora. Quem nos vai emprestar dinheiro a juros demasiado elevados preparou um "Memorando de Entendimento" que o Governo e os partidos que eventualmente virão a ter responsabilidades governativas se viram obrigados a assinar.
O "Memorando de Entendimento" define, como não podia deixar de ser, medidas claras e objectivas com prazos bem definidos para pôr em ordem as contas do Estado. Afinal, o Estado já não teria dinheiro para pagar as suas contas em Junho, os juros que tínhamos que pagar a quem habitualmente nos empresta dinheiro (os famosos mercados) haviam atingido valores absolutamente insustentáveis porque já ninguém acreditava em nós e os bancos portugueses deixaram de se conseguir financiar até mesmo pelo BCE. Uma tragédia portanto, e a prova de que nos últimos anos não nos conseguimos governar, como dizia o general romano.
Mas este "Memorando" vai muito mais longe. Obriga o futuro governo a adoptar medidas e opções políticas com vista à recuperação económica de Portugal. E obriga-nos em diversas áreas da governação que à partida estariam reservadas à nossa soberania e às escolhas políticas feitas em eleições.
Recordo algumas dessas áreas. Na reforma da Administração Pública, para além dos habituais cortes no nº de funcionários e congelamento de vencimentos, Portugal obrigou-se a fusões de serviços, encerramento de repartições de finanças e, imagine-se, a reduzir o nº de freguesias e câmaras, até 2013. Na saúde, teremos que aumentar as taxas moderadoras e reduzir nas suas isenções, para além de cortes substanciais na ADSE e outros subsistemas de saúde. Quanto às empresas públicas, o Estado vai ter que vender as participações que ainda detém na EDP, na REN, talvez da TAP e ainda mexer na ANA, CTT, CGD e outras; as famosas "golden shares" na EDP, GALP e PT deverão ser largadas até ao próximo mês de Julho. Em termos fiscais, vamos ter que mexer no IVA, no IMI, no IMT e no IRS. No que respeita ao Trabalho, vamos mudar os despedimentos individuais, as indemnizações e muito mais. Nos investimentos públicos foi acesa uma luz vermelha às parcerias público-privadas, ao novo aeroporto e ao TGV Lisboa-Porto. Até na Justiça nos obrigámos a mexer, reestruturando o mapa judiciário e, entre outras medidas, adoptando um prazo limite para a resolução de acções de execução, insolvência, dívidas fiscais e processos laborais. O Estado vai ter que vender o BPN até Julho sem preço mínimo definido e a CGD vai ter que vender os negócios de seguros e participações em empresas que não têm a ver com a banca.
Como se vê, quem agora nos empresta dinheiro resolveu mostrar-nos claramente que não tem confiança rigorosamente nenhuma na nossa capacidade para nos regenerarmos e recolocarmos na senda do desenvolvimento económico e social. E foi assim que resolveram meter claramente a mão na nossa governação.
Relembrando com alguma tristeza o general romano, desta vez temos mesmo que nos deixar governar, pelo menos até certo ponto. De facto, o Memorando deixa alguma liberdade ao futuro governo sobre os métodos a aplicar, desde que os objectivos sejam alcançados. Trata-se evidentemente de um período de "soberania vigiada e controlada". Como é óbvio, ninguém nos obrigou a chegar ao ponto em que estamos. Como vivemos em Democracia, foram as escolhas eleitorais que fizemos no passado que nos trouxeram até aqui. E se a Democracia tem uma vantagem, é a de responsabilizar as escolhas feitas e dar aos cidadãos a possibilidade de abrir novos caminhos sem revoluções. Assim se tenha consciência completa da situação e tenhamos uma relação não clubística com os partidos políticos, isto é, basicamente que não hipotequemos a nossa própria liberdade.

Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 16 de Maio de 2011

quarta-feira, 11 de maio de 2011

Aflição mesmo.

Parece que os portugueses ainda não perceberam que este "plano de ajuda" do FMI e UE não vem resolver os nossos problemas de fundo. É apenas uma garantia de financiamento a juros não tão baixos quanto isso, durante um curto período e contra a garantia de algumas mudanças de comportamento financeiro do Governo e que resolve uma situação de aflição. Continua a ser mais uma camada de dívida pública que teremos de pagar como toda a já existente. As reformas de organização de que o país precisa, para entrar no caminho do progresso, estão muito para além do acordo. É assim tão difícil perceber isto?

segunda-feira, 9 de maio de 2011

Sejamos parte da solução

A situação de aflição que o país atravessa exige de todos nós uma posição responsável que se traduza num esforço individual de recuperação colectiva, dentro nas nossas possibilidades.
Claro está que uma afirmação consciente de opção política no próximo acto eleitoral que permita a constituição de um novo Governo com uma representação que lhe permita proceder às reformas políticas que se impõem é importante, mesmo fundamental, mas não chega.
É hoje claramente perceptível que a democracia não se esgota nas eleições nem na necessária conflitualidade política e vá lá, ideológica, entre os partidos. A responsabilidade pessoal de todos é cada vez mais necessária para que os nossos representantes não entrem em roda livre e não se apropriem indevidamente do sistema como tantas vezes tem sucedido, limitando assim as hipóteses de sucesso do país.
A ACEGE (Associação Cristã de Empresários e Gestores) emitiu há dois dias um comunicado sobre a actual situação nacional, que coloca várias questões importantes e aponta caminhos para todos os que detêm algum grau de responsabilidade a nível das empresas. Parte da constatação óbvia de que o Estado português chegou a uma situação de insolvência que exigiu ajuda externa sem a qual o Estado social teria falido. Mesmo com a ajuda externa, só será possível manter o Estado social se for recriado. A ACEGE mantém que é mesmo “a defesa do Bem Comum, da coesão social e dos mais protegidos que implica enfrentar esta questão”. Claro que nada disto será possível se a economia portuguesa não crescer o suficiente para pagar o empréstimo externo e sustentar o Estado social, lembrando-se que não cresce há uma década, sendo essa e o despesismo do Estado as principais causas da actual situação.
É assim que a Acege, entre muitas outras considerações que vale a pena ler, afirma que “para voltarmos ao crescimento económico que nos permita reduzir o desemprego, sustentar políticas sociais e pagar as dívidas que, como povo, temos, é essencial reduzir o custo do Estado, libertar recursos para as famílias e para as empresas e reorientar as prioridades das políticas públicas. Assim, a defesa do Bem Comum passa pela reforma do Estado, concebida seriamente e executada com sentido social. Impõe-se a reforma social do Estado”.
Não esquecendo a parte que nos cabe a todos individualmente, a ACEGE sustenta que a emergência económica reclama, sobretudo, a responsabilidade pessoal e social dos líderes empresariais, colocando à consciência dos líderes empresariais alguns critérios orientadores bem concretos, entre os quais destaco:
“ - utilizar o despedimento como último recurso e, na sua inevitabilidade, ponderar critérios de natureza social nas escolhas a fazer;
 - pagar o salário mínimo mais elevado possível, de modo a retirar da pobreza aqueles que integram cada comunidade empresarial;
 - diagnóstico social interno, para conhecimento das situações familiares dos colaboradores mais carenciados, construindo sistemas internos de solidariedade, abertos a todos os colaboradores, de preferência confidenciais;
 - pagamento pontual aos fornecedores, entendido como o mínimo ético empresarial, de modo a evitar constrangimentos de liquidez nas outras empresas, em especial nas mais pequenas”

Como se vê, há muito espaço para que todos nós sejamos parte integrante da solução para Portugal, para além dos sacrifícios que nos estão a chegar a todos nós de forma violenta.
Claro que, perante a situação trágica a que chegámos, devemos ter um grau de exigência cada vez maior relativamente aos que nos representam que, pelo poder do voto, acedem à possibilidade de poder dispor do dinheiro dos nossos impostos, não lhes permitindo que se desviem da obrigação de gastar essas receitas no Bem Comum e não de forma irresponsável.

domingo, 8 de maio de 2011

Rentes de Carvalho em directo

Um pobre paga sempre mais que um rico.

Liberdade sem pão? ........Não é liberdade!

IMF Survey: IMF Outlines Joint Support Plan with EU for Portugal

Pois é. Chegámos de facto ao fim da linha e vieram os estrangeiros tentar colocar isto nos eixos. A leitura deste texto é verdadeiramente aflitiva, pela exactidão e profundidade do diagnóstico.
Pergunto: será que nós não conseguimos mesmo fazer este trabalho por nós próprios? Ou é o regime que temos que o impede?
De qualquer forma, a terapia que nos propõem significa mais uma camada de dívida sobre a que temos, pelo que o caminho é estreito e perigoso, atendendo a quem temos por cá.

IMF Survey: IMF Outlines Joint Support Plan with EU for Portugal