segunda-feira, 30 de julho de 2012

Política por profissionais?



A crescente “profissionalização” da política tem trazido alguns aspectos ao regime democrático que merecem ser conhecidos e discutidos por toda a população, mesmo aquela que não milita nos partidos políticos. Até para melhor se compreender boa parte dos métodos de decisão política aos mais diversos níveis.
Os partidos políticos evoluíram nos últimos anos para máquinas de ganhar eleições, ultrapassando a ideia original e algo romântica de associações de cidadãos livres que se juntam de forma generosa para fazer prevalecer uma determinada maneira de construir o futuro de um país. Depois do período inicial da Democracia, muitos daqueles que a certa altura começaram a chegar aos cargos partidários de topo fizeram-no pela subida nos escalões organizativos dos partidos, geralmente desde as juventudes partidárias. São os chamados políticos profissionais que, na realidade, nunca viveram fora da política e nunca se afirmaram social e profissionalmente de outra forma. Têm características próprias, desenvolveram mesmo algumas capacidades especiais, umas boas e outras não tanto, mas é frequente mostrarem algum complexo perante quem não seguiu esse caminho e fez uma vida digamos, mais vulgar, designadamente no percurso académico. Complexos esses muito visíveis nos últimos anos, os quais não fazem aliás qualquer sentido e só são compreensíveis num meio tacanho como o nosso que ainda privilegia a doutorice, ao contrário de muitas sociedade mais desenvolvidas. O que é certo é que os políticos profissionais são mais eficazes em termos de execução de políticas e reformas no imediato, mas a ligação destas à realidade falha muitas vezes o que as coloca mesmo em causa a médio e longo prazo.
Lá para o Outono do próximo ano haverá eleições autárquicas. É pois natural que os partidos se afadiguem em encontrar as soluções que melhores resultados lhes trarão nessas eleições. Seria normal pensar-se que os responsáveis políticos concelhios se colocassem em campo para encontrar quem, na sua área política, tenha capacidade para gerir e desenvolver estratégias de mudança e de futuro para os seus municípios.
O leitor sente que algo disto se passa? Penso que muito dificilmente. O que vai correndo do interior dos partidos para a comunicação social são sondagens ao eleitorado em que lhes são propostas listas de nomes para detectar quem será mais capaz de colher as simpatias do eleitorado para ganhar as eleições. De fora ficam todas as considerações sobre que futuro se quer, sobre capacidade de liderar equipas, sobre capacidade de elaborar programas e realizá-los, sobre a capacidade de dizer não às máquinas partidárias quando for preciso. O que interessa verdadeiramente é encontrar um nome que seja simpático ao eleitorado, seja por que motivo for. O resto não interessa por ser tido como fantasia de quem não anda pela realidade. Por alguma razão os partidos preferem fazer isto a organizar verdadeiras “primárias” onde os mais capazes e independentes poderiam sobressair perante as máquinas partidárias.
Na verdade, quanto mais profissional, menos política é a política. Na década de setenta do século passado, os portugueses foram inundados de política até à náusea. Talvez por isso uma tecnocracia disfarçada de política foi tomando lugar em grande parte do aparelho do Estado, abrindo portas a uma tomada do mesmo por parte dos mais variados e desenfreados interesses. As consequências deste tipo de acção partidária “profissionalizada” e desideologizada têm-se visto pelos seus frutos pelo país fora, não necessitando de qualquer demonstração, sendo muitas vezes os próprios partidos os primeiros a arrepender-se das escolhas assim feitas.
Os partidos são essenciais à Democracia. Mas também podem ser o seu coveiro. A política deve ser uma actividade nobre e sobrepor-se aos interesses económicos financeiros e outros que têm o seu lugar, mas para isso tem que ser exercida por quem é verdadeiramente político, isto é, quem sabe em cada momento onde está o bem comum e cuida dele, custe o que custar.

domingo, 29 de julho de 2012

O fundamental

Sá Carneiro: Primeiro Portugal, depois a democracia, só depois o Partido.
Passos Coelho: Que se lixem as eleições, o que interessa é Portugal.
Credo, que escândalo!

segunda-feira, 23 de julho de 2012

Banca: acima de tudo o resto?

Agora foi a vez do HSBC. Para quem não se lembre, este é o maior banco europeu, operando em mais de oitenta países por todo o mundo; a sua divisão americana está entre os dez maiores bancos americanos. E foi mesmo a polícia americana que descobriu as actividades fraudulentas permitidas pelo HSBC. Durante cerca de oito anos, o banco permitiu que pelas suas contas em todo o mundo circulassem milhares de milhões de dólares provenientes do tráfico de droga dos piores cartéis mexicanos, numa operação gigantesca de lavagem de dinheiro. Para além disso, apoiou financeiramente operações proibidas com o Irão. Um mimo de actuação bancária global, portanto. Tudo isto apesar da “Declaração de Valores e de Princípios de Negócio” patentes no próprio site do Banco. Claro que os responsáveis máximos já pediram todas as desculpas e garantiram que esta situação não se repetirá, tendo já sido afastados alguns dos responsáveis directos pelo sucedido, embora ninguém acredite que a própria administração andasse tão distraída que não notasse nada durante tantos anos. Este caso do HSBC seguiu-se ao escândalo LIBOR do Barclays Bank, um banco com mais de 300 anos que cedeu à tentação de manipular as taxas de referência mais importantes. A LIBOR define todos os dias as taxas que os principais bancos da City usam nos seus negócios financeiros por todo o mundo, que por sua vez servem de referência em muitas outras áreas da economia, mexendo com valores absolutamente astronómicos. A manipulação duraria já há uns seis anos, sem que tal tivesse sido detectado, em boa parte porque na City se acredita que os grandes bancos são geridos por cavalheiros que estão imunes a fraudes, confiando-se na sua auto-regulação. Está-se a ver no que deu, não estando ninguém livre de mais uma crise financeira global causada pela falta de confiança na LIBOR. Esta crise vai adicionar-se àquela bem conhecida de nós todos que foi espoletada pelo sub-prime americano que teve origem exactamente em operações bancárias erradamente alavancadas, sem sustentação real, que se espalhou a todo o mundo ocidental. Nessa altura a Reserva Federal Americana injectou valores inimagináveis na banca americana, tendo apenas deixado ir o Lehman Brothers à falência Mas isso foram os americanos que não tiveram problemas em colocar as rotativas a fazer moeda. Cá pela Europa continuamos na triste saga das relações entre BCE e os bancos que, pelo seu lado, são estrangulados pelas novas regras espartanas de solvabilidade, sugando o dinheiro para o seu interior para se salvarem, deixando a restante economia a secar sem financiamento. O famoso e influente JPMorgan Chase também mostrou não estar imune a tentativas de ganhos ilícitos, tendo deixado que no seu interior se desenvolvessem actividades baseadas em derivados falseados. O valor das imparidades detectadas já este ano continua a crescer, falando-se em perdas acima dos 5 mil milhões de dólares. Olhando cá para Portugal, tivemos dois casos graves recentes com bancos: o BPN e o BPP. Este era demasiado pequeno e reservado a determinada clientela, pelo que as consequências do sucedido foram facilmente controladas. Já com o BPN, todos percebemos que os nossos impostos vão servir para pagar o que não deviam. O anterior ministro das Finanças justificou a certa altura a intervenção do Estado com o perigo sistémico da falência do BPN; perante o que se vai vendo, hoje tendo a dar-lhe razão, com a nuance de que o tal perigo sistémico se referia mais ao sistema político do que ao sistema financeiro. O que é que liga todos estes casos? Falhas clamorosas da regulação da actividade bancária, por todo o lado. A actividade bancária mudou imenso com a globalização e com a internet que possibilitou trocas financeiras de qualquer valor entre todos os pontos do mundo, de forma instantânea. A actividade económica, de que a banca era apenas um financiador tornou-se ela toda muito mais financeira, sendo o dinheiro já não o meio que permite comprar ou vender produtos, mas também ele próprio um produto. Na City de Londres, que é o maior mercado financeiro do mundo, confiou-se até agora nos bancos e nos banqueiros, mas isso vai mudar rapidamente, após este caso do Barklays. Em Portugal, o BPN permitiu-se andar a fazer o que fazia durante anos, embora toda a gente soubesse disso, porque também o Banco de Portugal confiava nos elementos que lhe eram entregues: pelos vistos nem seria educado desconfiar de um banqueiro. Espera-se que os responsáveis políticos que deverão reformar também esta regulação, tenham a capacidade técnica, coragem e independência para o fazer, ou o futuro da economia será ainda mais negro do que já é hoje.

Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 23 de Julho de 2012

segunda-feira, 16 de julho de 2012

Partículas de Deus


Há cerca de quinze dias uma notícia invadiu os meios de comunicação social, baralhando as pessoas pela sua linguagem algo esotérica e surpreendendo muitas outras pelo significado da descoberta que anunciava.
O que deu origem à notícia foi um simples comunicado emitido em 4 de Julho de 2012 pelos responsáveis do CERN que dizia o seguinte: “obervamos nos nossos dados sinais claros de uma nova partícula no nível 5 sigma, na região de massa 126 GeV”.
Já as notícias que nos chegavam por todos os meios informavam que tinha sido descoberta a partícula da Deus. Nem mais!
Como leigo na matéria, mas não gostando de andar por aí às cegas, cedo percebi a importância da descoberta que justifica os milhões gastos no gigantesco LHC (Grande Colisionador de Hadrões), o maior e com mais energia acelerador de partículas do mundo, construído na zona fronteiriça entre a França e a Suíça, onde trabalham mais de 3.000 pessoas.
A chamada “partícula de Deus” é tão de Deus como todas as outras partículas, até porque só por si não explica a própria criação. É o chamado bosão de Higgs, assim designado pelos cientistas porque a sua existência foi prevista pelo físico teórico Peter Higgs há mais de 50 anos. A formalização da necessidade da sua existência decorre do Modelo Padrão de partículas que estaria errado se o bosão de Higgs não existisse, já que seria precisamente essa partícula que daria coerência ao Modelo, “entregando” matéria às outras partículas. Esta era a única das 61 partículas elementares do Modelo Padrão ainda por encontrar experimentalmente.
É a teoria do Big Bang que ganha credibilidade, já que, logo após se ter verificado, algo “agarrou” parte da energia, atrasando a sua libertação e permitindo assim a sua transformação em matéria que, pela sua futura organização viria a dar origem às estrelas, aos planetas e a tudo que nos rodeia hoje, incluindo a vida. Esse “algo” é o campo de Higgs, formado pelos bosões com o mesmo nome.
Torna-se assim evidente o extremo interesse da descoberta. Claro que o comunicado do CERN, na sua estranha linguagem não confirma a descoberta em absoluto, querendo o “nível 5 sigma” dizer apenas que a probabilidade de o bosão de Higgs ter sido detectado é de cerca de 99,9999% e a “região de massa 126 GeV” que a sua massa modelo padrão é de 126 mil milhões de electrões-volt, dentro da gama de valores esperados. Na prática, foi mesmo encontrado.
Esta descoberta permite que a ciência, em particular a física, continue no caminho que tem vindo a trilhar de melhor conhecimento do universo, desde o infinitamente grande ao infinitamente pequeno, já que “as peças” se vão todas encaixando umas nas outras de forma coerente, mesmo quando a teoria tem que esperar dezenas de anos pela sua comprovação experimental. Mostra ainda como a cooperação internacional pode ser bem sucedida quando levada a sério, ainda que fora das grandes parangonas dos jornais que frequentemente, mais não fazem que desvirtuar o significado profundo da actividade humana, ao inventarem cabeçalhos espectaculares como “foi descoberta a partícula de Deus”.
Mas não se pense que a investigação da Física termina aqui. O que falta conhecer é muito mais do que aquilo que hoje se conhece, o que aliás torna a designação “partícula de Deus” apenas ridícula. Segundo alguns, a matéria que corresponde ao “modelo padrão” agora completado será apenas 4% de todo o Universo. Cerca de 75% correspondem ao que ainda hoje se designa por “energia negra” e quase 22% restantes correspondem a algo que apenas a gravidade poderá ajudar a detectar, mas que tem força suficiente para parar a rotação de galáxias inteiras.
O que foi anunciado a 4 de Julho de 2012 terá, no entanto, um lugar muito mais importante na História da Humanidade do que tudo o que aparece hoje nos nossos jornais e nas televisões do mundo inteiro, disso o leitor pode ter a certeza.

Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 16 de Julho de 2012

segunda-feira, 9 de julho de 2012

Mudar o mundo



Mudam-se os Tempos, Mudam-se as Vontades

Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades,
Muda-se o ser, muda-se a confiança:
Todo o mundo é composto de mudança,
Tomando sempre novas qualidades.

Continuamente vemos novidades,
Diferentes em tudo da esperança:
Do mal ficam as mágoas na lembrança,
E do bem (se algum houve) as saudades.

O tempo cobre o chão de verde manto,
Que já coberto foi de neve fria,
E em mim converte em choro o doce canto.

E afora este mudar-se cada dia,
Outra mudança faz de mor espanto,
Que não se muda já como soía.

Luís de Camões

Peço que me perdoem o atrevimento de começar a minha singela crónica desta semana citando o nosso maior poeta, mas às vezes sabe bem voltar à simplicidade do génio.
Há poucos dias, um amigo cá da nossa Cidade que não tem nada a provar na vida quer pessoal, quer profissionalmente porque transformou uma pequena empresa de Coimbra num conglomerado que actua em vários países da Europa, na Ásia e na América dizia-me, a propósito destas minha pequenas e despretensiosas crónicas semanais, que eu não desistia de querer mudar o mundo. Agradeci a amizade mas neguei qualquer propósito meu nesse sentido. No entanto, aquela frase fez-me pensar. O leitor não sabe, mas esta é a minha crónica semanal nº 347 publicada no Diário de Coimbra. Em 347 semanas vivemos 58.246 horas isto é, 3.497.760 minutos. Não é inocentemente que refiro o nº de minutos e não o nº de anos decorridos. É que se vivemos de facto, sem meramente deixar passar o tempo, vivemos aquele número gigantesco de minutos e todos sabemos como às vezes um simples minuto demora a passar. Tempo suficiente para ver partir pessoas queridas que em nós deixam feridas que nunca sararão, tempo para ver filhos voar para as suas vidas próprias, tempo para ver netos a encher-nos o coração, tempo para ver aquelas linhas do monitor ao lado da cama do hospital a ficarem horizontais e ter a graça de acordar com vontade de viver plenamente e agarrar de novo o futuro nas mãos, custe o que custar.
Fui reler a minha primeira crónica desta série e lá encontrei alguma ingenuidade, mas também as linhas fundamentais do que tenho escrito desde então: nunca atacar ninguém em concreto, criticar situações e propor soluções. Também lá citei alguém que nos ensina que não devemos ser optimistas nem pessimistas e sim optimizadores: isto não é um mero jogo de palavras e sim todo um programa de acção e corresponde àquilo que tenho tentado fazer.
De novo digo: não tento mudar o mundo, embora às vezes apeteça. Quem muda o mundo, para além das guerras e revoluções que se sabe como começam mas não como acabam, são os artistas, os cientistas e todos os anónimos que deixam o mundo um pouco melhor do que o encontraram. Como pessoa comum, tento apenas dar o meu melhor, participar em reformas necessárias e ser cidadão a tempo inteiro, tentando perceber o mundo e lembrando-me de Álvaro de Campos quando escrevia que “o Teorema do Binómio é tão belo como a Vénus de Milo, o que há pouca gente para dar por isso”.
Esta foi uma crónica diferente do habitual. Mas como costumo afirmar que aquilo que deixamos por dizer não existe, tenho que agradecer ao Amigo que, com um simples e simpático comentário, me levou esta semana por territórios que, sem ele, teriam o destino de não existir.
Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 9 de Julho de 2012

segunda-feira, 2 de julho de 2012

COIMBRA, CIDADE COM FUTURO


Foi publicado há poucos dias o resultado de mais um inquérito sobre as cidades com maior qualidade de vida. Claro que este tipo de inquéritos, feitos através de perguntas a um reduzido número de moradores de cada uma delas tem um valor estatístico reduzido, até pela complexidade de análise dos 11 critérios utilizados, verificando-se pequena variação para o inquérito realizado pela mesma associação há cinco anos. É provável que o crónico espírito crítico dos conimbricenses relativamente à sua cidade se reflicta também nestes resultados, ao contrário de outras cidades em que os seus moradores são genericamente benevolentes relativamente às suas falhas. Curiosamente, em inquéritos do mesmo tipo levados a cabo por outros promotores, por exemplo o jornal Expresso, as cidades que no inquérito da DECO aparecem no final, são nesse caso as primeiras da lista, casos de Lisboa e Porto. E alguma razão haverá para isso, tendo em conta a fuga de populações do interior para essas metrópoles, valorizando as pessoas na prática, a maior possibilidade de ter emprego relativamente a poderem dormir de janelas abertas. Já a nossa cidade, Coimbra, mantém-se sensivelmente na mesma classificação relativamente há cinco anos, semelhante aliás, à anterior classificação do Expresso, isto é, sempre no terço superior do conjunto.
As muitas vantagens comparativas de Coimbra são históricas e bem conhecidas, não sendo necessário sequer referir as que advêm da localização central no país e boas ligações ao litoral e a Norte e a Sul, o que não se verifica, infelizmente em relação ao interior. As áreas da saúde e do ensino superior são, desde há muito, aquelas que colocam Coimbra na frente de todos os rankings. Outras há em que a potencialidade é enorme, mas exigem capacidade de iniciativa e de conjugação de esforços da parte dos decisores públicos na Cidade, para que passem a ser realidade concreta.
A indústria tradicional de Coimbra foi-se há muito, estando agora a ser substituída por novas actividades de ponta, da área da tenologia intimamente ligada à investigação científica; a mão de obra barata dos operários é agora substituída pelos programadores e investigadores, com grandes repercussões sociais e económicas. Mesmo a área industrial de fabrico de medicamentos é paulatinamente substituída pela produção de processos de fabrico, vendidos com grande valor acrescentado em todas as partes do mundo.
O património histórico de Coimbra é riquíssimo e conhecido por todo o mundo. A classificação da Unesco será uma alavanca poderosíssima na atracção de turismo. O turismo é precisamente uma das áreas económicas que deverá ser trabalhada a sério por Coimbra e apoiada publicamente, havendo pelo menos duas vertentes a decidir de imediato: colocar toda gente a trabalhar para o mesmo lado, acabando com divisões artificiais e estabelecer uma ligação forte com a cultura. O turismo cultural é hoje uma actividade económica de grande valor a nível europeu, mas não se compadece com amadorismos nem boas intenções. Tem que ser olhado como isso mesmo: actividade económica com tudo o que lhe é inerente, desde o levantamento de oportunidades e estudo exaustivo da procura internacional com definição do público-alvo, estabelecimento de planos de negócios, escolha de oferta e montagem do produto, até ao necessário financiamento. Mas não se pense que esta revolução no turismo de Coimbra se poderá fazer através de serviços públicos, camarários ou outros, que têm um orçamento anual para gastar e se esquecem de facturar. Deverão ser apoiados outros actores, privados ou associativos, com provas dadas na gestão, que sejam capazes de casar cultura com turismo, já que hoje em dia praticamente ninguém viaja apenas para ver pedras, por mais bonitas e antigas que elas sejam.
Com muita facilidade Coimbra poderá passar a um patamar superior nesta área, com grandes vantagens para todos os agentes económicos envolvidos e consequente subida nos rankings de cidades. Relembro, por exemplo, o que já aqui escrevi várias vezes: a ligação histórica de Coimbra com a História de toda a 1ª Dinastia, desde o estabelecimento da primeira capital do Reino até às cortes de Coimbra que escolheram D. João I, passando pelos amores trágicos de Inês e Pedro, é um “euromilhões” que aguarda apenas quem jogue nele. Assim haja vontade e capacidade para ultrapassar atavismos e hábitos bolorentos que tantas vezes impendem Coimbra de ser ainda melhor.
Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 2 de Julho de 2012 

segunda-feira, 25 de junho de 2012

Concerto de Mozart - Fagote, KV191. 1° Mov.

PODER E AUTORIDADE


Portugal encontra-se hoje numa daquelas situações atípicas que nunca deveriam suceder, mas a que somos periodicamente sujeitos, normalmente devido a disparates financeiros cometidos por governantes que não pesam os seus desejos com as capacidades do país. E, como a História o demonstra, estas situações trazem normalmente grandes perigos no seu interior.
Em tempos de crise grave como a que atravessamos, só se encontram verdadeiras saídas em democracia, se o poder constituído aos diversos níveis da governação do país detiver autoridade que seja reconhecida pela maioria dos cidadãos.
Há cem anos, Max Weber definiu poder como a possibilidade de alguém obrigar outro a cumprir a sua própria vontade, mesmo que com resistência, enquanto a autoridade será a habilidade de levar as pessoas a fazerem de livre vontade a sua própria vontade, apenas pela sua influência pessoal.
O conceito de autoridade vem dos tempos da República Romana, a chamada “auctoritas” que de certa forma media o prestígio e a influência dos senadores romanos, junto dos seus concidadãos. Essa autoridade era conquistada de diversas formas, incluindo os feitos militares ou a maneira como essas pessoas tinham servido a República em posições proeminentes. Para existir, essa autoridade tinha que ser reconhecida pelos outros.
Entre nós é comum queixarmo-nos de “falta de autoridade”, ao mesmo tempo que se nota um profundo desrespeito pelos responsáveis políticos em geral que, na minha opinião, tem razões muito mais profundas do que a crise que atravessamos:
Quando antigos responsáveis políticos de grande projecção são encontrados em situações ilegais e a Justiça demora eternidades a aplicar o devido castigo; quando os partidos mantêm em cargos de responsabilidade pessoas que perderam o respeito dos cidadãos ficando em consequência sem autoridade; quando os partidos escolhem para listas pessoas por critérios obscuros, deixando de lado outras com provas mais que dadas; quando para cargos de gestão de responsabilidade o critério é o amiguismo em vez do currículo pessoal; quando numa altura em que toda a gente é chamada a sacrifícios pesadíssimos, entidades do Estado mantêm todas as prerrogativas e mesmo privilégios e benefícios financeiros insuportáveis; quando entre as funções de Estado e as grandes empresas há um corredor aberto em permanência entre aquele e estas, é a autoridade de todo um Estado que se esboroa, sem apelo nem agravo.
Todos conhecemos exemplos de pessoas que, sem deterem qualquer poder político ou material demonstraram uma grande capacidade de mudar as circunstâncias em que surgiram. A sua capacidade de liderança e exemplo atribuíram-lhes uma autoridade reconhecida pelos outros, a tal “auctoritas” dos romanos.
Estas são pessoas raras. Infelizmente, muito mais frequentes são aquelas que de uma forma ou doutra, muitas vezes sem saber bem como, adquiriram algum poder sem possuírem qualquer autoridade. E usam esse poder para impor as suas vontades ou os seus gostos e mesmo para se vingarem de quem não gostam, por esta ou aquela razão, mas normalmente por simples inveja, aquela última palavra que Camões usou para fechar os Lusíadas.
Na realidade, abuso de poder pode ser cometido por acção, tal como está fixado na Lei, mas também por inacção ou mesmo impedimento de acção. Mas demonstra sempre falta de autoridade, quando não falta de princípios. E destruir o que os outros fazem ou fizeram é sempre muito fácil quando se tem algum poder público e não se percebe que esse poder vem do povo, pelo que se está ministro ou seja o que for e não se é esse mesmo cargo.
Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 25 de Junho de 2012