segunda-feira, 30 de dezembro de 2013

ARTE DEGENERADA

A relação das ditaduras com a liberdade de criação artística, por o ser, é inevitavelmente caracterizada por atitudes de reserva, na versão mais suave e de perseguição obstinada e cruel na maior parte das vezes.
Desde a “orientação ideológica” da criação artística com perseguição dos que fogem à “linha correcta” como sucedeu no estalinismo até à pura perseguição dos artistas cuja criação não é do agrado dos detentores do poder absoluto, de tudo se tem visto na História da Humanidade, independentemente mesmo das opções políticas dos criadores.
Como em tudo o resto, o Nazismo fez também questão de mostrar o “mal absoluto” no que dizia respeito à criação artística. A definição de “arte degenerada” serviu para perseguir artistas de ascendência judaica, mas também todos aqueles cujas criações não estavam de acordo com as regras estritas do nazismo.
À custa desse conceito, artistas foram perseguidos, muitos deles até à morte e muitas obras de arte foram confiscadas pelas autoridades alemãs. Corrupto como era o regime nazi, grande parte dessas obras de arte foi parar às mãos dos mais altos responsáveis do regime, tendo-se destacado nesse aspecto Martin Bormman que organizou o roubo sistemático de obras de arte em todos os países ocupados, tendo mesmo morrido muitas pessoas só por serem possuidoras de peças de arte alvo da cobiça dessa gente.
Há poucas semanas soube-se da descoberta de uma colecção de mais de 1.500 quadros num apartamento em Munique, da autoria de pintores famosos, entre os quais Henri Matisse, Pablo Picasso, Marc Chagall e Paul Klee, num valor estimado superior a mil milhões de dólares. Os quadros, todos da tal arte classificada como “degenerada” pelo regime nazi, tinham sido objecto de confisco durante a guerra e estavam dados como desaparecidos desde o seu fim.
Como foi possível a alguém guardar todo este acervo durante tantos anos, é uma pergunta incómoda que levanta muitas outras questões sobre o destino, não só de muita arte roubada pelos nazis, mas também sobre o ouro que o regime de Hitler tinha acumulado, com origens que envergonham toda a Humanidade. Mais ainda, as actuais autoridades alemãs tinham conhecimento da existência desta colecção há vários anos, não tendo tomado qualquer iniciativa, suspeitando-se mesmo de encobrimento oficial. Afirma-se mesmo que o proprietário do apartamento, filho de um negociante de arte credenciado pelo ministro da Propaganda de Hitler, Joseph Goebbels, para vender internacionalmente quadros confiscados a judeus com objectivo de financiamento do regime, não existia sob o ponto de vista fiscal. No entanto, Cornelius Gurlitt vivia da venda periódica de quadros da colecção, tendo mesmo conseguido vender um quadro do pintor Max Beckmann por cerca de um milhão de dólares em Colónia, já depois das autoridades terem descoberto a colecção.
O “negócio” da venda de quadros saqueados a judeus pelos nazis abrangia o mundo inteiro e Portugal não escapou. Também cá foi estabelecido um ponto da rede que “exportava” quadros roubados pelos nazis para a América do Sul e para os Estados Unidos. O “mal absoluto” que invadiu a Europa na primeira metade do século XX continua a surpreender ainda hoje pelos mais diversos motivos, cada um mais vergonhoso e assustador que o outro.
Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 30 de Dezembro de 2013

segunda-feira, 23 de dezembro de 2013

NATAL



O Natal é certamente o símbolo da cristandade mais adoptado e aceite em todo o mundo. Há boas razões para isso: junta uma criança inocente nascida num meio pobre, a sua mãe e o seu pai que o é, porque o aceita como filho. Um conjunto notável de circunstâncias a que se juntam outras, como o momento Histórico e o local, que instantaneamente suscitam afectividade e adesão, antes mesmo do carácter religioso que advém do facto de a criança ser Jesus Cristo. A representação de Natal de S. Francisco de Assis que lhe juntou os simpáticos animais, só veio consolidar uma imagem que resiste até aos dias de hoje.
Na realidade, o dia em que se celebra o Natal não terá a ver com a verdadeira data do nascimento de Cristo que, através do cruzamento da análise dos evangelhos e da história do império romano (datas dos recenseamentos) poderá ter ocorrido no mês de Agosto, alguns anos antes da data fixada no século IV.
Mas o que interessa é o significado. E a data escolhida pelo cristianismo faz uma ponte para as antigas culturas que davam um grande significado ao solstício de Inverno que ocorre a 21 de Dezembro, data em que a noite tem a maior duração, mas também o momento a partir do qual os dias passam a ser cada vez maiores, simbolizando a vida que se renova. Por isso mesmo, na antiguidade, todos os grandes monumentos se orientavam para o Sol no momento do solstício de Inverno, o que indica a importância que esse momento desde muito cedo tinha para todas as civilizações.
Na nossa civilização ocidental perdeu-se grande parte da ligação à Natureza, sendo tudo muito artificial, até mesmo nas culturas que se tornaram quase independentes do clima de cada estação do ano. No entanto, o Natal significa essencialmente paz e harmonia, simbolizados na simplicidade do carinho que uma criança merece, por mais simples que seja o contexto em que nasce. Toda a exploração comercial que a nossa actual sociedade, estupidamente consumista e materialista faz associar a esta época surge como uma barbaridade sem nome perante a existência de tantas crianças que à nossa volta padecem de sofrimentos a começar pela fome e falta de carinho.
Caro leitor, tenha um feliz natal, mas não deixe que as luzes, a música e as compras façam esquecer a ternura intrínseca do simples presépio, de todos os presépios humanos.
Publicado originalmenteno Diário de Coimbra em 23 Dezembro 2013

sábado, 21 de dezembro de 2013

Solstício de Inverno


O ponto 1 corresponde ao solstício de Inverno, que ocorreu hoje às 17 horas. No ponto em que a eclítica mais se afastou do equador celeste, esta noite é a mais longa do ano. Daqui para a frente, os dias são sempre a crescer. Festejemos.

segunda-feira, 16 de dezembro de 2013

AS “PESSOAS”

Nas últimas eleições não havia candidatura à mais recôndita das freguesias por esse país fora que não elegesse as “pessoas” como alvo das suas atenções. Fenómeno curioso, dado que, por definição, a política se destina precisamente a cuidar do bem comum, isto é, do que às pessoas interessa directamente.
 Suspeito que a utilização do termo “pessoas” a torto e a direito visa apenas esconder algo: a incapacidade ou, pior que isso, falta de interesse em esclarecer devidamente as opções políticas concretas com os custos e consequências económicas e sociais inerentes.
Mas mostra ainda um mal que, depois de se ter vindo a desenvolver nas profundidades no nosso sistema político, chega à superfície manifestando-se das mais diversas formas, com consequências sérias a curto prazo. Os partidos políticos portugueses, foram desenvolvendo sistemas internos de defesa perante o exterior, cortando muitas vezes as ligações ao mundo real e fechando-se em si mesmos. Os slogans passaram a ser escritos em agências de publicidade, nada mais sendo do que frases eventualmente apelativas, sem qualquer substância ou conteúdo político. Claro que na realidade não se afastam muito dos próprios candidatos que, a maior parte das vezes, são também fabricados dentro dos partidos, não apresentando quaisquer qualidades que os recomendem para os cargos a que se candidatam. Os partidos foram tomados por dentro pelas diversas lógicas que ao longo dos anos foram sustentando, desde as juventudes partidárias, aos lobbies familiares, de negócios e outros, daí surgindo as mais surpreendentes e tristes escolhas para as diversas candidaturas, seja para as autarquias, para o parlamento nacional ou mesmo para o parlamento europeu.
Em consequência, o florescimento das candidaturas independentes às autarquias locais vai certamente continuar. O que se passou no Porto vai servir de exemplo para todo o país. É provável que os partidos tenham muita dificuldade em responder à nova situação, fechando-se ainda mais. Quando se olha de fora, é quase inacreditável o autismo partidário que leva directamente às derrotas mais previsíveis não havendo, aparentemente, qualquer possibilidade de as estruturas concelhias, distritais e mesmo nacionais verem o que é óbvio para toda a gente, menos para quem lá está dentro. Hoje em dia, quem no interior dos partidos tentar falar a linguagem exterior, absolutamente normal para os restantes cidadãos, rapidamente se sente como um ser estranho que fala uma linguagem de outro mundo.
A Democracia não existe sem os partidos. Mas estes não a esgotam. E muito menos os que existem num determinado momento histórico. A sociedade portuguesa tem passado por momentos de grandes dificuldades. Todos sabemos que a origem dessas dificuldades está na actuação de agentes políticos incapazes de olhar para as receitas do orçamento de Estado como a contribuição dos portugueses e da economia para o bem comum, em vez de um montão de dinheiro para gastar e satisfazer egos, ambições pessoais e clientelas. E esses agentes políticos são o resultado das escolhas internas dos partidos. Perante a dificuldade de mudar os partidos por dentro as alternativas, á esquerda e à direita, irão naturalmente surgir e mudar toda a paisagem política.
Os partidos têm enchido a boca com a palavra “pessoas”. Rapidamente vão descobrir que são essas mesmas pessoas que lhes vão virar as costas, voltando-se para quem sentem que lhes fala uma linguagem compreensível e, acima de tudo, de confiança.
Publicado originalemnte no Diário de Coimbra em 16 de Dezembro de 2013

quarta-feira, 11 de dezembro de 2013

E a chuva que não vem

Que chova depressa. Todos os dias desço a Av Sá da Bandeira a pé e os sapatos colam-se ao chão, tal é a camada de porcaria da cerveja derramada na zona dos bares.