segunda-feira, 30 de junho de 2014

História a acontecer



Em todos os momentos históricos há normalmente uma grande dificuldade em perceber os sinais das grandes alterações históricas. No nosso tempo isso é ainda mais acentuado, porque os olhos dos observadores que nos transmitem o que se passa têm normalmente óculos ideológicos que lhes impedem de ver o que se passa na realidade. O conhecimento da História é igualmente, ou ignorado, ou utilizado para instrumento para moldar o que aconteceu às narrativas próprias que servem para “explicar” o presente. E, no entanto, esse conhecimento é crucial para perceber os movimentos da História e mesmo compreender o que se passa hoje.
Há quase mil e quatrocentos anos, mais precisamente em 632, morreu o Profeta Maomé. Começou aí uma dissensão entre os seus seguidores que se manteve ao longo dos séculos e que nos dias de hoje se manifesta da forma mais violenta e incompreensível aos olhos da maioria das pessoas. Enquanto uns muçulmanos defendiam que a sua liderança se deveria encontrar por consenso na sua comunidade, outros preferiram que essa liderança fosse encontrada dentro da família do profeta, mais concretamente o seu genro Ali. Aqueles eram os Sunitas e os últimos os Shiitas (à letra, Shiat Ali - seguidores de Ali). Ali acabou por vir a ser o quarto líder muçulmano ou califa, mas o seu assassinato ocorrido em 661 veio a separar para sempre as famílias muçulmanas desavindas, que se tornaram em inimigas até hoje. No início do século XVI, naquela zona que hoje é o Irão, os Shiitas tornaram-se preponderantes através do Império Persa e ainda hoje governam o país em regime teocrático puro. No entanto, os Sunitas são hoje a comunidade muçulmana maioritária, representando mais de 90% dos muçulmanos de todo o planeta.
Era Sunita o poder de Saddam Hussein e a guerra entre o Irão e o Iraque nos anos 80 foi basicamente entre Sunitas e Shiitas, tendo morrido mais de um milhão de pessoas. Uma das consequências da desastrada invasão do Iraque pelos americanos em 2003 foi a colocação no poder do shiita al-Maliki. Foi só uma questão de tempo até o conflito da Síria, em que o presidente Assad é apoiado pelos Shiitas do Irão e do Hezbolahh alastrar para o interior do próprio Iraque. Uma das forças rebeldes da Síria chama-se ISIS e é considerada a sucessora terrorista da al-Qaeda, mas para muito pior, o que para nós seria difícil de imaginar que fosse possível. Trata-se uma força radical Sunita que retoma a velha bandeira do califado islâmico e que no curto prazo pretende instaurar o “Estado Islâmico do Iraque e Síria Maior” (ISIS). Isso significaria a destruição das fronteiras traçadas a esquadro há quase cem anos quando Inglaterra e França se uniram para dividir o Império Otomano, aproveitando-se das divisões tribais para construir nações que foram sobrevivendo com as mais diversas ditaduras.

Ao entrar no Iraque de forma brutal, tomando cidades entre as quais Mosul, a segunda cidade do país, e Tikrit a cidade natal de Saddam Hussein a apenas 140 Km de Bagdad, o ISIS alterou toda a geopolítica do médio oriente e não só. A Arábia Saudita assusta-se, porque embora apoiando os movimentos sunitas, receia o extremismo do ISIS que gostaria de substituir a família real que a governa, acedendo ao controle das cidades santas Meca e Medina. A própria Turquia passou a encarar com seriedade a hipótese de aceitar finalmente um estado Curdo. Como cereja em cima do bolo, a situação provocada pelo ISIS conseguiu colocar os EUA e o Irão a colaborar de alguma forma, para evitar o ascendente do ISIS no Iraque.
Todos nós aprendemos que a nossa civilização teve origem na Mesopotâmia, onde hoje é o Iraque, tendo sido aqui que surgiram as primeiras cidades como Ur, Kish e Lagash. Por mais longe que pareça, o que lá se passa tem a ver connosco.
Vivemos hoje numa Europa desenvolvida em que os problemas do dia-a-dia são quase todos económicos, sugerindo que a Europa é um castelo murado e fechado ao resto do mundo, particularmente o médio-oriente. Mas não nos iludamos. A História tem um lastro grande e quando forças ideológicas poderosas se mexem, por mais estranhas que pareçam, as consequências vão muito para além do que de início se pode supor. Não nos esqueçamos de como todo o mundo sofreu ainda não há cem anos em consequência da tomada de poder por grupos fanáticos reduzidos, mesmo aqui na Europa dita civilizada.

Mapa retirado de http://www.economist.com/
Publicado originalmente no Diário de Coimbra em  30 de Junho de 2014


segunda-feira, 23 de junho de 2014

O desporto é rei?



O futebol bem jogado, como se tem visto nessa “Copa do Mundo” a decorrer no Brasil, é capaz de nos prender ao televisor e vibrar com as capacidades atléticas, técnicas e até por vezes artísticas dos jogadores que se entregam totalmente ao objectivo de levar a sua equipa à vitória.
O fenómeno futebol é hoje em dia, muito mais que um desporto. Claro que, no campo de jogo, são os jogadores que conseguem as vitórias, ou perdem os jogos. Mas os próprios jogadores são parte de uma máquina impressionante, montada para proporcionar grandes espectáculos desportivos, mas também um negócio à escala global, neste caso organizado pela Federação Internacional de Futebol Associado (FIFA). As federações internacionais de futebol, quer a FIFA quer a sua congénere europeia (UEFA) vão garantindo que, de dois em dois anos, o futebol enche as televisões com o seu espectáculo para entusiasmo de milhões de pessoas que, haja ou não crise ou austeridade, garantem o sucesso desses acontecimentos.
 E vão igualmente de país em país enchendo a paisagem mundial com verdadeiras catedrais dedicadas a uma nova religião, que são os estádios de futebol. Mesmo sabendo que vão gastar fortunas a construir essas estruturas desportivas que irão na sua maioria ficar como gigantescas inutilidades acabados que sejam esses campeonatos, os países atropelam-se para ser escolhidos como organizadores dos campeonatos a que chegam a chamar desígnios nacionais.
Como todos nos apercebemos com facilidade, o futebol desempenha hoje um papel nas sociedades que ultrapassa largamente o desporto.
Entre os clubes de um determinado país, por exemplo o nosso, as relações caracterizam-se por um sectarismo e uma animosidade ou mesmo violência que todos os domingos produzem aqueles lamentáveis espectáculos das forças especiais de segurança a acompanharem as claques organizadas até aos estádios. Já os campeonatos entre selecções nacionais constituem momentos de catarse colectiva através da evocação de um suposto patriotismo que justificaria tudo à volta das selecções. Como se o nosso futuro colectivo dependesse de alguma forma do joelho de Cristiano Ronaldo ou das cabeçadas de Pepe. Como se fora um exército que nos defenderia dos mais perigosos invasores, a comunicação social entra no jogo da suprema manipulação e é assim que, durante semanas acompanhámos as refeições dos jogadores, desde os pequenos-almoços ao jantar, bem como os quartos onde dormem.
No fim, tudo se resume a jogos de futebol entre 4 linhas, com duas equipas e um árbitro. E, como já acima escrevi, é muitas vezes entusiasmante ver futebol bem jogado e é normal que todos gostemos que a nossa selecção obtenha os melhores resultados. Tal como acontece com o basquetebol, com o ténis, o ciclismo, atletismo, natação ou hóquei em patins. Mas nada no futebol justifica que países se endividem, que federações reconhecidamente corruptas passeiem o seu poderio pelo mundo da forma mais impune, ou que a comunicação social participe entusiasmada nesta enorme manipulação à escala global.
Não esquecendo a perniciosa influência que a meu ver o futebol tem vindo a ter na organização social e política. Os campeonatos de futebol têm um início e um fim com um vencedor, após o que se troca de jogadores e treinadores e no campeonato seguinte tudo recomeça e todas as esperanças são de novo possíveis. Na política não pode ser assim, um país e uma sociedade não começam do zero após umas eleições, tem que haver uma continuidade no sentido da melhoria das condições de vida para as comunidades actual e futura, de forma sustentável. E, infelizmente, há muitas pessoas que andam pela política e que encaram as eleições de uma forma quase lúdica, para sua satisfação pessoal, sem a mínima preocupação com as pessoas afectadas irremediavelmente pelas suas atitudes e quase sempre com a companhia deliciada de grande parte da comunicação social.

Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 23 de Junho de 2013

segunda-feira, 16 de junho de 2014

Príncipes



Há precisamente 500 anos, Niccolò Machiavelli escreveu a obra que ainda hoje orienta muito do que se passa na política, o que muitos teimam em não ver, ou não querer ver: O Príncipe.
No seu livro dedicado a Lourenço de Medici, entre outras coisas Machiavelli assinalava que em política não há amigos, apenas aliados. Afastava da acção política os conceitos moralistas que ainda hoje enganam muita gente e nos leva frequentemente a apoiar ou mesmo a seguir actores políticos que se apresentam como virtuosos, isto é, generosos, honestos e confiáveis, quando na sombra dos seus gabinetes praticam o oposto.
Os políticos deverão perseguir os objectivos da segurança e do bem-estar dos cidadãos, o que não deve ficar escondido por detrás das mais piedosas intenções que tantas vezes levam ao descalabro colectivo e à ruína das nações.
Machiavelli não escreveu no Príncipe que “os fins justificam os meios”, embora as interpretações do texto levem frequentemente a tirar essa conclusão. Sendo uma afirmação mais que discutível e dificilmente aceite, é no entanto praticada todos os dias em política, ainda que de forma encapotada. Em democracia, as balizas comportamentais estão bem definidas por regras estabelecidas e aceites por todos, mesmo por aqueles que com elas não concordam no seu íntimo. Os meios a usar serão assim aceites pela comunidade, desde que dentro dos limites da lei. É a ética pessoal que autoriza os meios a utilizar por cada um dentro daqueles limites. Os critérios moralistas deverão ser esquecidos porque na realidade não têm qualquer efeito, sendo a vantagem competitiva efectivamente de quem utiliza quaisquer meios para atingir os seus fins sem peias morais. Não vale a pena negar que isto acontece, porque sucede permanentemente e mesmo aqueles que apregoam grandes regras morais se calam perante o sucesso dos que assim agem, porque conseguem alcançar o poder.
Para Machiavelli, é preferível a um Príncipe ser temido do que amado. Grande máxima para quem tem estomago para a seguir à letra. E nós temos bons exemplos em Portugal neste século e no anterior, para não irmos mais longe. Já tivemos um primeiro-ministro intelectualmente brilhante mas conhecido por ser muito afectivo e com grande dificuldade de dizer não. Quando as condições para a governação se complicaram, ele próprio acabou por perceber que o melhor a fazer era desistir e ir para bem longe tratar de assuntos sociais e de caridade. Já um chefe de Governo racional e frio como o que nos governou em ditadura durante dezenas de anos, nunca teve a preocupação de que gostassem dele: bastava-lhe que o temessem para que a desejada “normalidade” seguisse o seu caminho sem grandes sobressaltos. Mas mesmo em democracia há quem prefira ser temido a ser amado e, embora com matizes diferentes, já tivemos pelo menos dois primeiros-ministros eleitos com essa característica evidente. Isto é, a afirmação de Machiavelli não tem nada a ver com os regimes políticos concretos, mas com a personalidade e a visão própria da acção política dos seus agentes. Como em democracia é o povo que escolhe quem governa, por vezes dá mesmo a impressão de que entre nós se vai cansando à vez de um e outro estilo e os vai elegendo alternadamente.
Claro que os principais objectivos de qualquer político são obter e manter o seu cargo, seja ele governativo, seja de direcção partidária. Um líder não deverá portanto admirar-se quando alguém, ainda que do seu próprio partido, tente ocupar o seu lugar no momento em que achar que as condições para tal lhe são propícias; e nem deverá trazer palavras como traição à colação, a não ser que o desafiante lhe tenha expressamente garantido que nunca o desafiaria. Mas o que desafia andará também melhor se não esquecer que os seus apoios são, não manifestações de amizade como podem parecer, mas acções visando o futuro deles próprios e amanhã se virarão para outro lado que lhes parecer mais eficaz para obterem aquilo que pretendem. Pior mesmo é perceber-se que por detrás das motivações grandiloquentes em nome do povo não estão mais que ambições pessoais de poder, mesmo sendo legítimas, situação que o próprio Machiavelli aconselhava o Príncipe a evitar, ainda que usando de dissimulação.

Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 16 de Junho de 2014

segunda-feira, 9 de junho de 2014

As eleições Europeias



Eu sei que não parece, mas convém lembrar que no passado dia 25 de Maio houve eleições europeias, isto é, para o Parlamento Europeu. Por isso é muito importante perceber as consequências dos resultados deste acto eleitoral para o futuro da União Europeia a que pertencemos, já que se reflectirá necessariamente no nosso próprio futuro.
Claro que as eleições europeias têm também uma importância política nacional em todos os países e isso está bem à vista nas repercussões que os resultados nacionais tiveram e estão a ter na nossa vida política. As perspectivas que as sucessivas sondagens foram criando e a subida da parada por parte de alguns chocaram de frente com os resultados concretos. Por isso mesmo o líder do partido Socialista foi de imediato confrontado com um desafio interno à sua liderança; percepcionou-se que a votação obtida foi resultado das suas próprias opções estratégicas para estas eleições, claramente mal acolhidas pelo eleitorado, ainda por cima ao fim de três anos de uma austeridade fortíssima levada a cabo pelo Governo na aplicação do PAEF assinado com a troika. Pelo seu lado, o Governo viu a coligação que o suporta ter uma votação abaixo dos 20%, resultado fraco que nem a reduzida margem face ao principal partido da oposição consegue fazer apagar. O Bloco de Esquerda reduziu a sua representação europeia em 2/3, elegendo apenas Catarina Martins, enquanto o Partido da Terra com Marinho Pinto como bandeira elegeu dois deputados de uma assentada, surpreendendo tudo e todos. O PCP, mais uma vez através da sua já clássica coligação conseguiu, certamente pela sua linguagem anti EU e anti Euro, absorver descontentamento e aumentar a sua representação no PE em um deputado. Não valerá muito a pena analisar transferências de votos entre formações partidárias, que servem sempre para justificar isto e o seu contrário. Importante é relevar a elevada abstenção de cerca de 2/3 do eleitorado. Seja para marcar uma posição “contra o sistema”, seja por alheamento face às questões europeias, este é um nº verdadeiramente significativo.
Mas eleições europeias merecem sobretudo uma análise a nível europeu. A maior alteração verificada na distribuição dos lugares no Parlamento Europeu consistiu numa diminuição do total de deputados dos grupos claramente pró-europeus que são o PPE (Partido Popular Europeu), S&D (Socialistas e Democratas), ALDE (Liberais) e Greens (Verdes) cuja percentagem em bloco desceu de 79% para 69%. Como se verifica, apesar de importante como eventual tendência para futuro, a mudança não está perto sequer de significar uma alteração profunda da situação, até porque os chamados euro-cépticos estão fraccionados numa série de pequenos agrupamentos com pouco ou mesmo nada de comum entre si além de serem contra a UE e o Euro. Claro que, apesar de reduzida dimensão europeia, esses agrupamentos incluem partidos nacionais que falam muito alto e fazem muito barulho como a Frente Nacional francesa, os gregos Syrisa (esquerdista) e Golden Dawn (neo-Nazi), o britânico UKIP ou o dinamarquês DPP. As expressivas votações obtidas por estes partidos constituem assim, mais um problema nacional para cada um dos seus países do que propriamente um problema europeu, embora seja previsível que as percentagens que agora alcançaram se devam em grande parte à elevada abstenção generalizada destas eleições. De qualquer forma, houve seis países em que a votação nos euro-cépticos foi muito relevante, isto é, entre os 20% e os 40%: Grécia, Grã-Bretanha, Itália, Dinamarca, França e Áustria.
Deve ser salientado que a tentativa de transformar estas eleições para o Parlamento Europeu numa espécie de eleição do futuro Presidente da Comissão como se fosse um primeiro-ministro falhou redondamente. A indicação de Jean Claude Juncker como futuro presidente da Comissão por parte do Partido Popular Europeu encalhou na oposição frontal do primeiro ministro britânico David Cameron e a própria chanceler alemã Ângela Merkel não garante o seu apoio ao luxemburguês.
Entre as competências do Parlamento Europeu não está a escolha da Comissão, mas pode de facto reprovar os nomes que o Conselho apresentar. E o Tratado de Lisboa obriga, pela primeira vez, a que a escolha do Conselho tenha em conta os resultados das eleições. Para bem de todos nós, façamos votos para que, ao menos desta vez, os responsáveis europeus tenham bem em conta os resultados destas eleições e correspondam aos sinais enviados pelos cidadãos europeus.

Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 9 de Junho de 2014


segunda-feira, 2 de junho de 2014

Heroísmo de Homens comuns



A Operação “Overlord” significou o início do fim da ocupação do continente europeu pela barbárie nazi. Durante longos meses, uma logística de uma dimensão antes nunca vista tinha preparado o desembarque de tropas Aliadas em França.
Inicialmente previsto para o dia 2 de Junho, as condições meteorológicas no Canal da Mancha impediram o início da operação durante vários dias. A situação era de tal forma complicada que nem permitiu festejar a tomada de Roma pelos Aliados ocorrida em 4 de Junho. Finalmente, na noite de 5 para 6 de Junho de 1944, foram largados os primeiros soldados ingleses e americanos em pára-quedas na Normandia, dando início ao Dia D. 

Às seis e meia da manhã desembarcaram os primeiros soldados americanos na praia com o nome de código “Utah”, seguindo-se soldados ingleses e canadianos nas praias “Gold”, “Sword” e “Juno”, que rapidamente entraram pelo interior do território francês, havendo no fim do Dia D, 155.000 homens desembarcados. Os alemães apenas na praia “Omaha” conseguiram suster 35.000 soldados americanos durante algum tempo, dando origem a demonstrações de bravura e coragem inimagináveis, que hoje se nos tornaram familiares através de vários filmes.
No dia 10 de Junho foram desembarcados na Normandia mais 325.000 soldados aliados. No dia 14 de Junho, deu-se o primeiro bombardeamento aéreo americano em território japonês. Dando cumprimento ao acordado anteriormente entre os Aliados, no dia 22 de Junho Estaline iniciou o ataque à Frente de Leninegrado, impedindo o comando alemão de dar toda a atenção à nova frente criada em França e começando a empurrar os exércitos alemães para ocidente, até à derrota final do 3º Reich. Quatro longos e trágicos anos depois da invasão alemã da Noruega, Dinamarca, Países Baixos e França começada em Abril de 1940, a sorte da guerra começava a mudar, mas só em 7 de Maio do ano seguinte os alemães assinariam a rendição.
Não é meu propósito nesta crónica ressaltar as barbaridades cometidas pela besta nazi durante a guerra e mesmo antes dela, contra judeus e muitos outros grupos sociais, mas essencialmente contra o valor da Liberdade.
A realidade é que passam esta semana setenta anos sobre o desembarque na Normandia, que resgatou os valores da dignidade humana.
Nesse dia perderam a vida nas praias da Normandia muitos soldados canadianos, ingleses e americanos. Foi o seu sacrifício que permitiu a derrota do nazismo e do regime de absoluta opressão que instalou em quase toda a Europa.
Muitos desses soldados eram ingleses, vindos portanto de um país europeu que, embora não tivesse chegado a ser invadido, sofreu directamente ataques alemães no seu território por via aérea e marítima. De facto, sem querer diminuir a resistência soviética ao avanço alemão, não fora a resposta firme da Inglaterra e provavelmente ainda hoje a Europa teria como cores o negro e vermelho das bandeiras nazis.
Mas no Dia D e nos meses que se seguiram muitos dos soldados que deram a sua vida pela libertação da Europa vieram do outro lado do Atlântico. Foram de uma abnegação e de uma coragem que não se podem esquecer. Alguns, poucos, dos que então lutaram em solo europeu na juventude dos seus vinte anos ainda serão vivos. Esta crónica visa mostrar que, se há forças negativas e escuras na humanidade, há também os que se sacrificam para que o futuro de todos seja aquele que escolherem livremente e sem grilhetas. Os soldados que há setenta anos desembarcaram nas praias da Normandia para nos libertar a todos, quer os que lá ficaram, quer os que seguiram em frente eram homens comuns que se tornaram heróis da Humanidade e que merecem o nosso louvor e, acima de tudo, a nossa eterna gratidão. Exactamente aquele tipo de homem comum que Aaron Copland homenageou com a sua “Fanfare For The Common Man” que convido o leitor a ouvir depois de ler esta crónica (https://www.youtube.com/watch?v=FLMVB0B1_Ts)

segunda-feira, 26 de maio de 2014

A Campanha



Eu sei que à data em que esta crónica chegar às mãos do leitor, a campanha eleitoral para “as europeias” terá já passado à história e o que se lerá mais são os resultados eleitorais, sua análise e consequências para os diversos partidos.
Mas só passadas as eleições se tem verdadeira liberdade para se analisar o que se passou durante a campanha, por tal já não poder ser interpretado e levado à conta de, sob a capa de independência de espírito, se tentar passar alguma mensagem ainda que subliminar.
Estas eleições foram para escolher os deputados europeus. Seria de esperar, depois de tanto se falar nos malefícios da organização da União, da necessidade de aproximar os eleitos dos eleitores, da falta de democraticidade, da revisão do Tratado de Lisboa, do euro e das supostas maldades que provoca nas nossas vidas, dos eurobonds, do Fundo Europeu de Estabilização Financeira, do estatuto do Banco Central Europeu, que os temas discutidos andassem por aí.
Mas o que foi que vimos, ouvimos e lemos nesta campanha?
O principal partido da oposição resolveu apresentar as suas propostas para o país durante esta campanha; o desvio da discussão daquilo que verdadeiramente estaria em causa foi imediato e, aparentemente intencional, embora os resultados nesta altura não devam ter sido os pretendidos porque se começou de imediato a discutir os seus custos, discussão nunca pacífica.


A coligação que suporta o actual governo não encontrou outros motivos de discussão que não o aparecimento na campanha do anterior primeiro-ministro.
Em determinado momento, sem que nada o fizesse prever nem se compreendam as razões para tal, a discussão focou-se em vírus, judeus e nazis!
Até o desporto entrou na liça, quando um partido propôs que o surf passasse a fazer parte dos currículos escolares.
Houve quem clamasse que estas eleições serviriam para dar um cartão vermelho ao governo, mostrando assim em que grau coloca as questões europeias e para que pensa servir os deputados eleitos pelas suas listas.
Nem se diga dos nossos parceiros europeus que não tenham dado motivos mais que importantes para justificarem a discussão dos temas europeus durante a campanha. Desde Sarkozy que veio propor preto no branco a institucionalização do directório franco-alemão para governar a União através do fim da igualdade dos estados membros, até Ângela Merkel que calmamente, do alto da sua mais que provável vitória eleitoral, confiava estar já a tratar da constituição da futura Comissão.
Entre nós, só Marcelo Rebelo de Sousa mostrou entender bem o que estava mesmo em causa nestas eleições, ao vir a Coimbra dizer que tencionava votar na coligação PSD/CDS para ajudar à eleição de Jean-Claude Juncker para a presidência da Comissão Europeia e deixando bem claro que os nomes dos candidatos a deputados europeus interessam bem pouco.
À esquerda do PS levantaram-se muitas das bandeiras que nos restantes países da união são defendidas pelos partidos mais à direita, com as críticas à Europa capitalista e ao euro à cabeça. Assim se põe tudo permanentemente em causa, colocando ilusões à frente dos interesses das populações europeias que estão fartas de demonstrar querer pertencer a esta Europa que lhes tem garantido paz e prosperidade, apesar de momentos menos bons, como o que atravessamos.
Passa assim incólume a mensagem de que a Europa e o Euro são responsáveis pelos nossos problemas, que o paraíso seria sairmos da moeda única, quando a brutal desvalorização da moeda, as falências generalizadas, a fuga de capitais e a inflação que se seguiriam originariam o caos no país e, certamente, as condições para que um golpe de estado militar acontecesse sem reação da União, porque já não lhe pertenceríamos. A União tem problemas graves, há muito a discutir e a melhorar, mas dentro da União. As eleições europeias já passaram e foram importantes. Não percamos mais tempo com vírus, surfs e o umbigo dos srs. candidatos agora eleitos deputados.

Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 26 de Maio de 2014