segunda-feira, 21 de dezembro de 2015

Folhas que caem

Atrás da Serra do Açor, bem perto da Serra da Estrela, fica uma aldeia que, de entre todas as aldeias perdidas por aquelas serranias é aquela que, embora o seu nome seja Aldeia de S. Francisco de Assis, é conhecida apenas como “a Aldeia”. Também por lá nesta altura do ano em que o ameno Outono está a acabar para dar lugar aos frios que se aproximam trazidos pelo solstício de Inverno, as folhas das árvores características como os carvalhos e os castanheiros foram caindo, restando apenas algumas que os ventos facilmente arrancarão e levarão para longe.
Terras que foram de vida difícil, aquelas. Longe de tudo, ainda hoje as estradas que lá chegam, embora com bons pavimentos em vez da terra de há não muitos anos, têm tantas curvas que desencorajam as viagens de passeio por lá, ainda que as paisagens valham bem o sacrifício.
Duas circunstâncias moldaram a Aldeia de hoje: o volfrâmio e a emigração.
Durante a primeira parte do século XX, a descoberta de que o solo daquelas serras escondia quantidades imensas de um mineral precioso para a metalurgia daqueles tempos, particularmente a ligada ao fabrico de armamento pesado, atraiu a indústria da mineração e o interesse de muitos comerciantes clandestinos que ali vinham comprar o precioso minério. Vários escritores deixaram para a posteridade as histórias ligadas ao volfrâmio nas décadas de trinta e quarenta do século passado, lembrando-me de dois livros em particular, “Volfrâmio” de Aquilino Ribeiro e “Minas de S. Francisco” de Fernando Namora. 

Ao volfrâmio se deveu a capacidade financeira para mandar os filhos estudar para Coimbra ou Lisboa, devendo a Aldeia ser, de todas as da região, aquela que mais gente tem com cursos superiores, nascida nas décadas de quarenta e cinquenta, quando anteriormente era praticamente analfabeta. A partir dos anos quarenta, primeiro para as américas e depois principalmente para França, a emigração marcou toda a região. Hoje, consequência daqueles dois factores, a Aldeia está quase deserta. Quem foi para fora estudar, não voltou, ficando a trabalhar onde se formou. Os que emigraram, ainda fizeram casas na Aldeia mas na sua maioria não regressou definitivamente, porque os filhos e netos já não são portugueses e a Aldeia não lhes diz nada, a não ser como curiosidade familiar histórica.
A Aldeia também é minha, já que lá nasceu minha Mãe, numa família de sete irmãos, sendo a mais nova das quatro raparigas. Tenho assim conhecimento de muito do que se passou naquelas terras, já que nasci nos anos cinquenta, sendo a minha geração aquela que ouviu directamente dos próprios intervenientes as histórias hoje estranhas e mesmo mirabolantes ligadas ao volfrâmio, mas também à pobreza e extrema dificuldade da vida por aquelas serras ainda há menos de cem anos.
Conheço também muito bem as características próprias dos beirões. Tendo nascido naquelas terras longe de tudo, todos os elementos da Família de minha Mãe eram pessoas com uma educação e uma finura de trato que hoje causariam inveja a muitas pessoas urbanas e com mais instrução. Mas que não haja enganos. Por baixo daquela educação e até alguma humildade no trato, todos os elementos da Família, homens e mulheres, escondiam uma personalidade fortíssima aliada a uma percepção arguta das situações. Sei que estas características não eram só dos meus Avós e seus filhos, mas que eram partilhadas por grande parte das famílias da Aldeia, definindo portanto o carácter dos habitantes antigos daquelas serras.
O fim do Outono leva as últimas folhas das árvores, as mais resistentes. 
E, há poucos dias, levou também a última filha dos meus Avós da Aldeia, a minha Tia Teresa Escolástica, com 96 anos. Como os outros irmãos e irmãs, possuía, talvez ainda de forma mais marcada e que recordo com ternura, uma extrema gentileza, sensibilidade e permanente vontade de ajudar os outros.


Nunca, ou muito raramente, abordei questões pessoais nestas páginas. Confio que os leitores me perdoarão este desvio e certamente perceberão o significado pessoal do desaparecimento de toda uma geração para mim notável, mais ainda do que o apagar sereno de uma velhinha de quase cem anos de idade.


Nota: Fotos retiradas de https://www.facebook.com/saofrancisco.assis.9?fref=ts, agradecendo ao Marco Gil a publicação das fotos da Aldeia

segunda-feira, 14 de dezembro de 2015

Um problema complexo


Passado que está o período de eleições legislativas e formação do Governo que, embora minoritário, foi aprovado por maioria na AR, é tempo de pensar no que interessa ao futuro dos portugueses.
Na sequência de quatro anos de austeridade ditada pela troika chamada por Portugal num momento de incapacidade de assumir os seus compromissos internos e exteriores, a evolução dos principais indicadores económicos e sociais chegou aos pontos de inflexão e começou finalmente a permitir encarar o futuro com outra confiança. Índices de desemprego e de emprego, produto e exportações deixaram a sua evolução negativa e passaram para o lado favorável. Os únicos factores em que a soberania nacional permite mexer depois da entrada no Euro, a despesa pública e a dívida pública, entraram também no caminho do controlo, o que permite que se larguem gradualmente as medidas de austeridade.
Mas não estamos numa zona de facilidades, nem devido à nossa situação de contas públicas, nem pela situação económica na União Europeia e no resto do mundo, pelo que o nosso caminho futuro ainda está cheio de perigos.

Continua a ouvir-se de forma bem audível que o caminho para Portugal deverá ser o crescimento económico induzido pelo consumo, assim se substituindo a desnecessária austeridade que se diz ter servido apenas para atrasar o país, por um caminho dito verdadeiramente virtuoso. Argumenta-se que cortar no défice corresponde apenas a cumprir ordens da União Europeia, em particular da Alemanha, pelo que atingido o patamar dos 3% a descida deverá ser mais lenta, sendo o correspondente aumento da dívida uma necessidade a renegociar, logo que possível.
Acredita-se na via keynesiana milagrosa: o crescimento económico vai fazer baixar o défice de forma gradual, através de aumento das receitas fiscais e diminuição de despesas sociais, por via da diminuição do desemprego. E como surgirá esse crescimento económico? Fomentando o consumo pelo aumento do dinheiro disponível. Acredita-se que, gastando-se mais, a economia crescerá automaticamente, como se ainda fossemos um país fechado ao exterior, com importações limitadas administrativamente e não um país pertencente a uma união económica e que importa grande parte do que consome.
No entanto, a verdade é que a questão fundamental da economia está nas empresas e na sua capacidade de produção de forma competitiva. É no ambiente favorável ao bom funcionamento das empresas que está o segredo do nosso crescimento económico. Os impostos altos sobre as empresas reflectem-se de 4 formas: preços mais altos nos bens que produzem, menos lucros, menos empregos ou salários mais baixos. Os estimados neo-keynesianos, chamemos-lhes assim, hoje acompanhados entre nós por marxistas-leninistas assumidos e ainda por trotskistas, poderão estar convencidos que a taxação alta das empresas é absorvida por menos lucros dos investidores ou que será possível aumentar os preços e venda dos produtos. A realidade não é essa: quem perde são os trabalhadores com menos empregos e salários mais baixos. A rarefacção do dinheiro, a extrema competitividade dos mercados globalizados e a fraca capitalização das empresas leva a isso, não haja dúvidas. E não vai melhorar, por mais que os esquerdistas radicais sonhem que a economia num regime de capitalismo (agora é politicamente correcto chamar-lhe liberalismo económico) funciona ou pode funcionar de acordo com as suas ideologias ou sonhos utópicos.
Percebe-se a aversão que muitos neo-keynesianos e companheiros de estrada têm à União Europeia e ao Euro. Já não podemos pôr as rotativas a trabalhar e fazer notas para pagar obras ou mesmo distribuir dinheiro. 
Há apenas uma alternativa, como a Grécia demonstra: cumprir regras ou abandonar o Euro. Fora disto, apenas a “apagada e vil tristeza” do eterno ciclo dos resgates a querer dar razão ao general romano que falava daquele povo na Ibéria que não se governa, nem se deixa governar.

O célebre jornalista Henry Louis Mencken disse um dia que “para qualquer problema complexo existe uma resposta que é clara, simples e errada”. É nisso que devemos pensar quando todos os dias ouvimos tanta gente a querer mostrar que os nossos problemas, designadamente os da economia que, lembre-se, gera os impostos que pagam tudo, desde o Estado Social ao funcionamento da máquina do Estado, funcionários e pensionistas incluídos, se resolvem de forma simples, pelo aumento do consumo interno e automático crescimento económico. O caminho de um futuro risonho é estreito e cheio de dificuldades. Não escolhamos o que parece óbvio e mais fácil, mas que todos teremos que pagar com juros no futuro.
Nota: Gráfico da autoria de Jorge Costa. 

Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 14 de Dezembro de 2015

segunda-feira, 7 de dezembro de 2015

Consumo de energia e clima

O que se passou na Alemanha nas últimas dezenas de anos relativamente às políticas energéticas é bem a imagem do drama causado pelas alterações climáticas e pela pressa e falta de bom senso nas tentativas desastradas de inverter a situação. A Alemanha é hoje um dos países do mundo com maior capacidade de produção de “energia verde” do mundo, mas é também um exemplo dos problemas trazidos pela política energética de subsídios a essa energia.
Depois de anos e anos a subsidiar fortemente a instalação de “quintas eólicas” e instalações solares, o consumo de carvão em centrais de energia está novamente a subir fortemente na Alemanha, porque a linhite é muito barata e o sistema energético montado precisa de suporte às energias do vento e do sol. De facto, quando em pleno funcionamento, as centrais eólicas e solares produzem muita energia a um preço muito baixo. Mas é só quando isso acontece, o que é impossível de prever. Sucede que, infelizmente, os picos de funcionamento dessas centrais é errático e o consumo de energia não o é, tendo flutuações diárias e anuais conhecidas, mas que só por acaso se podem aproximar da variação do fornecimento de energia “verde”. Tradicionalmente, as barragens dos rios serviam para “compensar” estes desvios e armazenar a energia produzida pelas centrais eólicas e solares quando a sua produção não é consumida pelo sistema. Esta reserva está no entanto esgotada nos países ricos, por questões ambientais ligadas com efeitos desastrosos nos eco-sistemas fluviais e mesmo alterações de costa, como nós portugueses sabemos muito bem. Dado que o preço da “energia verde” é muito baixo (tirando o investimento de instalação subsidiado pelo Estado), tal atira as centrais de gás natural para fora do mercado, obrigando ao seu encerramento, em favor das centrais a carvão. A decisão política de encerrar até 2022 as centrais nucleares alemãs que, como é sabido, produzem um kilowatt-hora de electricidade muito barato, vem também ajudar ao consumo cada vez maior do carvão que, ainda por cima, está cada vez mais barato, acompanhando a descida dos preços dos combustíveis fósseis provocada pela grande exportação americana do “shale-gas”. Isto, quando a queima de carvão produz duas vezes mais CO2 que a queima de gás natural. O exemplo alemão, com as suas contradições graves merece ser conhecido, porque demonstra as consequências do erro de uma passagem demasiado brusca dos sistemas energéticos clássicos para os “verdes”, resultado daquilo a que os políticos chamam muitas vezes “desígnios” que vêm a sair muito caros para os mesmos de sempre que são os consumidores e pagadores de impostos. Enquanto os consumidores domésticos alemães pagam hoje €0,30 por cada kilowatt-hora, os seus vizinhos franceses pagam €0,16, consequência das respectivas políticas energéticas nacionais.

Existem ainda muitas dúvidas sobre qual o papel efectivo da actividade humana no aquecimento global. Os cientistas que se dedicam ao estudo do clima não conseguiram até hoje criar um modelo que explique o funcionamento do clima mundial dada a complexidade do sistema em causa, de que se destaca o actual desconhecimento do funcionamento das nuvens, essencial para o circuito da água e das variações térmicas. No entanto, dois factos são indesmentíveis: o primeiro é o aquecimento global nos últimos cem anos, com um factor de crescimento acrescido a partir de meados do século XX; o segundo é o crescimento exponencial da emissão de CO2 causada pela actividade humana a partir dos anos 50, que continua nos dias de hoje com consequências, essas já bem conhecidas, no efeito de estufa na atmosfera terrestre.

É essencialmente a prudência que dita a necessidade e mesmo urgência na adopção de alternativas energéticas. A conferência internacional que está reunida em Paris acontece depois de ter terminado em 2012 o chamado protocolo de Kyoto de 1997. Os resultados deste não foram grande coisa. Se em 1995, ano da conferência que deu origem a Kyoto, a concentração de CO2 na atmosfera era de 361 partes num milhão, em 2014 esse valor tinha subido para 399, sendo esse igualmente o ano com temperaturas à superfície mais altas desde que são medidas. Até agora o acordo dos países presentes na conferência, é de que a subida da temperatura desde o início da industrialização não poderá exceder os 2º centígrados, quando até hoje essa subida foi de 0,9º. Todos sabemos o valor destes limites artificialmente impostos, que é diminuto ou nenhum. Mas, ao menos, que a conferência sirva para mostrar os erros passados e actuais e que demonstre a necessidade de investir fortemente na procura de alternativas fortes para produção e armazenagem de energia no futuro, não caindo nas asneiras de que a Alemanha é hoje exemplo.

Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 7 de Dezembro de 2015

segunda-feira, 30 de novembro de 2015

A Golpada

Com diminuta frequência, pelo menos relativamente àquela que eu preferiria, tenho de vez em quando comentado nestas crónicas algumas obras de arte que me chamam mais a atenção, umas vezes livros, outras pinturas, mais vezes composições musicais. Por alguma razão que eu próprio não descortino, nunca sucedeu escrever acerca de um filme, embora o cinema esteja claramente dentro dos meus interesses e seja na actualidade uma das formas de arte mais relevantes pelo impacto que tem na sociedade e em cada um de nós.
Na passada quinta-feira, um dos canais de televisão passou um filme que me deu muito gosto rever, alguns anos depois de o ter visto pela primeira vez. Com o nome original “The Sting”, o filme recebeu em Portugal o nome de “A Golpada”.e foi um tremendo êxito de bilheteira logo após a sua estreia em 1973, tendo mesmo recebido vários Óscares. Trata-se de uma comédia dirigida pelo realizador George Roy Hill baseada na actividade de dois vigaristas que resolvem montar um esquema para enganar um banqueiro poderoso. Os papéis dos dois personagens principais são representados pelos actores Paul Newman e Robert Redford, a mesma dupla fabulosa do não menos fantástico filme “Butch Cassidy and the Sundance Kid”, sendo a vítima da burla representada por Robert Shaw, o que diz logo da qualidade da representação.
Ao longo do filme, que se passa na Chicago dos anos trinta com o que isso tem de significativo em si mesmo, vão surgindo as diversas fases da construção da “golpada” que passa por ir convencendo e dando confiança crescente á vítima, em preparação para o grande golpe final em que irá perder uma enorme quantidade de dinheiro. Desde a montagem de um cenário fictício em que todos os supostos intervenientes como empregados, jogadores, etc. são participantes da farsa, até à própria participação da polícia também ela enganada e envolvida nos esquemas montados com vista a demonstrar credibilidade junto do enganado, tudo vai acontecendo de forma programada para atingir o objectivo final. O conto do vigário, em que a vítima é levada ao convencimento de que ela é que está a levar o vigarista ao engano, é a demonstração de como a mente humana perversa é a que mais facilmente se deixa levar por quem a sabe manipular. O realizador vai-nos conduzindo pelo enredo, à medida que os factos se vão desenrolando, não se sabendo se o que vamos vendo é verdade ou apenas o engano de cada um dos personagens
O filme foi feito com base num romance de David Maurer aparentemente inspirado em factos reais pelo que, mais uma vez, a arte segue a vida real e não o contrário. Nas mais variadas áreas da vida surgem pessoas que conseguem definir objectivos difíceis e mesmo genericamente tidos como impossíveis, atingindo-os através da manipulação inteligente de adversários e acompanhantes. Nestas actividades, antes de se chegar ao fim, ninguém sabe em que lado está, podendo imaginar estar num lado quando na realidade está noutro, trocando-se de perspectiva à medida que os enredos avançam, sendo o manipulador o único que sabe onde está e o que pretende, de princípio ao fim. Por vezes, o próprio fim é percepcionado de forma errada pelos intervenientes que, eventualmente, só muito mais tarde se vêm a aperceber do que realmente se passou e a maneira como foram enganados, pensando ter ganho alguma coisa.

Por vezes ficamos com a sensação de que o manipulador tem o seu maior gosto no processo em si e não apenas ganhar o que quer. No diálogo final de a “Golpada” Henry Gondorff representado por Newman, na sequência de uma conversa anterior sobre os motivos daquelas actividades, pergunta a Johnny Hooker representado por Redford se o gozo do sucesso não é realmente suficiente. A resposta do parceiro da vigarice, certamente a pensar no que ganhou, é que não e nesse momento hesita, acrescentando que anda lá perto. Nos filmes, à acção segue-se a passagem das informações sobre o filme, que servem para nos devolver à realidade. Na vida real, o sucesso ou insucesso das manipulações vem depois, para além da acção espectacular, quando normalmente se conclui que não é possível enganar toda a gente ao mesmo tempo, durante muito tempo.

Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 30 de Novembro de 2015

ICEBERG


Isto é um iceberg. Dá para afundar muita coisa, para além de navios. E a parte mais importante não é a que está à vista.

segunda-feira, 23 de novembro de 2015

Presidenciais

Há cerca de quatro meses exprimi nesta página o voto de que os portugueses pudessem vir a ter a possibilidade de escolher Marcelo Rebelo de Sousa ou Maria de Belém de entre os candidatos que viessem a surgir para as eleições para Presidente da República, que agora já sabemos que ocorrerão em 24 de Janeiro.
Felizmente, tal veio a suceder. Para além daquelas duas, há as candidaturas de Henrique Neto e de Sampaio da Nóvoa, como independentes e também de Marisa Matias e de Edgar Silva surgidas do interior dos seus partidos, respectivamente o Bloco de Esquerda e o Partido Comunista Português. Todos estes candidatos serão personalidades certamente respeitáveis, com as suas próprias propostas para o exercício do mais alto cargo da República. De entre eles destaca-se claramente Henrique Neto que tem atrás de si uma longa carreira de sucesso na área empresarial, sendo-lhe familiar uma área importante para o país, que é a economia, mas que é daquelas que mais claramente compete ao Governo, pelo seu carácter executivo. Sampaio da Nóvoa aparece com alguns apoios importantes, mas a sua carreira é exclusivamente académica, notando-se no seu discurso, a meu ver, um claro distanciamento da realidade de um pequeno país integrado numa união económica e financeira de que a esmagadora maioria dos portugueses não quer sair. Os candidatos do BE e do PCP seguem a linha histórica de marcar terreno numa primeira volta, com o fim de conseguir uma segunda, onde os respectivos partidos possam vir a ter papel negocial.
Já Marcelo e Maria de Belém são personalidades há muitos anos ligadas aos seus partidos, o PSD e o PS, mas que se apresentam individualmente, de certa forma até, pelo menos inicialmente, à revelia das actuais direcções partidárias. Ambos tiveram percursos políticos de relevância e, acima de tudo, são políticos experientes, centristas, que recusam radicalismos e experimentalismos. Pela sua eleição, qualquer um deles será garantia de que a presidência se exercerá com respeito por todas as opções políticas, mas sabendo que o futuro dos portugueses deve ser acautelado, participando activamente na construção de soluções governativas respeitadoras da vontade da esmagadora maioria dos portugueses que é europeista, pretendendo integrar-se da melhor maneira na Europa e não destrui-la por dentro.
Como se tem visto na sequência dos resultados das últimas eleições legislativas, o papel do Presidente da República é muito importante, dadas as características semi-presidencialistas do nosso regime. 

De acordo com a Constituição, que devemos respeitar nas suas diversas orientações, para umas coisas mas para outras também, cabe ao Presidente da República “nomear o primeiro-ministro, após ouvir os partidos políticos e tendo em conta os resultados eleitorais”. Significa isto que o Presidente (que tem a legitimidade própria de, pessoalmente, ter sido directamente escolhido pela maioria dos votos dos eleitores) tem aqui uma liberdade de opção que não deve nem pode alienar, dada a sua escolha pelos portugueses significar também responsabilidade. Entre as suas competências, o Presidente da República pode ainda, observando algumas normas, dissolver a Assembleia da República. Pode-se ter menos consideração pela personalidade que, em cada momento, exerce as funções de Presidente da República. Não se pode é fingir que no nosso sistema político o Presidente da República é uma simples figura representativa ou pretender cortar os seus poderes e, ainda menos desrespeitá-la, dado ser o representante máximo da República, o único escolhido directamente pelos portugueses.
Pelo que se vai vendo, os próximos anos irão trazer-nos pela certa uma grande conflitualidade e, pela quase certa a necessidade de encontrar de novo quem nos apoie financeiramente para continuarmos no euro, como a maioria dos portugueses querem, ao contrário dos que defendem o regresso ao escudo e ao “orgulhosamente sós” da dita “oberania perdida”, sem explicar ao povo o que isso significaria.
A escolha do Presidente da República em Janeiro de 2016 vai ser crucial para o nosso caminho colectivo futuro. Marcelo Rebelo de Sousa reúne pessoalmente todas as características necessárias para esse exercício. Tem uma formação jurídica sólida, conhece o sistema político por dentro como ninguém, pensando por si tem ideias políticas claras e possui uma capacidade notória de comunicação, essencial para obter os necessários consensos. Por tudo isto e muito mais, estou certo de que não estarei sozinho no apoio a Marcelo, antes pelo contrário, estarei com a maioria dos portugueses na escolha presidencial a fazer no dia 24 de Janeiro de 2016.

Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 23 de Novembro de 2015


segunda-feira, 16 de novembro de 2015

Paris


E eis que a realidade brutal se impõe de forma absoluta a todos os nossos problemas, dificuldades e indefinições. À semelhança do 11 de Setembro em Nova Iorque, o ataque terrorista de ontem em Paris coloca um ponto de não retorno sobre os caminhos mal ou bem percorridos até então.
Perante o mal absoluto não adianta procurar causas profundas ou justificações socio-políticas mais ou menos elaboradas. Pretender justificar ou mesmo desculpar quem pratica estes actos de barbárie seria o mesmo que fazê-lo a  Adolf Hitler pelo Holocausto. Relembro que esta gente do dito estado islâmico ainda na semana passada divulgou um filme em que assassinava umas duzentas crianças, e há poucos meses decapitou e pendurou nas ruínas históricas o corpo do arqueólogo responsável por Palmira não havendo evidentemente ninguém, para além deles próprios, responsável por tais actos.

O dito estado islâmico decidiu vir fazer, no coração da Europa, o mesmo que todos os dias faz nos territórios sírios e iraquianos onde anda à solta. Se em Janeiro último o ataque terrorista ao Charlie Hebdo tinha como alvo específico a liberdade de imprensa e uma razão religiosa/ideológica evidente por aquela revista satírica abordar frequentemente o fundamentalismo islâmico, desta vez o alvo escolhido foram os cidadãos comuns. O maior número possível deles, fossem homens, mulheres ou crianças. Fossem brancos, pretos ou amarelos. Fossem cristãos, muçulmanos, judeus ou indus. De atentado passou a guerra trazida para dentro da Europa.
Aquilo que vemos nas televisões ser o dia-a-dia nos territórios nos territórios do dito estado islâmico foi transportado para o centro de Paris. Tornou-se mais fácil perceber a razão de milhões de pessoas andarem a procurar refúgio pelo médio-oriente e pela Europa, fugindo ao pavor da guerra do estado islâmico. A mistura de ataques suicidas com bombas junto a um estádio de futebol onde decorria um jogo internacional com mais de 80.000 espectadores, disparos contra clientes de restaurantes e ataque com armas semi-automáticas contra os espectadores numa sala de espectáculos incluindo a tomada de reféns, configura o tipo de guerra sem regras e sem quartel que levam a cabo no médio oriente e que sempre disseram querer trazer ao ocidente europeu para instituir aquilo a que chamam califado.
Os fundamentalistas islâmicos sabem bem o que fazem e escolheram propositadamente o momento para trazer a sua guerra para o centro da Europa. Parece não haver já dúvidas de que a queda do avião russo há poucos dias na península do Sinai se ficou a dever a uma bomba colocada a bordo pelos extremistas islâmicos. O recente ataque em Beirute pretendeu levar a luta também para aquele país que, recordado da sua trágica guerra civil, encontrou processos de voltar a ser um país civilizado e pacífico, como era quando era conhecido como a Suiça do médio-oriente. A intenção de colocar a ferro e fogo todo o Médio Oriente e a Europa é hoje uma evidência. O facto de centenas de milhares de refugiados dessa guerra procurarem hoje a Europa, provocando caos nas fronteiras e obrigando a medidas excepcionais para dar uma solução digna ao problema é outro cenário que os fundamentalistas pretendem usar para provocar cisões políticas e aumentar as probabilidades de confusão nas ruas, enfraquecendo a capacidade de resistência europeia. Não será simples coincidência que este ataque tenha tido lugar em França, onde nas próximas eleições o sentimento de auto-defesa das populações poderá facilitar a aceitação de ideias xenófobas refectidas nos resultados eleitorais.

Num momento destes não chega proclamar que somos todos franceses ou colocar “gosto” em posts nas redes sociais. A França é, para todos os amantes da Liberdade, o símbolo do progresso e da tolerância. Mas é mais do que isso. A França é o centro de uma Europa que tenta encontrar um caminho comum de prosperidade em liberdade. As diferenças entre os europeus que amam a civilização construída tantas vezes com “sangue, suor e lágrimas” mesmo, ou sobretudo contra inimigos internos, devem ser esbatidas contra o ressurgimento da barbárie. Perante o sucedido, é nosso dever parar para lembrar e honrar todas as vítimas que morreram sem sequer saberem em nome de quê e enviar, ainda que em pensamento, a total solidariedade aos seus familiares. 

Tal como a própria França, grande na História da Humanidade em tantos aspectos e tantas vezes, perante a gigantesca ferida aberta deve ser institucionalmente motivo de todo o apoio e confiança incondicional dos outros países europeus, incluindo Portugal. Que todos nós, europeus livres, possamos dizer, sem dúvidas nem medos: a barbárie não passará!

Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 16 Nov. 15

segunda-feira, 9 de novembro de 2015

DEZ ANOS

Passaram na semana passada dez anos sobre a publicação do primeiro “Visto de Dentro” no Diário de Coimbra. Curiosamente, tendo ido revisitar aquele texto, verifiquei que o poderia ter escrito nos dias de hoje. Está lá a necessidade de perspectiva construtiva sobre os problemas da sociedade, bem como a opção por evitar juízos morais, a que acrescento hoje a fuga a proselitismos, no respeito pelas opiniões alheias.
É assim que, com todo o gosto, e pedindo licença ao jornal e aos leitores desta crónica semanal, reproduzo aqui aquela crónica:
“Serve o título desta série de crónicas de opinião para indicar que o autor assume claramente um posicionamento no interior do actual sistema social, político e económico. E é a partir das suas observações desse ponto de vista que se propõe partilhar com os leitores do Diário de Coimbra os seus comentários que reflectirão as suas concordâncias, discordâncias e eventuais perplexidades suscitadas por diversas situações. O mundo de hoje, e particularmente Portugal, atravessa uma crise sentida por todos, decorrente de alterações profundas e muito rápidas da organização das sociedades a nível global, que se vêm adicionar a deficiências estruturais crónicas. Levantam-se questões novas que exigem frequentemente abordagens diferentes e soluções muitas vezes inovadoras. Tentar-se-á aqui fugir dos juízos morais que se transformam hoje amiúde em armas de combate político e de destruição, a fazer lembrar tempos inquisitoriais antigos que deveriam estar já bem enterrados. Optar-se-á sim por posições optimizadoras e construtivas, com o objectivo de poder contribuir para uma visão positiva da sociedade, que tão necessária é para melhorar a auto-estima dos concidadãos. Aproveito para lembrar uma pequena história certamente bem conhecida de muitos leitores.
Há muitos anos, um viajante passou por três canteiros que trabalhavam cada um sua pedra; á mesma pergunta sobre o que faziam, obteve três respostas distintas:
O primeiro respondeu que trabalhava para ganhar a vida; O segundo respondeu que talhava uma pedra; O terceiro respondeu que construía uma catedral.
O que acha o leitor? Sente-se de algum modo interpelado pela historieta? Ou acha que não tem nada a ver com os dias de hoje?”
A este texto inicial seguiram-se já 520 crónicas escritas e publicadas em tantas outras semanas sempre à segunda-feira, sem qualquer interrupção. Dez anos é de facto muito tempo. Deu para ver partir Pai e Mãe e muitos amigos e familiares, uns muito chegados, outros nem tanto, para o maravilhoso nascimento de netas e até para ver os gráficos dos monitores no hospital a ficarem subitamente todos horizontais após uma operação cirúrgica delicada e ter a felicidade de voltar a acordar poucas horas depois.
O “estatuto editorial” definido na primeira crónica foi sendo mantido com algum cuidado, embora tenha consciência de que em alguns dos textos a situação abordada ou mesmo o contexto pessoal levaram a que tivesse tido havido um pouco mais de acutilância na abordagem. Mas algures terei escrito algo que aprendi há muitos anos e costumo citar com frequência: admito tudo, fanáticos é que não, isto é, podemos ou devemos mesmo ser intolerantes com a intolerância.
Escrever a crónica semanal tornou-se um hábito, quando não mesmo uma necessidade. Às vezes perguntam-me como encontro temas para tantas crónicas. Quase sempre é a realidade que se impõe, mas acontece às vezes não ter vontade de escrever sobre ela porque muito francamente me aborrece e é então que saem os textos de que gosto mais. Outras vezes são as crónicas que ganham vida própria e, no fim, têm pouco a ver com o que comecei a escrever. Muitas crónicas obrigam a fazer algum estudo, porque descobri ter leitores que procuram informação onde eu supunha haver apenas opinião, embora o mais sustentada que me seja possível.

De vez em quando um leitor vem ter comigo a comentar este ou aquele aspecto, a discordar desta ou outra opinião. Principalmente para esses a quem agradeço as críticas e comentários, mas não nego que também para minha própria satisfação pessoal, continuarei a dedicar os sábados de manhã à escrita, até porque aquilo que calamos não existe.

segunda-feira, 2 de novembro de 2015

Refugiados


Na semana passada, do meio das notícias trágicas sobre o actual drama dos fugitivos à guerra nos próximo e médio orientes surgiu uma que, no meio daquela tragédia nos fez sorrir e pensar que, mesmo no meio da desgraça, há sempre algo que corre bem e mostra que a Humanidade merece ser salva. Uma mulher com 105 anos conseguiu chegar, com a sua família num total de 17 pessoas, a um campo de refugiados na Croácia. Tinham partido do Afeganistão 20 dias antes e feito uma viagem cheia de dificuldades atravessando montanhas e florestas; se durante algumas partes do percurso, caminhou pelo seu próprio pé, em grande parte do trajecto aquela mulher foi transportada às costas pelos familiares, incluindo o filho que conta com 67 anos. Como muitos dos outros refugiados que ali chegam, o sonho desta família é partir para a Suécia, um dos países nórdicos com tradição de acolhimento de refugiados, tal como a Noruega.
O que são refugiados? Todos nós ouvimos falar deles mas, eventualmente, não teremos bem presente o verdadeiro significado da palavra. Um dos maiores cataclismos da Humanidade foi provocado pela II Guerra Mundial. Quando acabou em 1945, milhões de pessoas tinham perdido familiares, além dos seus haveres, enchendo as estradas europeias de filas gigantescas a caminho de algum lugar onde pudessem ter futuro. 

Em 1951 sentiu-se a necessidade de garantir protecção legal internacional a essas pessoas, que não são emigrantes clássicos, já que não são pessoas que simplesmente procuram trabalho noutro país que não o seu. Na realidade, os refugiados abandonam os seus próprios países fugindo da guerra ou de perseguição já sofrida ou receada. De acordo com a lei internacional, o refugiado não pode ser obrigado a regressar ao seu país contra a sua vontade.
A tragédia dos refugiados que se desenrola aos nossos olhos nos dias de hoje faz lembrar as grandes movimentações de pessoas do passado, com a diferença de não se tratar de europeus e sim de pessoas oriundas de alguns países africanos que chegam às costas do norte de África e ainda da Síria, do Afeganistão e do Iraque, mas também do Kosovo e da Albânia. Todos pretendem entrar na União Europeia e sonham terminar as suas viagens essencialmente na Alemanha, na Suécia, na Itália, em França e no reino Unido. Só no corrente ano já entraram na Europa mais de 600.000 pessoas nestas condições, das quais metade são crianças, sendo o ritmo actual de cerca de 10.000 por dia, ritmo esse ainda assim inferior ao do ano de 2014 que foi de 42.500. As rotas de entrada na Europa que têm impressionado mais pelas mortes que lhes estão associadas são as do Mediterrâneo Central e Oriental, dada a utilização de embarcações sem capacidade para as centenas de pessoas que transportam com o objectivo de chegarem a Malta, Sicília, península italiana e ilhas gregas. No dia seguinte à notícia da chegada feliz da mulher de 105 anos de idade à Europa, em dois naufrágios junto às ilhas gregas de Kalymnos e Rodas morreram pelo menos 21 pessoas, havendo um número desconhecido de desaparecidos.
Mas o elevado número de pessoas que chegam diariamente às fronteiras da Roménia, da Bulgária, da Sérvia, da Macedónia e da Grécia cria um problema humanitário gigantesco, aumentado nestes dias pelo frio do Inverno que está a chegar. A Europa é, para todos estes refugiados, um “el-.dorado” pela estabilidade, prosperidade e segurança que proporciona aos seus cidadãos. E cabe à Europa, como um todo, dar resposta satisfatória aos anseios destes refugiados que a procuram como tábua de salvação. Os países que, pela sua localização, são a porta de entrada dos refugiados que atravessaram a Turquia, têm que sentir a solidariedade de toda a União, porque este é um problema humanitário, mas também um problema político comum. Percebe-se que esses países construam barreiras que criem pontos controlados de entrada, mas já não se percebe que outros países, como a Suécia, se venham queixar de que não têm condições para receber uns 190.000 refugiados, receando entrar em colapso!

As “primaveras árabes” que tanto encantaram muitos europeus, as sucessivas invasões do Afeganistão, a invasão do Iraque, os conflitos entre muçulmanos sunitas e xiitas, a descida do preço do petróleo, a guerra civil na Síria, problemas antigos mas sempre prontos a eclodir como a questão dos curdos e o recrudescimento do fanatismo islâmico criaram um barril de pólvora às portas da Europa. Receia-se que esse barril possa explodir, com o imperialismo de uns e sede de imperialismo de outros que já foram e querem ser de novo. A Europa pode dar um contributo essencial para o futuro, acolhendo as populações em fuga, partilhando com elas aquilo que tantas vezes tem a mais e construindo assim a possibilidade de uma futura cooperação com os países de que são originárias. 
Não esqueçamos que metade destes refugiados são crianças, a quem é devida formação escolar e cultural. No futuro, são estes jovens que podem fazer toda a diferença, quando regressarem aos seus países.

Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 2 de Novembro de 2015